Circuitão pelo rio Sertãozinho

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O Rio Sertãozinho nasce em Biritiba-Mirim (Mogi das Cruzes) e desce a serra sinuosamente, formando várias quedas até desaguar no Rio Guacá, maior tributário do Itapanhaú. E foi justamente os arredores deste trecho encachoeirado q fomos explorar neste último sábado de sol. Descendo pela tradicional “Trilha do Itapanháu“ (Mogi-Bertioga) até a bela “Cachoeira do Elefante“, subimos a serra novamente ora pelo rio, escalaminhando os paredões da cachu, saltando pedras ou mesmo chapinhando pela água, ora varando mato por íngremes encostas forradas de espessa Mata Atlântica. A meio-caminho reencontramos a picada inicial p/ dali retornar por um afluente do Sertãozinho, o Rio das Pedras, num lugar onde o mesmo despenca verticalmente serra abaixo numa impressionante garganta c/ sucessivas cachus. Um circuitão de 700m de desnível q descortina novas paisagens desta deslumbrante e selvagem Serra do Mar mogiana.


A idéia inicial de descer o Rio Sertãozinho até a Cachu do Elefante foi logo descartada. Vários fatores nos convenceram a mudar nossas pretensões em cima da hora: a escassez de tempo hábil, a gde declividade do caminho e o alto volume das águas dos rios. Optamos então por realizar um circuitão no sentido inverso, pois diante das condições apresentadas era mais fácil subir do q descer qq rio q fosse. Dessa forma eu, Angelo, Nando, Danilo e Guto Arouca saltamos do trem na Est. Estudantes, em Mogi, onde caminhamos apressadamente pro term. de bus a tempo de tomar o coletivo (“Manoel Ferreira”), q com pontualidade britânica zarpou as 8:10! Após sacolejar um bom tempo pela cidade pra depois ganhar o asfalto em direção ao litoral, as 9hrs, o “latão” nos deixou no lugar q atende pelo nome de ” Balança”. Marcado por um simplório boteco, o lugar é o tradicional point de onde sai boa parte das caminhadas pela região.

Após ajeitar as tralhas e beliscar uns salgados, nos lançamos ao asfalto rumo o inicio da “Picada do Itapanhaú”, 4 km distante dali, sentido Bertioga. O sábado amanhecera imerso em densa nebulosidade, mas agora limpava promissoramente e não tardou p/ despontar um lindo sol martelando sob nossas cacholas, q ao mesmo tempo realçava os vários tons de verde da vegetação da exuberante Serra do Mar ao redor, por sua vez siluetada por um céu imensamente azul.

A passos rápidos, chegamos ao nosso destino as 9:50, indicado pela placa “km 81”. Estamos a exatos 730m, pelo altímetro do Nando. Deixamos a rodovia adentrando numa picada à direita, e mergulhamos na mata de forma definitiva. O chão úmido e repleto de trechos empoçados não oferece gde desnível em seu inicio, tornando a caminhada agradável e bem aprazível. Após vencer com cautela os restos de uma decrépita ponte de madeira, bordejamos um belo riacho pela sua margem esquerda, mas não demora a cruzá-lo logo adiante, chapinhando c/ água até a canela. É o manso Rio das Pedras, q a partir daqui inicia seu curso de forma mais furiosa serra abaixo. Aqui há um ótimo gramado a beira de uma convidativa prainha fluvial, onde havia tb uma barraca montada, mas cujo dono não vimos sinal algum.

Após breve parada pra checar ptos gps, prosseguimos a pernada pela mesma picada no meio da mata, s/ maiores dificuldades, sempre acompanhando o rio em nível pela sua encosta direita, um pouco mais acima. Logo adiante surge uma bifurcação, mas o bom senso nos mantêm no ramo da esquerda, bem mais batido. O caminho desce suavemente, sempre bordejando a encosta pela estreita picada, eventualmente costeando barrancos. Saltar vários troncos tombados no caminho ou desviar de alguns deslizamentos são apenas alguns obstáculos deste trecho inicial.

Qdo o rugido do rio aumenta subitamente, no fundo do vale ao nosso lado, é sinal q o Rio das Pedras encontrou o Sertãozinho nalgum ponto! É tb neste pto q deixamos a beirada do planalto e a picada começa a descer forte, em íngremes e largos ziguezagues, a encosta da montanha serra abaixo! Eventuais frestas na densa mata permitem visualizar as encostas serranas opostas despencando em profundos vales, assim como o fino traço da rodovia (SP-98) riscando o manto verde horizontalmente sentido Bertioga. Perdendo altitude rapidamente naquela manhã quente, não tarda ao calor fazer nossos rostos suar em bicas, mas felizmente este trecho ladeando a encosta está repleto de bicas d´água caindo pela direita, q refrescam nossa goela em mais de uma ocasião.

Perdendo altitude rapidamente, a encosta montanhosa cede lugar a uma crista de serra, com mato caindo de ambos os lados, pela qual prosseguimos no mesmo compasso. A declividade acentuada em td trajeto é vencida através de uma natural “escadaria de raízes”, de “degraus” bastante irregulares e bem espaçados entre si. Dessa forma, as 11:20 topamos com uma bifurcação significativa na altura dos160m, onde ignoramos o ramo da direita, q se mantém na crista e prossegue serra abaixo até dar as margens do Rio Itapanhaú e, bem mais adiante, em Bertioga. Mas como tomamos a picada da esquerda, descemos forte a encosta da serra, passamos por algumas clareiras de acampamento e logo caímos nas margens pedregosas do ruidoso Rio Sertãozinho. Dali bastou acompanhar a picada ladeando o rio, saltando algumas rochas e, num piscar de olhos, desembocamos ao sopé da imponente Cachu do Elefante, as 11:30.

A cachoeira é enorme. São vários degraus rochosos sucessivos de água despencando em varias quedas! De onde estamos só podemos ver a parte baixa da cachu, mais precisamente os níveis inferiores, c/ água sendo despejada em doses maciças do alto de um paredão de mais de 30m, onde andorinhas fazem a festa voando no alto. E aqui, neste lugar fantástico a exatos 180m, nos presenteamos com um demorado pit-stop pra descanso e lanche. Até pq banho nos vários poções a disposição só eu e o Nando. Embora pra ficar molhado nem bastasse entrar na água, basta o borrifo constante despejado pela grandiosa queda pra sair plenamente ensopado.

Pois bem, até aqui td mundo chega e é programa tradicional, tanto q não tardou a aparecer uma dupla de senhores e depois uma moçadinha rasta-farofeira. Pois vamos ao diferencial do programa proposto. Após lagartear ao sol e forrar bem o estomago, as 12:30 retomamos a jornada saltando cautelosamente as pedras (bem escorregadias!) ao sopé da cachu e desviando de poções, indo pro paredão esquerdo da mesma. Aqui bastou escalaminhar galhos e raízes, nos firmando em qq tipo de mato à disposição, e assim fomos ganhando altura rapidamente, quase q na vertical! Não demorou a emergir da mata e dar nas lajotas superiores da cachu, ainda com declividade acentuada, num trecho bastante exposto q demandou não apenas boa aderência do calçado como tb um pouco de sangue frio da galera. Não havia mais galho ou mato algum pra se segurar e era necessário buscar alguma agarra ou saliência na rocha, de preferência seca e sem limo, pra continuar subindo. Olhar pra baixo não era recomendável, pois perigava vc não continuar, mas passado este trecho adrenado ganhamos um ombro rochoso mais seguro, onde pudemos respirar aliviados assim como apreciar o belo e privilegiado visu q se descortinou pra gente.

Continuamos subindo lentamente através degraus sucessivos no mesmo compasso, sempre optando por aderências rochosas secas e ásperas, evitando as molhadas, úmidas ou besuntadas de ardiloso limo. Tendo sempre um visu diferente da cachu e da serra ao redor – um muito mais espetacular q o anterior – este trecho rendeu varias fotos pro Angelo! Dava ate pra ver o famoso mirante às margens da rodovia, no km 86! Alcançamos então um trecho íngreme q ladeamos pela direita, onde varamos mato através de espinhentas e afiadas bromélias ate dar num belo poção, logo acima. Costeando o mesmo pela direita, ganhando mais um degrau ate cair numa “ilha de mata” no meio da cachu, já quase no alto dela. Aqui em cima a força das águas é mto mais impressionante q de baixo, quiçá pq a queda d´água ganhe mais impacto com o visual diferente, exposto e aberto, q a cerca. Porém, daqui já era impossível prosseguir pelo rio, pois além das pedras serem mto inclinadas e escorregadias, o próprio rio corria furiosamente à nossa frente lançando vários braços d´água no caminho, difíceis de serem transpostos sem sermos jogados cachu abaixo. Isto é, daqui em diante teríamos q avançar pelo mato, na encosta esquerda da cachu! E foi tb neste trecho q tivemos desfalque em nosso grupo, em tese, unido e coeso. O Danilo e Nando estacionaram por ali mesmo, pois não sentiam firmeza em prosseguir pelo mato incerto e não queriam perrengues maiores pro lado deles.

Com o quinteto reduzido a trio, eu, Angelo e o Guto prosseguimos a jornada mato acima, decididos pro q der e viesse, sem “amarelar” de jeito nenhum! Alcançamos então um trecho de encosta não mto inclinada onde era possível andar, avançando relativamente com alguma velocidade, desviando das pirambas verticais e deixando o rio cada vez mais embaixo, longe! Na verdade o rio subia numa seqüência de paredões e lajes verticalizadas, impossíveis de serem vencidas sem equipo apropriado, daí a necessidade de avançar pelo mato. Apesar do avanço fácil, dose mesmo era o mato espinhento q nos espetava e ralava continuamente, além de nuvens de vorazes pernilongos q não nos deixavam descansar um minuto sequer.

Após uma parada pra conferencia de GPS ao contornar uma enorme rocha e escalaminhar um ultimo trecho de terra e mato, as 14:20 caímos novamente na crista da serra, mais precisamente na trilha pela qual viéramos pela manhã, lá pelos 435m de altitude! Daqui bastou subir desimpedidamente o restante de crista, ziguezaguear outra vez a encosta da montanha, ate dar numa tênue bifurcação (q nos passou desapercebida na ida) já quase no alto da serra, as 15hrs. Tomamos a discreta picada da direita a fim de ver onde ela dava e pra nossa surpresa desembocamos num trecho privilegiado do Rio das Pedras, q já ouvíamos marulhando ao nosso lado. Mais precisamente este trecho era onde ele deixa de correr manso na horizontal pra se enfiar numa mini-garganta e despencar verticalmente numa sucessão de cachus furiosas, em vários níveis alucinantes! Foi um achado e tanto, pois o local impressiona pela altura e declividade exposta, lembrando muito o mirante da Cachu da Fumaça (da “Trilha da Ferradura/Lamaçal”), porém de proporções q deixam a famosa queda de Paranapiacaba parecendo uma simplória bica! O visual, embora limitado, permite vislumbre das verdes encostas serranas opostas assim como das areias douradas do litoral de Bertioga, limitada pelo mar azul! Um lugar interessantíssimo pra se explorar a fundo noutra ocasião. Dessa forma, atravessamos o rio cautelosamente e nos prostamos numa larga laje, no alto dos 660m, onde descansamos mais um pouco tendo aquele belo e impressionante espetáculo à nossa frente.

A partir daqui resolvemos voltar pelo rio e lá fomos nós, ora pela água ora pelo seu leito pedregoso, na margem direita. Ao dar num enorme poção ladeado de paredões de inclinação razoável, tivemos q contornar o mesmo pela mata, subindo e descendo através da encosta direita, sem maior dificuldade. Caímos então num belo trecho onde o rio se afunila numa enorme vala rochosa natural, uma espécie de mini-cânion, perfeitamente possível de ser transposto apenas andando com cautela pela sua escorregadiça laje na margem direita. Dali passamos pra margem esquerda, com água ate a coxa, onde o avanço era mais fácil e desimpedido através do leito pedregoso. A seguir não tem erro, pois o rio corre manso e sereno ate o fim.

Não demorou a chegar à prainha do inicio do dia, as 15:50, onde a trilha intercepta o Rio das Pedras. Lá nos presenteamos com um refrescante banho alem de ter uma prosa com o jovem acampado q não havíamos visto pela manhã. Nos contou q era ” fuzileiro”&nbsp, e estava ali comemorando seu aniversario, e até nos convidou pra comer um macarrão duvidoso. Convite do qual declinamos gentilmente, claro! Se de fato o guri era fuzileiro não sei (embora trajasse roupas camufladas), mas a profusão de tatuagens pelo corpo (um “gibi-ambulante”!) certamente o qualificava de qq coisa, menos fuzileiro. Seu equipo tb não prezava pelo minimalismo em termos de peso (tinha um enorme botijão e fogão a gás!), mas nos impressionou bastante pelo qtidade de gambearras q tinha á mão. Fora estas peculiaridades, nos contou tb q vai ali com bastante freqüência e não raramente ocorrem blitz noturnas do GOE, atrás de palmiteiros ou caçadores. Bom saber disso.

Nos despedimos do pitoresco rapaz dando continuidade ao resto da pernada por trilha, e as 16:30 emergimos novamente no asfalto. Retornamos os 4 km tediosos a passo de tartaruga paraplégica, chegando na “Balança” somente uma hora depois, felizmente na mesma hora em q passou o busão vazio pra Mogi. Enqto o Angelo trocava de roupa no sacolejante “latão”, eu removia espinhos e o Guto simplesmente cochilava.

Em Mogi estacionamos numa lanchonete, onde forramos o estômago decentemente e meia hora depois estávamos no trem pra Sampa, mas não em Guaianazes, esquecemos de fazer a baldeação pra Est. Luz. Coisas de desatenção e cansaço juntas. Mas e daí? Chegar cedo ou tarde na “paulicéia desvairada” era o de menos. O importante era q aquele sábado de improvisos havia valido muito a pena. Sempre vale. Só repete programas quem quer, pois como sempre, cada incursão exploratória sempre abre portas e possibilidades pra outras. E assim sucessivamente. E pra encantadora serra mogiana não era diferente. Já estão devidamente engatilhadas novas trips por outros rincões desta bela e exuberante Serra do Mar, q ainda tem muitas paisagens deslumbrantes e selvagens pra descortinar.


Texto e fotos Jorge Soto

http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

1 comentário

  1. Gostaria de mais detalhes desse rio Sertâozinho que desce a serra de Bertioga, e se há inscrições para passeios com guia para esse local.

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