A Conquista do Ferraria

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Relato da conquista do Ferraria em março de 1950, pelos já míticos Stamm, Becker, Gavião e Nabor narrada pelo próprio Herbert Becker (Dr.Mendes) e publicada pelo Vita na Gazeta do Povo de 21 de junho de 1997.
O Pico Ferraria é uma montanha de 1745 metros de altitude na Serra do Ibitiraquire, Paraná, cuja rota clássica se inicia na centenária Picada do Cristóvão (Trilha de mulas para Cacatú) e percorre a face norte da montanha. Atualmente o acesso mais usual parte da fazenda Pico Paraná pelo Morro do Getúlio e percorre as encostas do Caratuva até atingir os três cumes do Taipabuçu pela trilha aberta em meados dos anos 90 por Julio Cesar Fiori, Paulo Marinho, José Pioli e Elcio Douglas escalando a face oeste.


Em março de 1950, tomávamos o tradicional chimarão na casa do Stamm, quando aparece o Gavião com a idéia de escalarmos o Ferraria antes que outros o fizessem. Stamm alertou sobre as dificuldades para se chegar ao sítio do Belisário Armstrong (fazenda Pico Paraná) em uma caminhada de 25 quilômetros desde o Elpídio, na Graciosa (é perto da Casa Garbers). Para retorno teríamos que enfrentar a Trilha de Muares para Cacatú (Picada do Cristóvão). Nabor Imaguire, que participou dos informes preliminares, topava qualquer decisão.

Realmente no dia aprazado, encontro na Praça Tiradentes, onde o Gavião nos esperava com um caminhão conseguido não sei onde. Deixou-nos no Elpídio (ponto de parada dos ônibus que se dirigiam às praias). Muita dificuldade na marcha dos 25 quilômetros pela chuva que caíra dias atrás. Ao entardecer chegamos ao sítio do Nhô Beleza (Belisário). Participamos do jantar familiar, onde serviram um bom frango caipira com arroz.

Trouxemos presentes para a rapaziada. Para pousada nos cedeu a sala da casa e cada um se ajeitou da melhor maneira possível no assoalho. No dia seguinte estávamos todos duros e com dores nas costas por dormir naquelas tábuas duras (madeira de Imbúia) e como disse depois o Stamm, “Se pelo menos fossem tábuas de madeira mais mole”.

O tempo, no dia seguinte, estava ótimo. Saímos do sítio do Belisário e emborcamos rumo a estrada das tropas, que vai dali para Cacatú. Esse caminho é o pior que conheci até agora. O barro vai até os tornozelos e isto por quilômetros e mais quilômetros, sem dar folga. Depois que andamos um bom trecho, mais ou menos por uma hora, o Gavião encontrou uma saída da estrada para iniciármos a escalada.

O mato estava completamente fechado e tivemos que abrir uma picada para podermos passar, o que atrasou muito a escalada, além de cansar demasiadamente. Quando a certa altura ficamos um pouco para trás, o Stamm resmungava e dizia: “Eu não te disse Dr. Mendes, que a coisa não era sopa?”. E tinha razão de sobra, pois quando chegamos próximo ao topo do Ferraria, já passava das 15 horas e tínhamos que voltar para o caminho das tropas antes da noite ou pousar no mato, o que não estava em nossos planos. Por sorte nossa, não estávamos mais muito longe do topo, o qual em seguida alcançamos.

Fizemos aquele “haliôôô” pela conquista deste pico. Batemos algumas chapas (fotografias) e voltamos o mais rápido possível, chegando a estrada das tropas ao anoitecer. Daí até as obras da usina do Cacatú (Usina de Cotia – Piscina do elefante e Aquedutos – abandonada depois da inauguração da Parigot de Souza ou Capivari-Cachoeira) foi relativamente rápido, pois a estrada gradativamente ia melhorando a medida em que nos aproximávamos do Cacatú, o que facilitou muito a caminhada. Na passagem do Rio Cacatú (*) tivemos um pouco de dificuldade devido a escuridão, mas enfim varamos o rio sem problemas.

Chegando ao canteiro de obras de Cacatú (**), procuramos o encarregado e conseguimos quarto (dormitório) para pousar e descansar nossos esqueletos, além de sermos convidados , e isso com muito prazer, para participar do jantar junto à turma, o que muito nos agradou, pois havia feijão, arroz e carne assada, o que para quem vinha passando a pão e água, foi um maná. Depois da janta ainda fomos convidados para participar de um fandango (dança regional onde os homens executam um sapateado com tamancos com solado de madeira sobre o assoalho) na casa de um dos moradores da região e lá chegando o Stamm encontrou velho conhecido, que nos proporcionou uma recepção calorosa. Dançamos e nos divertimos a bessa, tomando cachaça e cerveja gelada.

Quem iria imaginar tudo isso lá no meio da mata da Serra do Mar?

Quando voltamos ao alojamento já era madrugada. No dia seguinte apanhamos uma embarcação (lotação) que nos levou pelo Rio Cacatú (***) até o Porto de Antonina, numa viagem gostosa. Em Antonina apanhamos o trem da tarde que nos levou de volta a Curitiba. Estávamos todos contentes por termos incluído mais uma escalada dentre tantas outras que efetuamos e diga-se a parte, essa foi uma das mais importantes, pois trata-se de um dos picos mais altos daquela serra (Ibitiraquire).

Texto de Herbert Becker

Observações.
Comparando-se os tempos de caminhada e outras referencias geográficas concluímos:
Rio Cacatú (*) – muito provavelmente deveria tratar-se do Rio Cotia.
Canteiro de obras de Cacatú (**) – com certeza é Bairro Alto onde se construiu as instalações operacionais da Usina de Cotia, nas margens do Rio Cachoeira.
Rio Cacatú (***) – muito provavelmente, desta vez,&nbsp, deveria tratar-se do Rio Cachoeira.

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