Maurice Herzog e o Annapurna

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Maurice Herzog: “No cume (Annapurna) senti que minha vida teria novo rumo”


Maurice Herzog visitou a Livraria Desnível em 24 de junho para um encontro com montanhistas, alpinistas e escaladores na comemoração dos sessenta anos da escalada do Annapurna com a reedição do livro Annapurna, primer ochomil. Oportunidade única para conversar e aprender com este fabuloso alpinista de 91 anos que, juntamente com Lachenal, foi o primeiro homem a pisar o cume de um oito mil.

Expedição francesa de 1950 no Annapurna

Acompanhe a entrevista:

Um dos momentos mais impactantes de seu livro, Annapurna, primer ochomil é quando, a caminho do cume, Lachenal lhe pergunta o que faria se ele resolvesse dar meia volta e você responde que seguiria sozinho. Realmente teria continuado sozinho até o cume?

Sim, realmente teria continuado. Quando Lachenal viu minha determinação, não duvidou nem um momento e subiu comigo.

Todos os expedicionários eram guias de montanha, menos você.

Sim, porém tinha uma grande paixão pessoal. Permaneci quase uma hora no cume. Lachenal queria descer rapidamente. Para um profissional, a empreitada está encerrada assim que vê sua piqueta plantada no cume e quer descer o quanto antes. Eu tinha outro pensamento e queria ficar muito tempo ali.

Crê que sua vida teria sido diferente se não houvesse conquistado o Annapurna sessenta anos atrás?

O fato de ter escalado o Annapurna mudou e marcou profundamente minha vida e a mim mesmo. No cume senti que minha vida teria novo rumo, que mudaria completamente meu futuro. Estou feliz por ter conquistado o cume antes dos demais. É um cume especial e tenho dele maravilhosas recordações.

Porque escolheram o Annapurna em lugar do Daulagiri, que era o objetivo inicial?

Tínhamos as duas possibilidades, porém optamos pelo Annapurna porque apesar de nos parecer difícil era mais acessível que o Daulagiri que nos pareceu mais perigoso. Não queríamos correr mais riscos do que o necessário.

Herzog no cume do Annapurna em 1950

Sua motivação era mais patriótica ou desportiva?

Não. Era motivo de orgulho nacional, mas esta não era a principal razão para escalar um oito mil.

Sessenta anos depois, o que repetiria e o que mudaria?

Creio que na mesma situação que vivi sessenta anos atrás mudaria muitas coisas, mas as reações seriam muito provavelmente as mesmas.

Que outras conquistas do mundo do alpinismo considera relevantes?

Toda a história do alpinismo está repleta de grandes homens que produziram grandes conquistas. Não é justo apontar nenhuma em particular. Edward Whymper foi um dos grandes, porém há muitos outros de igual estatura.

Lionel Terray e o Sherpa Ang Tharkey, atrás Marcel Schatz, o segundo grupo está Lachenal e dois Sher

Seu livro termina com uma frase mítica Há outros Annapurnas na vida dos homens… Encontrou outros Annapurnas em sua vida?

Sim, afortunadamente ou desgraçadamente, as coisas são muito diferentes e não me arrependo de ter escalado o Annapurna. Vivi outros momentos transcendentes na minha vida profissional e política quando fui Ministro do General De Gaule.

Que significa o risco para você? Ele já teve serventia fora da montanha?

No Annapurna arriscamos muito, depois em minha vida, me defrontei com outros riscos, sempre que houve necessidade.

O que o levou a dar um passo adiante apesar do risco crescer exponencialmente?

Sou um homem de montanha, e vivi aos pés dos Alpes toda a minha vida e isto moldou minha realidade por completo. Com uma grande força de vontade pude conquistar este cume de oito mil metros.

Se não houvesse sofrido as amputações nas mãos e pés, crê que haveria escalado outras grandes montanhas?

Queria escalar outras montanhas depois de tudo que passei para provar a mim mesmo, porém me dei conta de que não conseguiria devido as amputações.

O Annapurna foi o grande desafio de sua vida?

Eu creio. O Annapurna foi para mim a oportunidade de mudar de vida, cheia de surpresas, porém não foi o único, apesar de que para mim esta montanha é sagrada.

Maurice Herzog sendo transportado por Sherpa depois do acidente – Autor Marcel Ichac

A experiência valeu a pena apesar de ter lhe custado os dedos das mãos e dos pés?

É triste não ter estes dedos, mas nunca me arrependi desta experiência que vivi. Acho de menos não sacrificar os dedos por aqueles momentos maravilhosos que recordarei por toda a vida.

Que podemos fazer para conservar as montanhas?

É verdade que alguns alpinistas não respeitam a natureza. Proteger a natureza é difícil e cada vez há mais proibições e normas a cumprir. Sabendo que a montanha é um espaço de liberdade todos devemos fazer um esforço.

Quais são suas montanhas preferidas?

O Mont Blanc e o Alpes em geral. Também os Andes.

As montanhas contam histórias?

As montanhas não falam, inspiram. Todas as montanhas tem uma alma criada por homens. A deusa do Annapurna, por exemplo, significa muito para mim.

Produção: Denível.com
Versão: Julio Cesar Fiori

Maurice Herzog hoje

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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