A História do Himalaísmo brasileiro, parte XVI

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Décima sexta parte do especial sobre o histórico das expedições brasileiras às maiores montanhas do mundo…

Capítulo 70 – EVEREST 2011 (8.850m)
Afora o Casal Coelho, o montanhista de maior experiência em Everest é o paulista Rodrigo Raineri.
Suas incursões à Grande Montanha começaram em 2005, quando deu meia-volta a meros 50 metros verticais do cume, por não se sentir em condição de prosseguir. Como se diz popularmente, “faltou apenas um tantinho assim”. Em 2006, foi até 7800 metros, quando a expedição foi cancelada em virtude da tragédia ocorrida com seu parceiro de cordada Vitor Negrete.
Após esses insucessos, Rodrigo deu a volta por cima e, desde então, pisou no topo do Everest em todas as demais expedições que liderou.
Sua primeira conquista foi em 2008, ao lado de Eduardo Keppke. Retornou em 2011, fazendo novo cume (nota: em 2013, adicionou mais um êxito, e é o primeiro brasileiro a obter três sucessos no Everest, em capítulo que será narrado nos próximos históricos).
Voltemos o foco de nossa atenção para o que aconteceu na expedição por ele capitaneada em 2011.
Liderando equipe de sua empresa de montanhismo Grade VI – sob a logística da empresa nepalesa de montanhismo Asian Trekking –, Raineri retornou pela quarta vez à Região do Khumbu, em expedição da qual faziam parte Carlos Eduardo Canellas, Carlos Eduardo Santalena e Edimar Martins.
A rota utilizada foi a normal nepalesa (Aresta Sul). O primeiro ataque ao cume ocorreu no início de maio, e os dois Carlos fizeram cume logo em 7 de maio, utilizando oxigênio suplementar, na companhia dos sherpas Pasang Rinji e Serap Gyalzen. Rodrigo acabou desistindo na altura do Balcony (8300 metros), por causa dos fortes ventos que sopravam (a intenção do brasileiro era saltar de paraglider, o que se mostrava inviável naquelas condições climáticas).
Duas semanas após, o líder da expedição fez um segundo ataque ao cume, desta vez bem sucedido, e pisou lá em cima em 20 de maio, sua segunda conquista (naquela ocasião, igualando a marca de Niclevicz), lado a lado com Kami Chhiring Sherpa.
No processo de aclimatação, Canellas e Santalena ascenderam o Chukung Ri (5845 m), em abril.
Em tempo: o paulista Edimar Martins seguiu a equipe apenas até o campo-base, e ficou lá dando apoio à expedição. Todavia, sua participação foi empolgante, tendo em vista que ele ascendeu, no início de maio, o Kala Pattar (5545 m), de cujo cume saltou de parapente, sobrevoando por cinco minutos o Vale Khumbu, até pousar nas cercanias da vila Gorak Shep (5300 m).
Nota: A Grade VI, sediada em Campinas (SP), tem se notabilizado por ser a companhia de montanhismo sulamericana que mais montanhistas diferentes colocou no teto do mundo. Ademais, o guia Santalena sagrou-se o brasileiro mais jovem a submeter o Big E (com apenas 24 anos de idade).
Capítulo 71 – Everest 2011 (8.850m)
Uma das duplas mais experimentadas de alpinistas nacionais – e também uma das mais queridas – novamente deu as caras em 2011, retornando ao Everest pela décima terceira vez, montanha que pode ser considerada, praticamente, a segunda casa desse simpático casal: Paulo Coelho e Helena Coelho.
A expedição, com logística e direção-geral da empresa Asian Trekking, era integrada, também, por Cid Ferrari, o japonês radicado no Brasil Tatsuo Matsumoto e a australiana Alessandra Pepper, além de quatro sherpas de apoio: Angdu, Tshering Phinjo, Phurba Namgyal e Pemba Rita.
Nas palavras de Helena, ela e o seu marido não tinham a intenção de ir ao cume, mas sim o de auxiliar o cliente que os contratou. Assim, Paulo e Helena foram apenas até 7000 metros, ao passo que Cid fez duas investidas ao cume. Na primeira, em 17 de maio, foi até 8000 metros; na segunda, em 21 de maio, deteu-se aos 7900 metros.
O motivo de sua desistência foram problemas apresentados no pé esquerdo. Em seu retorno ao Brasil, a líder Helena narrou: “O Cid Ferrari não pode continuar a sua escalada ao cume do Everest, pois foi acometido por uma inflamação – tendinite – em seu pé esquerdo e até um ponto superficial de congelamento em um dos dedos do pé” (site Webventure).
No final de maio, o escalador foi resgatado de helicóptero. Levado ao hospital, em Kathmandu, foi constatada a ausência de pulso no pé afetado e um “exame de Doppler Vascular viu que duas das três artérias que irrigam o local estavam entupidas, provocando trombose” (Gazeta Esportiva).
Sobre o incidente, Ferrari ponderou: “A Helena Coelho teve que me aplicar anticoagulante a cada 12 horas, durante todo o percurso”. Embora tivesse que ficar afastado algum tempo das altas montanhas, mencionou, emocionado: “Foi um sonho, uma realização única, o ápice da minha vida” (Gazeta Esportiva).
Nota: O Casal Coelho continua sendo o duo de escaladores mais experientes no Everest (lá estiveram em 1991, 1997, 1998, 1999, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008 e 2011, totalizando treze expedições). Quanto à Cid Ferrari, depois de recuperado, iria tentar novamente o Everest em 2014, mas o fechamento do flanco nepalês para as expedições pôs termo a seus planos, ao menos por enquanto [esses fatos serão narrados futuramente].
Capítulo 72 – KANGCHENJUNGA 2011 (8.586m)
Cleo Weidlich, prosseguindo em seu projeto de angariar todos os catorze 8000 – nenhuma mulher latino-americana possui esse feito – dirigiu-se na primavera de 2011 ao remoto e difícil Kangchenjunga (8586 m), terceira montanha mais elevada do planeta e que faz fronteira entre o Nepal e a Índia.
Naquele palco de rocha e gelo, a brasileira viveu momentos de triunfo e tragédia em proporções iguais.
Triunfo, por ter realizado, em 21 de maio, com oxigênio suplementar, e pela rota normal (Face Sudoeste), a primeira ascensão absoluta brasileira ao Kangchenjunga, na companhia de Pema Tshering Sherpa (nepalês que já havia culminado a montanha em 2009). Com essa conquista, Cleo tornou-se a primeira mulher das Américas a culminar o KG [nota: o Kangchenjunga somente foi ascendido, até hoje, por treze mulheres].
Já os contornos trágicos de sua saga deram-se por causa dos momentos difíceis e angustiantes pelos quais passou, sobretudo na descida.
Registro, de início, que as versões da Cleo e dos demais alpinistas que estiveram na montanha e que presenciaram os fatos são bem diferentes, de tal modo que o presente capítulo será um apanhado geral dos relatos dos diversos envolvidos. Para maiores esclarecimentos, recomenda-se a leitura do site pessoal da Cleo e dos outros montanhistas nominados neste capítulo (vide abaixo).
Na versão da brasileira, ela pisou em falso durante a subida, em uma rocha escondida sob a neve, e rompeu o ligamento do joelho, além de perder os óculos de sol. Por conta desse incidente, na descida do cume, sentindo dores horríveis no joelho e semi-ofuscada pela luminosidade, foi encontrada caída na neve, por volta dos 7600 metros, de acordo com os relatos de Anselm Murphy e Ted Atkins.
Segundo o que foi possível apurar, a descida da brasileira foi épica, e as ações de todos – sherpas contratados por Cleo e alpinistas que a encontraram na neve – foram cruciais para salvar a vida da brasileira. O descenso foi tão complicado, que o escalador romeno Alex Gavan, outro que presenciou os fatos, chegou a mencionar em seu blog: “Had been an extremly close call” (“Por muito pouco ela não morreu”, em tradução livre).
Após terem sido a ela ministrados oxigênio engarrafado, dexametasona [corticoide forte]e nifedipina [bloqueador de cálcio], ela conseguiu, a duras penas (muita dor), descer ao campo dois (6400 metros), de onde um resgate de helicóptero foi engendrado pela companhia Fishtail Air/Global Rescue (vide: http://alexgavan.ro/expedition/kangchenjunga-2011 e http://www.anselm-murphy.com/ – ambos em inglês).
Novamente reforçando que os relatos dos envolvidos divergem, sugiro a leitura dos sites acima indicados, e também os seguintes: https://altamontanha.com/Noticia/2929/cleo-weidlich-a-beira-do-abismo e http://cweidlichsherpagirl.blogspot.com.br/ .
Nota: O Kangchenjunga, pelas dificuldades logísticas e de acesso, é uma das montanhas que menos expedições sulamericanas recebeu até os dias de hoje. O único brasileiro que havia se aventurado por lá, antes da Cleo, foi o pioneiro José Luiz Pauletto, que participou de expedição polaca invernal em 1985/1986. Com o êxito conquistado, Cleo passou a ser a sulamericana com mais 8000ers: cinco no currículo (nos dias de hoje, continua na liderança, com oito).
Capítulo 73 – K2 (8.611m) 2011
Cleo Weidlich tinha planos para escalar o K2, no verão do Karakoram de 2011, mas viu-se forçada a cancelar a expedição por conta da lesão sofrida no joelho.
Capítulo 74 – DAMAVAND 2011 (5.610m)
A brasileira Caroline Dutra reside no Irã e tem aventura no sangue, tendo realizado inúmeras expedições, de todo tipo, mundo afora.
Para o ano de 2011, na companhia dos também brasileiros Eduardo e Rafael, resolveu ascender a montanha mais elevada do Irã, o Damavand (5.610 metros), ponto culminante da Cadeia de Alborz.
A rota normal não apresentou maiores dificuldades técnicas, “a trilha era por um vértice da montanha, cheia de pedras e cascalhos soltos”, nos dizeres da protagonista. Após onze horas de escalada contínua, no dia 20 de agosto, pisaram no ponto mais elevado desse vulcão dormente.  Embora não houvesse atividade piroclástica, “infelizmente nosso tempo no topo era curto, tanto pela altitude quanto pelo gás sulfúrico” (www.coordenadaxy.com).
Nota: Conquanto não haja dados precisos sobre esse 5000, nos meus registros Caroline realizou a primeira ascensão feminina brasileira ao Damavand.
Capítulo 75 – KHUITEN 2011 (4.374m)
Em suas peregrinações pelo mundo, o incansável Manoel Morgado “descobriu” essa distante e interessante montanha, parte da Cadeia Altai, na Mongólia. Em 2011, além do gaúcho, compunham a expedição brasileira a guia Lisete Florenzano, Eduardo Santos Filho e José Roberto Resende.
No processo de aclimatação, a equipe ascendeu também o Malchin (4100 metros), uma montanha vizinha do Khuiten, e que também nunca havia sido ascendida por brasileiros. Nos dizeres de Morgado, “o Malchin é muito mais fácil, não passando de uma caminhada um pouco inclinada dificultada pela neve fresca que tinha caído no dia anterior” (site de Manoel Morgado).
Quanto ao objetivo principal da expedição, narrou o gaúcho: “Na investida ao cume, a escalada começou com uma rampa pouco inclinada até chegar na crista que levava diretamente ao platô do cume. Aí vieram os dois maiores desafios da montanha, rampas de 80 metros de altura com inclinação de 45, 50 graus […] Depois de cinco horas de escalada, o tempo estava maravilhoso sem vento algum e o cume estava ao alcance das mãos”.
Assim, no dia primeiro de agosto, o time cravou os crampons no ponto culminante do território mongol.
Nota: Primeira conquista brasileira conhecida a um cume da Cadeia Altai, mais um mérito ao aventureiro e desbravador Morgado. Após o êxito de 2011, a empresa Morgado Expedições adicionou o Khuiten ao seu cardápio, com expedição bem sucedida em 2012 e outra agendada para 2014. Também interessante notar que essa foi a primeira montanha da Ásia a ser culminada por Lisete Florenzano, um dos nomes mais proeminentes da nova geração de montanhistas brasileiras, e que recentemente culminou o Cho Oyu.
Capítulo 76 – Shishapangma 2011 (8.027m)
Um pouco mais recuperada da lesão no joelho esquerdo sofrida no ataque ao cume do Kangchenjunga, Cleo Weidlich foi em busca do Shishapangma, montanha elusiva que já havia sido tentada pela amazonense em 2009, sem sucesso. Apesar da melhora em seu quadro clínico, Cleo escalou com uma proteção no joelho, para amenizar o impacto nas articulações.
Após o processo de aclimatação, nos dizeres da alpinista, “constatamos que a rota tinha mudado bastante. As avalanches após o terremoto tinham depositado muita neve e agora o nível da neve estava no peito do Kami [Kami Sherpa, seu parceiro de cordada]. Acima da rota, as prateleiras de gelo e cornichas (cornices) estavam rachadas em várias direções. Debatemos-nos bastante num vento que, de acordo com a Meteotest, atingiu 75 km/h à noite. Decidimos descer e desistir do ataque ao cume. Tínhamos atingido 7600 metros” (site Extremos).
Nota: Apesar de várias expedições verde-amarelas ao Shishapangma (1986, 1996, 1997, 1998, 2009, 2010 e 2011), por figuras conhecidas de nós – Paulo Coelho, Helena Coelho, Roman Romancini, Cleo Weidlich e Michel Vincent –, apenas Waldemar Niclevicz efetivamente fez cume no ponto mais alto do maciço.
Capítulo 77 – Cho Oyu 2011 (8.188m)
Aventura pouco divulgada em 2011 foi a participação do brasiliense Bruno Versiani dos Anjos (35 anos, nascido em 1976), inspetor e ex-diretor do Ibama, em expedição comercial ao Cho Oyu, no outono.
A empresa de montanhismo escolhida pelo aventureiro foi a renomada Summitclimb, liderada pelo experimentado holandês Arnold Coster e o argentino Maximo Kausch, e cuja expedição era integrada por alpinistas da Suíça, Espanha, África do Sul, Irlanda, Suécia e Reino Unido, bem como vários sherpas muito experientes.
A chegada ao campo-base foi em 7 de setembro, mas o brasileiro nem chegou a escalar as encostas da sexta maior montanha. Em comunicado oficial no site da Summitclimb: “Infelizmente nosso membro brasileiro, Bruno dos Anjos, teve que deixar o Tibete prematuramente. Ele chegou a Kathmandu hoje e pegará vôo de volta ao Brasil tão logo consiga marcar. Sua ausência será sentida”.
Os motivos do abandono prematuro não foram especificados.
Capítulo 78 – ISLAND PEAK (6.173m) & AMA DABLAM  (6.812m) 2011
Essa aventura quase passou batida pela imprensa nacional, mas foi resgatada em artigo publicado este ano (vide link abaixo).
O carioca Antonio Carlos Fernandes de Borja, conhecido por Wally, após conquistas em território nacional e também nos Andes, resolveu partir para desafio mais distante, e aceitou convite para escalar o Ama Dablam, uma das montanhas mais bonitas do mundo, e cuja rota-padrão é bastante desafiadora e interessante.
A expedição era liderada pelo japonês radicado brasileiro Tatsuo Matsumoto, e composta pelo pessoal de apoio nepali Nima Sherpa e Phurba Namgyal Sherpa.
No trajeto até a montanha, os alpinistas foram se aclimatando e cumulando cumes: Kala Pattar (5545 m), Lobuje East (6119 m) e Island Peak (6173 m). Concluída a aclimatação, partiram em busca da cereja do bolo.
Segundo Wally, “o trecho de maior dificuldade foi indo para o cume, depois de sair de nosso acampamento três, por sinal bem perigoso (exposto). Esse campo era bem inclinado e fazia muito frio”. Iniciado o ataque ao cume, o montanhista acabou derrubando seu piolet, o que quase comprometeu a escalada.
Passada a dificuldade, Antonio culminou, finalmente, o Ama Dablam, em 7 de novembro, conquista que ele narrou, por e-mail, com intensa emoção: “Naquele instante tudo parecia um sonho, o dia estava perfeito, não tinha vento e a vista das maiores montanhas do mundo enchia meus olhos. Fiquei muito emocionado e agradeci a Deus e Buda com todo respeito à montanha”.
Na descida, outro momento delicado. Ao saltar uma greta (crevasse), o gelo desmoronou e por pouco não tragou o carioca: “Se eu não estivesse encordado e o guia não fosse esperto, já teria me transformado em uma estatística negativa”.
E, assim, Wally é o terceiro brasileiro a culminar o Ama Dablam, logo após Roman Romancini (2008) e Emilia Yoko Takahashi (2009). Além deles, tentaram o pico, mas sem cume, Rodrigo de Mello, Arnaldo Ribeiro Pinto, Jadar Simonelli, Ana Elisa Boscarioli, Marcelo Santos (Bonga), Maurício Clauzet (Tonto), Allir Wellner (Mute).
Nota Final: Cronograma do Histórico
Os eventos relativos a 2012 sairão na Parte XVII do Histórico (a ser publicada no segundo semestre); os relativos a 2013 serão narrados na Parte XVIII (que será publicada também no segundo semestre).
Texto: Rodrigo Granzotto Peron
Data de conclusão do artigo: 5-5-2014
Eventuais dúvidas ou acréscimos: alazaf at terra.com.br
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Sobre o autor

Texto publicado pela própria redação do Portal.

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