Pedro Hauck e o montanhismo contemporâneo

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O escalador de São Paulo Luciano Fernandes, autor do Blog de Escalada e colunista do AltaMontanha.com, entrevistou Pedro Hauck, montanhista que também é colunista e editor do site. Ele fala de como começou a fazer montanha, um pouco de suas experiências e opiniões sobre o montanhismo contemporâneo. Confira:

Por Luciano Fernandes

Para saber mais sobre escalada e montanhismo é sempre bom conversar com as pessoas que fazem parte deste universo peculiar e único. Somente escutando uma só pessoa (no caso eu e o http://blogdescalada.blospot.com) falar sobre o esporte pode “mascarar” um pouco a realidade.

Tive a oportunidade de conversar com um dos maiores destaques do montanhismo nacional, mas que prefere seguir um estilo de vida mais longe dos holofotes e vivendo uma vida o mais possível “Low Profile”: Pedro Hauck. O escalador, mestre em geografia, e doutorando, vive na região próxima à cidade de Campinas – SP.

O escalador pode ter suas aventuras e opniões acompanhadas em http://www.pedrohauck.net/

Pedro Hauck

Com a palavra Pedro Hauck:

1 – Pedro, como foi que se iniciou na escalada?

Por intermédio de amigos, eu conheci o Maximo Kausch, ainda no colégio. Ele e outros amigos organizavam umas caminhadas em locais como Monte Verde (MG) e a Serra do Mar. Fui uma vez e “viciei”, logo então começamos a ser amigo e começamos a caminhar e escalar junto (foi ele que me ensinou a escalar!). Nos dois primeiros anos fazíamos mais excursionismo em locais como o Parque Nacional de Itatiaia, mas juntamos dinheiro e em 2000, quando a gente tinha 18 anos de idade, fomos para a Argentina de carona, com muito pouco dinheiro. Nesta viagem a gente escalou 5 montanhas de altitude, dentre ela o Cerro Plata, de quase seis mil metros, andamos 10 mil Km de carona, indo até Ushuaia e voltando a Itatiba (SP), onde morávamos, levamos 5 meses para fazer tudo isso…

Além de fazer tudo de maneira muito precária, mas independente, ainda voltamos para casa com um pouco de dinheiro, que seis meses mais tarde usamos para ir para Bolívia e pro Peru em nossa segunda experiência andina. Depois não parei mais e a cada seis meses mais ou menos eu estava voltando para lá para fazer montanhismo de altitude. É por causa da minha origem no montanhismo que eu gosto mais de escalada tradicional do que esportiva, pois unir escalada e ascensão em montanha é tudo de bom!

2 – Para você o que mudou na escalada do período que começou até hoje?

Quando comecei o montanhismo era mais popular e estava sempre na mídia. Com as expedições do Waldemar Niclevicz, o montanhismo ganhou destaque e a escalada também. Em 1998, ano que comecei a escalar, São Paulo ganhou a Casa de Pedra e havia muita gente começando. Escalar era moda e víamos isso nos locais de escalada mais próximos da capital, como por exemplo, na Pedreira do DIB, onde a gente tinha que fazer fila para escalar as vias. Hoje o local mostra o que aconteceu, se você for lá, irá encontrar poucas pessoas. Houve uma redução quantitativa muito grande de escaladores, mas houve um ganho qualitativo, pois quem continuou, ganhou experiência e evoluiu. Entretanto tenho saudades daquela época, quando tínhamos revistas de escalada e muito mais espaço.

3 – Quais foram as principais montanhas, de Alta montanha que conseguiu realizar cume?

Eu já estive em mais de 30 montanhas de altitude nos Andes, mas não fiz cume em todos. Das montanhas que fiz cume, eu acho que uma das principais foi o Tupungato, um vulcão que fica na divisa entre Chile e Argentina com 6500 metros de altitude. Eu gosto desta ascensão não pela dificuldade técnica, mas sim pela superação. A caminhada desta montanha começa a 1800 metros de altitude e para chegar lá é super difícil se você não tem carro, o que era o caso na época. Fomos de ônibus até San Jose de Maipo (Chile) e batemos de porta em porta oferecendo 20 dólares para nos levar até a entrada da trilha (em Santiago nos cobraram 200 por pessoa!). Assim chegamos à trilha, que tem 70 km de extensão até a montanha, trilha que fizemos sem mulas, carregando tudo nas costas. Na montanha encontramos somente com duas expedições, que estavam descendo, sem fazer cume. Nem preciso dizer que eles estavam muito mais equipados que nós… Fomos os únicos a fazer cume naquele ano. Como pode perceber, sempre fizemos montanhismo com os mínimos recursos e sempre conseguíamos cumprir com os objetivos na base da insistência e com bom psicológico para agüentar a solidão e a angustia.

4 – Para quem procura realizar uma escalada em Alta Montanha, como deve proceder?

Se o cara quiser fazer tudo de maneira independente, como eu fiz, tem que antes pegar bastante experiência em montanhismo no Brasil, se tornar um cara “safo” como o Jorge Soto. Só depois ele deve ir aos Andes e quando for, tem que ler muito para entender como fazer aclimatação direito, para não achar que vai poder fazer igual ele faria aqui no Brasil. Eu recomendo ter uma primeira experiência no Cordón Del Plata, em Mendoza – Argentina. Lá tem muitas montanhas de altitudes diferentes, culminando com o Cerro Plata que tem quase seis mil metros, foi onde eu comecei. Se ele quiser encurtar o caminho, poderá fazer um curso de montanhismo em altitude com o Davi Marski ou com a Grade VI que leva pessoas para a Bolívia. Com estes cursos ele vai direto ao assunto e já vai aprender a como andar em glaciares e andar em geleiras.

5 – Qual o seu próximo projeto de Alta Montanha?

Bom, isso depende das minhas próximas férias. Se for em janeiro, eu pretendo ir para Manaus, na casa de um grande amigo e ir com ele até o Monte Roraima. De lá, pretendo seguir viagem até a Venezuela, para escalar o Pico Bolivar e Humboldt, o primeiro e o segundo mais alto deste país. Depois quero ir para Colombia escalar o Pan de Azucar, para ganhar aclimatação para tentar o Cotopaxi no Equador. Para finalizar, pretendo escalar o Chimborazo, que é a montanha mais alta daquele país, todas as montanhas sem grande dificuldade técnica, mas maravilhosas. Se não rolar férias em Janeiro, aí irei pro Peru em Julho escalar na Cordillera Blanca, para fazer montanhas mais técnicas de escalada em gelo.

6 – No Brasil hoje o esporte de escalada e montanhismo está sob grande ameaça da “ABETA” como está visualizando isso?

Eu vejo como uma grande ameaça. A Abeta fez convênios com o Ministério do Turismo para regulamentar o turismo de aventura no Brasil, algo extremamente necessário (e feito com milhões de dinheiro público, diga se passagem), tendo em vista que essa atividade econômica gera emprego e renda com a manutenção da originalidade das paisagens. Entretanto eles fizeram normas via ABNT e o código do consumidor deixa claro que na prestação de serviços, estes serviços devem se adequar às normas.

Isso significa que o curso de escalada que você faz em um clube, ou até mesmo uma atividade num fim de semana tem que ter a certificação da abeta, o que transforma uma associação de empresários de turismo numa entidade paralela de administração desportiva da escalada e montanhismo, tendo em vista que clubes formam federações e estas a CBME.&nbsp, Se formos cumprir a lei, nossos clubes teriam que se filiar à Abeta, mas não à CBME. Se as técnicas de escalada são esportivas, não seriam eles que deveriam pedir licença para usá-las?

Pior do que isso são as emendas do Projeto de Lei 7288/10, que exige certificação do praticante amador de esportes de aventura (escalada e montanhismo dentre outros) e isenta a certificação das empresas de turismo. Ou seja, forçam as pessoas a contratar empresas de turismo para praticar esporte. Turismo de Aventura não é Esporte de Aventura. Isso é uma aberração e uma grande ameaça!

7 – Você que sempre se envolveu com organizações políticas na escalada, como você vê a política representativa de escalada no Brasil?

Eu comecei a me envolver na política da escalada em 2008, quando fui convidado a ser diretor de escalada da Fepam. Eu não conhecia o histórico da Federação e fui descobrindo aos poucos que muitas pessoas se envolvem na política do montanhismo somente para defender interesses próprios. Basta ver para quem estas pessoas trabalham…

Tive grande conflito com pessoas assim, que defendem as normas do turismo de aventura ou as proibições nos Parques, ou seja, pessoas que não defendem o montanhismo, mas sim a Abeta e o Preservacionismo suicida. Ainda bem que nossas federações não estão dominadas por estas pessoas. O Bernardo Collares e o Silvério Nery são pessoas que defendem o montanhismo como ele é originalmente. Com eles eu tenho certeza que o montanhista estará representado contra estes abusos que estão acontecendo.

Eles também são contra outra ameaça ao montanhismo, que são os exageros nas proibições dos parques. Entretanto todas estas lutas são muito lentas, tenda em vista que a CBME não tem dinheiro e depende exclusivamente do trabalho voluntário. Tenho medo de, na sucessão de gestão, possa entrar gente que não defende o montanhismo e projetos absurdos como este da PL 7288 passe com a aprovação da CBME.

8 – Você que reside no estado de São Paulo, como está visualizando a retração que o estado está sofrendo nos últimos anos?

Eu acho que a cidade de São Paulo sofreu um retrocesso imenso na escalada. Diversos ginásios e lojas fecharam, as rochas próximas de SP se esvaziaram e a maior cidade do país hoje escala muito pouco. São Paulo, em números absolutos, há muitos escaladores, mas em números relativos, muito pouco. Estes escaladores, coitados, estão sem casa, sem identidade e muito dispersos. Para mim isso aconteceu por conta de várias coisas, uma delas é o próprio modismo típico do paulistano.

A escalada saiu de moda, então todo mundo parou. Depois veio a moda da corrida de aventura e agora parece ser do running. Fui à loja da The North Face no Shopping Morumbi e o atendente não sabia que a marca que ele vendia era originalmente uma marca de montanha! Alias nem sabia o que era montanhismo… Isso para mim diz tudo…

Quando a escalada saiu de moda em SP, os empresários tiveram que se adaptar e hoje a North Face é uma marca de gente que corre no asfalto… O problema é exatamente isso, em SP montanhismo foi moda e em diversos outros locais, como no Rio, Paraná, Santa Catarina, montanhismo é cultura!

9 – Na cidade de São Bento do Sapucaí nos últimos anos há vários casos de vandalismo nos locais de escalada . Porque acredita que estão se multiplicando os casos de mau comportamento em locais de escalada, como os ocorridos em São Bento do Sapucaí?

Para mim isso ocorre por que estas pessoas não se identificam com a cultura do montanhismo. Eles procuram locais naturais para reproduzir escaladas de alta performance, sem se preocupar com o local onde estão escalando. Esquecem que a pedra que estão escalando tem dono e acham que podem fazer o que querem. É um problema cultural de falta de educação. Infelizmente isso vem acontecendo com freqüência, pois cada vez mais há menos pessoas que são montanhistas escalando.

10 – Em sua opinião, como é retrato do montanhismo de hoje?

Eu acho que o montanhismo está passando por uma grande crise de identidade exemplificada em varias respostas de suas questões. Isso advém de nosso momento histórico atual. Vivemos num mundo poluído e ambientalmente destruído, num sistema econômico desumano e hiper pragmático. O montanhismo é, em essência, aquele praticado no século XVIII, baseado na busca por aventura e liberdade.

Onde está nossa liberdade hoje em dia? E a aventura? Estão nas normas da Abeta e nas proibições dos parques! O pior é que por defender o montanhismo tradicional sou taxado de anti natureza e anti segurança, é mole? Montanhismo não serve para mais nada a não ser fazer montanhismo e fazer montanhismo também não é só subir. Há muito mais coisa envolvida… Estou escrevendo um livro falando desta crise do montanhismo, onde pretendo abrir a cabeça da galera para repensar em suas ações e no futuro de nossa atividade no Brasil.

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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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