Andando na Chuva

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Caratuva, Itapiroca, Cerro Verde, Tucum e Camapuã – ataque de 28 Km no sobe e desce pela Serra do Ibitiraquire abaixo da chuva torrencial – 12 horas de pernada.

Acordei as 5 da manhã com uma tormenta lá fora, para ir me habituando ao que viria pela frente, tomei um banho gelado e sai com o limpador no carro na velocidade máxima, rumo ao Big do Portão onde me encontraria com Richard, camarada montanhista, que se deslocou de Londrina para cá a fim de enfrentar essa comigo. Lá se fomos as gargalhadas com a chuva e conosco mesmo em nossa decisão de prosseguir.

Ficamos triste apenas quando chegamos no Tio Doca, pois a tormenta havia parado. Isso quase nos fez desistir, mas as nuvens negras no céu ainda nos davam esperanças, e sendo assim decidimos arriscar. Deixamos o carro no Doca as 7 da manha com idéia de chegar a ele de volta antes do anoitecer. Fomos pela estrada da serraria pra não ter que andar 2 km pela BR. Caminhada agradável, temperatura perfeita sem sol na pinha.

Muita conversa sobre o Aconcágua, pois o Richard também está indo pra lá dia 26/12, e desta forma, sem perceber chegamos no Dilson, o qual não nos deu nem mesmo um desconto por estarmos sem carro e com tempo anunciando chuva. No rio da Caratuva já estávamos encharcados, não pela chuva, mas pela água das folhas. E já que até então não havia chovido, despejei por duas vezes um PET de água sobre mim, demonstrando a São Pedro a minha intenção de tomar muitos banhos nesse dia.

Finalmente no topo do Caratuva começa garoar timidamente, mas muito aquém da chuva esperada. Porém o vento era gélido, o que nos motivou a não ficar muito tempo por lá. Descemos&nbsp,imediatamente e saímos rapidamente na entrada do Itapiroca, donde voamos pro cume, chegando neste com chuva moderada e muito vento.

Finalmente estava ficando bom. A descida pro Cerro Verde foi tranqüila, e paramos no córrego depois da greta pra tomar o suco que vinha intocado desde o rio do Caratuva. Ali fizemos nossa maior parada, a qual durou não mais que 10 minutos. A chuva havia aumentado, e o vento também. Chovia na horizontal, e as gotas pareciam mil agulhas em nossos rostos. Foi assim que chegamos ao topo do Cerro Verde, e que também não houve como fazer registro de nossa passagem devido a umidade relativa de 300%.

Felizmente o GPS é a prova d´água, e novamente mostrou por que foi. Não levei nem maquina fotográfica, pois sabia que não poderia usá-la. Alias, por ser ataque, não levei nada além de 3 pacotes de Tang, o GPS, e uma pet de 1litro. A chuva na horizontal nos fez beber tanta água, que 2 pacotes de suco voltaram pra casa. Na descida do Cerro, a chuva continuou a aumentar, e nuvens de serração passavam a 60km/h, contornando as encostas. Agora sim estava ficando como eu imaginava. Subimos o Tucum rápido, e chegamos ao topo as 15:30, e as 16 no Camapuã, onde a chuva se tornou torrencial, ganhado status de tempestade diante do vento fortíssimo.

Nunca havia visto a rampa do Camapuã daquele jeito. A trilha virou uma cachoeira, e num determinado ponto, não resisti. Tirei a mochila, e me deitei sobre ela para sentir a fúria da natureza em todo seu esplendor, o que causou um ataque de riso incontrolável no Richard. A tempestade chegou no seu auge quanto entramos na mata, e as arvores rangiam e balançavam perigosamente.

Toda a trilha se transformará em rio. Alagou nas partes planas e criava dúvidas sobre sua continuação. Logo depois do desmoronamento, um forte barulho começou se fazer presente e era assustador imaginar que poderia ser o rio, mas era. Na árvore gigante conversamos aos berros sobre o volume do rio, e ao chegar nele, tivemos uma visão impressionante. Estava pelo menos com o dobro da largura normal, e as água espumantes e nervosas desciam a mil num turbilhão que intimidava. Passar exigiu coragem, força, e equilíbrio.

Assim foi as 4 vezes que tivemos que cruzar, e na última, novamente não resisti. Tirei a mochila e me joguei com tudo. Diferente de sempre, chegamos completamente limpos na fazenda, às 17h. Não havia barro nem mesmo nas botas, muito menos mau cheiro. Durante toda a caminhada não encontramos uma única viva alma nas trilhas. Agora só restava a estrada, e já sonhávamos com o risólis de palmito no tio Doca. Porém havia um bar no caminho, e como crianças, paramos e nos entupimos de doces. O dono do bar não sabia o que era o posto do Túlio, muito menos qual a distancia deste até o Tio Doca.

Quando voltamos com o carro, descobrimos que eram 4Km, e isso explicava por que parecia nunca chegar. Chegamos no Doca as 19h, completando a volta em 12h duma inesquecível caminhada. Fizemos o esperado lanche, e completamente realizados voltamos pra casa com a lição de casa pronta.

Pra quem não tava nessa, só lamento. Espero que estejam na próxima.

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Sobre o autor

Elcio Douglas Ferreira é um dos maiores personagens do montanhismo paranaense. Experiente, frequenta nossas serras há mais de 35 anos, sendo responsável pela abertura de inúmeras trilhas e travessias. Foi um mentores da Travessia Alpha Crucis, considerada como a maior e mais difícil travessia entre montanhas no Brasil, que ele fez pela primeira vez em 2012. Possui experiência em alta montanha, já tendo escalado O Illimani na Bolívia e o Aconcágua na Argentina em poucos dias num esquema non stop impressionante.

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