Eliseu Frechou e o montanhismo de hoje no Brasil

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O escalador de São Paulo e colunista do AltaMontanha Luciano Fernandes preparou uma entrevista especial com um dos maiores ícones da escalada do Brasil, Eliseu Frechou, que falou de assuntos que estão sendo mais discutidos pela internet como seu novo guia, o incidente do point de boulder de São Bento do Sapucaí “Aranha“ e o perigo iminente da ABETA na escalada. Confira:

1 – Eliseu, como está o trabalho da edição da Nova Edição guia de escaladas de São Bento e Sul de Minas?

Cada edição do guia começa no momento que outra é impressa. Não conseguiremos jamais ter um Guia completo, pois sempre que finalizamos um, existem novas novas e points aparecendo ou sendo modificados.

2 – Qual é a meta (número de páginas, formato , quantidade de vias, etc) que foi estabelecida para o Guia? Haverá novos locais como Zé Vermelho e etc de Pindamonhangaba.

Teremos umas 30 páginas a mais com certeza, mas a diagramação está no início ainda. Existem diversas novas rotas e setores completos que serão agregados ao novo Guia, mas ainda assim, não tenho a intenção – nem a pretensão – de fazer um guia completíssimo. Vou dar uma filtrada para escolher o que realmente vale o papel em que será impresso.

Para um trabalho bacana, também conto com a colaboração dos conquistadores, pois mesmo sabendo da existência das vias, não sei quem as abriu e as sugestões de graus, equipamentos e outras infos que os conquistadores desejam que seja incluídas.

Já fazem alguns anos que estou trabalhando em outro guia, desta vez do Estado de São Paulo, e o Vale do Paraíba entrará neste outro guia.

3 – Houve uma certa confusão acerca do local de prática de boulder chamado pelos escaladores locais de “Aranha”.Teria como você explicar o que aconteceu de verdade no “caso do aranha”?

A causa do fechamento é uma situação que acontece em diversos lugares de escalada: escaladores entrando em propriedades particulares e se achando donos.

O sentimento de que mato é terra de ninguém, é o que tem causado conflito com os proprietários, pois o que parece mato para quem é da cidade, é o quintal de casa para quem mora na roça.

No caso específico do Aranha, o episódio do escalador que resolveu levar um cacho de bananas para casa, foi a gota d´água.

4 – Estão acontecendo mais incidentes entre escaladores e proprietários na região de São Bento do Sapucaí do que antes, ou é somente coincidência?

Isso de deve ao fenômeno de que 99% das pessoas que aqui escalam nunca pediram permissão para entrar numa propriedade. Como a escalada fora do conjunto Pedra do Baú é relativamente nova, fui eu, o Luis Clément, o Renato Torlay quem primeiro conversou com os proprietários.

A galera que chegou depois encontrou a porteira aberta. A maioria é gente do bem, com educação, mas sempre existe o playboy que acha que alguém vai à falésia limpar a sujeira dele na segunda-feira (e isso não acontece), ou o Mauricinho que acha que quem mora na roça é ignorante e não merece um “Bom dia”… isso gera na verdade, um conflito cultural.

E se você fosse dono da terra, não permitiria quem te esnoba ou suja seu jardim entrar na sua propriedade.

É isso o que eu constato nos anos que tenho vivido aqui.

5 – Você sempre é procurado pelos proprietários destes locais para responder por escaladores irresponsáveis?

Exato… e o motivo é o que acabei de falar acima: fui eu quem pediu para que nos deixassem entrar.

Para citar um exemplo, várias vezes já fui chamado “prum cafezim” com o dono de um dos melhores points daqui… sempre para ouvir “Será que você pode pedir para os seus amigos…” “não acamparem no terreno”, “não trazerem cachorros aqui”, “não fumarem neste lugar”… pois bem: lógico que nem todo mundo é meu amigo, nem sequer conheço à todos.

Mas na cabeça deste proprietário, sou eu a quem ele permitiu a entrada, sou eu quem abriu as vias… então sou eu o responsável pela bagunça que outros fazem. Há duas maneiras de resolver este problema: os escaladores se educando ou fechando o point.

6 – Como anda sendo a imagem que os escaladores estão cultivando na cidade e na região?

Nos últimos anos não tem sido boa.

7 – Os escaladores que estão frequentando o local estão respeitando o código de conduta (para abertura de vias e etc) que foi publicado após as reuniões realizadas no ano passado?

Pelo que eu saiba sim. Mas ainda falta muito o que ser feito no que foi combinado no Seminário.

Por exemplo, a regrampeação das rotas foi paralisada.

8 – Há realmente a possibilidade de os proprietários de onde se localizam os locais de escalada mais populares de começarem a cobrar a entrada de escaladores (Pedra da Divisa, Coimbra, Falésia dos Olhos e etc)?

Espero que não, pois isso só agravará o problema. Dinheiro não é a solução.
Respeito e parcerias tem muito mais valor.

Dinheiro, quando vira fonte de renda só trará mais fechamentos, inflação e problemas que no final das contas acabará com a escalada neste lugar.

Basta ver o que aconteceu no Guaraiúva, onde por conta de 1 único escalador que não quis pagar a entrada, o dono fechou permanentemente o local.

9- Depois da sua grande conquista no Monte Roraima, como foi a sua recuperação física ?

Fiquei 15 dias de molho! Ahahahaha Mas no mês seguinte já deu pra encadenar 9a´s, então tudo bem. Grandes paredes maltratam muito o corpo, por isso eu me disponho a entrar na roubada apenas quando o objetivo me interessa e sinto que vou aprender algo novo.

Escalar só por escalar, esportiva é bem mais prazeroso, e dá pra voltar para jantar em casa.

10 – Seu blog é talvez o blog de escalada mais visitado do Brasil, como blogueiro, acredita que postar algo de outro blog(mas deixando a fonte) apenas para informação dos leitores é “apoderar da informação” ?

Acho que não.

A medida que eu procuro infos na web, quer seja de equipos, quer seja sobre o que acontece no exterior, mesmo dando meu parecer sobre o caso, e escrevendo de outra maneira…

Eu me apodero de informações geradas por outras pessoas também, e as replico. Me sinto lisonjeado quando meus textos são transcritos. Quando a fonte é citada, não vejo problema algum.

11 – Sobre a situação de ameaça que está acontecendo sobre o controle da ABETA, como você analisa isso?

Lastimável. Estão transformando nossas entidades esportistas em um bando de moleques sem a capacidade de normatizar seu próprio esporte.

Somos capazes, e não vamos aceitar isso.

Acredito que cada montanhista e escalador deva lutar por esta causa. Esporte e turismo são sim, diferentes, mas é o turismo, por meio da ABETA quem está invadindo a nossa área, que resolveu vender o esporte em larga escala – eles é que tem que pedir nossa homologação, não o contrário.

Em nenhum país do mundo, o Ministério do Turismo dita normas para os esportistas. Por que aqui seria diferente? Se for assim, daqui a pouco estarão querendo ditar regras para o futebol, que se enquadra no mesmo raciocínio que eles vem usando para “engolir” o montanhismo
.
E vamos lembrando, que a ABETA ganhou muito dinheiro do governo. Entidades como a Associação Brasileira de Parapente tem 3500 associados, 60 clubes e 70 instrutores e uma sistemática de administração que não exige um funcionário sequer.

O Montanhismo está neste caminho, mas sem dinheiro é demorado. De qualquer modo, não podem nos atropelar.

11 – Convivendo com vários escaladores que sempre vão a seu abrigo, todos estão preocupados com o “Caso ABETA”, ou muita gente que escalada não está interessada?

Há muita gente preocupada.

E o mais importante: nossas entidades mais representativas estão se movimentando.

O Silvério Néry já esteve várias vezes em Brasília para tratar deste assunto. Uma pena que haja dissidentes desta causa nas federações. Existem pessoas que não sabem (e não querem) dividir interesses particulares dos comunitários.

Então talvez seja esta a hora de separar as coisas mesmo, de sabermos quem cada um é primeiro: montanhista ou empresário.

E nada contra o que cada um escolher primeiro, só não se pode, pelo menos neste momento, querer jogar nos dois times, pois isso é falta de ética.

12 – No ano passado o local das cercanias da Pedra do Baú estava por virar parque, como anda esta situação?

O processo de criação do Monumento Natural Estadual da Pedra do Baú está em andamento. Está sendo criado o plano de manejo neste momento.

13 – Faz cerca de 3 anos que foi publicado uma reportagem sua na revista GoOutside sobre a acessibilidade de escaladores e seus comportamentos. Como está o panorama hoje?

Em muitos lugares temos sentido melhoras, infelizmente após incidentes desastrosos. Educação e comprometimento são idéias que precisamos incutir no
nosso povo.

14 – Há de concreto alguma escalada de quebrar barreiras como a do Monte Roraima marcada na agenda?

Opa! Yeah! Madagascar é a próxima trip. Existem algumas paredes bem interessantes por lá, e meus cliffs enferrujam se eu ficar muito tempo sem usá-los.

Eliseu Frechou em auto retrato

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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