Pedalando pelas 7 cidades de Pedra

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Excursões vapt-vupt tem sempre um “quê“ prazeroso q viagens descompromissadas não tem. A necessidade de otimizar tempo faz o espírito viajante apreciar cada segundo gasto, sendo possível eternizar um breve e efêmero momento. E é assim q acontece c/ os parques do Piauí, um Estado com estado de espírito sempre iluminado, onde o Sol brilha o ano inteiro c/ toda intensidade. Brilha assim tb p/ o Parque Nacional 7 Cidades, destacando suas curiosas (e misteriosas) formações rochosas assim como vestígios do homem primitivo q em meio à árida caatinga são suas principais atrações. Sem contar nas muitas lendas e uma mitologia peculiar q dão o tom místico ao local, situado no norte agreste do estado.


Após quase 3:30hrs – e 180km desde a capital piauiense – de viagem feita no mais profundo sono, cheguei na cidadezinha de Piripiri, às 9:30 da matina. A viagem fora um tanto monótona, a paisagem do sertão alterna-se entre planícies verdejantes de carnaubeiras contrastando c/ a monocromia cinza-bege da caatinga habitual. E muitas placas de Ypioca, diga-se de passagem. Piripiri é daquelas mirradas cidadezinhas esparramadas horizontalmente, já q casas e estabelecimentos comerciais ficam distantes uns dos outros. O meio de transporte dos locais são bicicletas, cavalos, jegues, mas principalmente moto-táxis, característica principal das pequenas cidades nordestinas, uma vez q não existem ônibus municipais. Aí q uma musica do Frank Aguiar fez sentido…

Na rodoviária me informei de busão p/ Fortaleza (meu próximo destino) p/ logo em seguida negociar uma moto-táxi q me levasse ate o Pq Nacional 7 Cidades, a 20km dali. Havia a possibilidade de ter pego carona no busão do Ibama (q sai sempre as 7 da matina da pca principal, levando funcionários), mas não era o caso, e como meu cronograma tava apertado mandei ver um moto-táxi mesmo, a fim de otimizar tempo.
Desnecessário dizer q o rapaz pisou fundo no asfalto, o q causa um certo temor a quem não ta habituado a andar na garupa de uma moto. Meu “quase-consolo” era o incomodo capacete q disponibilizou p/ mim, item obrigatório tanto p/ ele como pros “passageiros”. Dose foi equilibrar minha cargueira nas costas! Ate ali a paisagem não mudara nada, uma faixa cinza riscando a desolada caatinga, composta de um emaranhado de arbustos e pequenas árvores retorcidas desprovidos de folhagem, tal qual uma floresta de galhos! Em seguida tomamos uma precária estrada de terra, onde me chamou a atenção um jabuti (!?) e um calangão q pareciam indiferentes à presença de veículos, na beira da estrada.

Após uma guarita – onde apenas deixamos nosso nome e se paga taxa de entrada – e andar mais um trecho, chegamos no Cto de Visitantes, uma clareira já com alguma infra, onde muitos jovens guias aguardavam preguicosamente algum visitante. O parque recebe este nome por conta do conjunto de suas formações rochosas, q lembram ruínas de alguma cidade ou qq coisa q a imaginação possa sugerir. Como estas só podem ser visitadas na companhia de guia e distam consideravelmente, o próprio Cto oferece opções de como fazer o “Circuito 7 Cidades”, q consiste numa trilha circular de quase 13km: a pé (sem chance, devido ao calor!), de veiculo (próprio!), e de bike, todas com prazo e duração entre 3/5hrs! Por exclusão, valor e disponibilidade de tempo optei pela bike, q pode ser alugada ali mesmo. Se vc extrapola seu tempo de visitação, paga mais, portanto fiquei atento ao relógio, claro! Deixei a mochila no Cto e meu guia foi o Islando, um jovem piripirense q falava pelos cotovelos. E assim, meu “taxímetro” começou a rodar as 10:30!

Iniciamos a pedalada por uma estradinha de terra, q alternava trechos ora pedregosos – em sua maior parte, cascalho – ora arenosos. Nestes últimos, pedalar requer um certo know-how p/ evitar maior desgaste, q não era meu caso. No entanto, a maior parte do circuito acompanhei meu guia quase q logo atrás dele. Não deu nem 2km em meio à caatinga e logo alcançamos a primeira “cidade”, neste caso a “6ª Cidade”, cuja maior atração era a “Pedra da Tartaruga”, uma enorme formação rochosa q de fato lembra o casco do lerdo réptil, principalmente pela presença de infinitas fendas poligonais recortando a superfície da rocha, q pareciam ter sido meticulosamente talhadas pela erosão. Havia aqui tb a “Pda do Elefante” e “Pda do Cachorro”, q só eram discerníveis vistas de longe, embora minha imaginação custasse a ver tais bichos.

Mais 1 km de pedal, agora já numa área mais arborizada q sugere transição de caatinga e cerrado, atravessamos por baixo do “Arco do Triunfo”, uma formação de 18m de altura q lembra um enorme portal e pelo qual quem passa tem direito a um pedido, segundo meu guia. “Só não pode pedir ser rico, bonito e saudável!”, emendou Islando. Pausa na “2ª Cidade”, onde as atrações são a maior quantidade de inscrições rupestres (de cor amarela) do parque, algumas muito curiosas tais como uma mão de seis dedos. Por conta disso e das formações rochosas, varias teorias extra-cientificas qto sua origem pipocam, tais como fruto de visitantes fenícios, vickings, atlantes e ate de extraterrestres. Ate o Islando ri dessas teorias, reafirmando q aquilo nada mais foi obra dos índios tabajaras, antigos habitantes dali. Já as “cidades” foram fruto apenas do vento, calor e das chuvas há 190 milhões de anos. Perto dali, no “Sitio Pequeno” e na “Pda do Americano”, encontramos mais pinturas rupestres feitas com oxido de ferro, isto é, de cor vermelha.

Ainda na “2ª Cidade”, pedalando + um pouco alcançamos a “Pda da Biblioteca”, formação rochosa q dizem lembrar pilhas de livros numa estante. No entanto, minha falta de imaginação custou a associar àquela “jibóia rochosa” à descrição q lhe davam, provando + uma vez q apreciar a natureza tal como ela se mostra é algo totalmente pessoal e subjetivo. Islando me disse q antigamente podia-se subir nela, mas q atualmente isso era proibido em função das “inscrições burrestres” de alguns turistas relapsos. No enorme vão abaixo da rocha podia-se ver um pequeno buraco numa das “estantes da biblioteca”, no qual um morcegão descansava tranqüilamente. Qual foi nossa surpresa q, ao nos aproximarmos, o danado esguichou um jato de mijo na nossa direção, como aviso!! E de ponta cabeça! Q sirva de exemplo pros “homi”, q sempre erram o vaso na toalette… Alem dele, pelas pedras circulavam vários lagartos e calangos, q aqui eles chamam de barbatimão. E nas pequenas arvores desnudas podíamos ver muitas iguanas, cuja coloração verde-viva destoava dos galhos ressequidos, assim como muitos papagaios, cuja algazarra era audível de longe. “Mais ariscos, porem tb freqüentes habitantes dali, estão o xereu, corrupião, seriemas, veado-mateiro, tamaduas-mirim, pacas, cutia e cachorro-do-mato..”, fala Islando.

Caminhando entre as pedras, sobe-se um conjunto de escadas e logo estamos no “Mirante”, o pto culminante dali, e do alto dos seus 80m tem-se uma panorâmica q reúne num só horizonte algumas das principais formações rochosas e os extensos limites do parque. Nota-se perfeitamente o contraste da retidão verde-bege da caatinga com a irregularidade cinza das “cidades”, afastadas umas das outras como se fossem ilhas ou florestas petrificadas.

Partimos p/ próxima cidade, distante não mais q 2km. O sol e calor intensos de verão castigam sem dó a pele, mas felizmente a leve brisa no rosto proporcionada pela pedalada reforçaram q a bike é de fato a melhor opção p/ percorrer este exótico lugar. Dose é encarar os trechos arenosos. Apesar do clima rigoroso, há presença de verde na forma de arvores baixas e frutíferas, tais como pequizeiros, mangabeiras, gabirobas, muricis e araticum. O coquinho doce do tucunzeiro é apenas um dos frutos desta vegetação pouco exigente de umidade, mas q parece partilhar da resistência típica dos nordestinos.

Na “5ª Cidade” temos a “Pda da Inscrição”, com mais inscrições rupestres – de tons vermelhos sobre a rocha clara – algumas bem curiosas tais como algo parecido c/ uma cadeia de DNA, átomos, mapas, homens-pássaros e muitas mãos. Perto dali temos tb a “Furna do Índio”, uma autentica caverna tabajara q nos faz sentir dentro de um casco de tartaruga. Em seu interior, há inscrições com o q parecem ser rituais de caça. Alem dela, tem a “Pda do Gorila” e “do Rei”,q são auto-explicativas.

Bem do ladinho está a “4ª Cidade”, q tem como atrações a “Pda do Camelo”, o “Portal”, “Beijo dos lagartos”, “Ultimo dos Moicanos”, “Cabeça de Águia”, entre outras q a imaginação possa conceber. Destaque p/ “Mapa do Brasil”, enorme rocha cujo buraco ganha contornos q recordam o desenho do nosso país. A “Passagem do Índio”, outra rocha, já é mais trabalhoso, pois é em terreno íngreme, facilitado por escadas e corrimão. Não muito longe, perto da estrada, temos a “Gruta do Catirina” onde, segundo uma lenda, um local passou a morar a fim de cuidar de seu filho doente na base de ervas medicinais.

Na entrada da “3ª Cidade”, da estrada mesmo já se aprecia a “Pda Cabeça de D Pedro”, “Dedo de Deus”, “3 Reis Magos”, “Pda do Beijo”, entre outras. Interessante era o “Furo Solsticial”, local onde a incidência de luz solar, em determinada época, provocava um efeito de luminosidade especial. A esta altura do campeonato, reparei q não era preciso de muita imaginação pra inventar um nome pras rochas doidas, tal qual as nuvens, na verdade podiam parecer qq coisa. Sem falar q tb o cansaço já tava pegando, principalmente devido ao calor do quase meio-dia.

Pedalando uns 5km agora em terreno mais amplo e aberto, alcançamos quase o limite norte do parque, já na “1ª Cidade”, onde as formações rochosas estavam mesmo na beirada da estrada, distantes umas das outras. E tome “Pedra da Ema”, “Da Cobra”, “Maquina de Costura” e a “Pda dos Canhões”, q nada mais eram q troncos de arvore petrificados. Apesar do belo visu e do didatismo do jovem guia, eu já não ouvia mais nada por conta do desgaste do calor e a única coisa q queria era um banho refrescante. Como se tivessem ouvido minhas preces, fizemos uma longa pausa no “Olho Dágua dos Milagres”, uma convidativa piscina natural cercada de muita vegetação. Aquilo é um verdadeiro oásis ali, e tem esse nome pq resulta de uma nascente q nunca deixou de jorrar, mesmo em tempos de seca total. Banho e descanso mais q merecidos, mas sempre de olho no relógio, claro!

Agora era hora de retornar ao Cto de Visitantes, mas no caminho aproveitamos e paramos na “7ª Cidade”, q tem acesso restrito em função de lá se encontrarem as pinturas rupestres + bem conservadas do parque, ainda em estudo, como pudemos observar na “Gruta do Pajé”, na base d e uma rocha conhecida como “Dragão Chinês”. A Cachoeira do Riachão, a única do parque e q consiste numa queda dágua de quase 20m, não visitamos por estar totalmente seca devido à estiagem, sem falar q estava quase no limite sul dali. A pedalada de volta foi feita na mais completa satisfação, apenas parando pra observar mocós descansando – ratão dali q é inquilino habitual das tocas nas rochas – e pro Islando dar uma bronca em jovens turistas q, alem de subirem nas rochas, haviam entrado pela outra portaria sem guia.

Chegamos ao Cto de Visitantes por volta das 13:30 sob forte sol. Lá fiquei à toa um tempão, coçando e conversando com os jovens guias ou com os raros turistas q apareciam enqto decidia como iria voltar p/ rodoviária. Minha idéia era tomar carona de volta com busão do Ibama, mas ate lá havia muito chão, quase 4hrs! Portanto tentaria carona com os próprios turistas dali, mas estava difícil pois naquele horário o fluxo era quase nulo. Assim, o Islando me deu carona de moto ate o Hotel (chiquérrimo!) do Parque, a 2km dali, e lá fiquei no restaurante descansando enquanto ficava de olho nos veículos dos hospedes q saiam. Pra minha sorte, nem havia tomado uma cerveja qdo um funcionário do Ibama me avisou q uma caminhonete deles tava saída. Beleza! Me acomodei na caçamba e fiquei conversando com os demais caronas, todos funcionários dali, durante td o trajeto de volta.

A caminhonete me deixou perto da rodoviária as 15hrs, sob sol de fritar miolos. Não havia vaga no único busão p/ Fortaleza dali e teria de esperar ate 22hrs p/ ver se havia vaga noutro q estivesse em transito pela noite. Avaliei as alternativas, mas cheguei a conclusão q e o negocio era esperar mesmo e torcer por vaga, do contrario já ia estudar onde acampar perto dali mesmo, felizmente cheio de lugares planos e gramados. Ate lá, tive q me contentar em aguardar na pracinha adiante da rodô, indo de hora em hora consultar busão. O tempo parecia não passar plantado ali, ainda mais numa cidade q não tem nenhum atrativo fora o parque. Cochilei no banco, na grama, li, tomei banho no fétido banheiro, preparei meu almoço – com fogareiro e td – sob olhar curioso dos piripirenses – e td mais q se possa imaginar p/ passar o tempo.

Ao cair da noite, porem, vi q havia uma lista de espera na qual meu nome não constava. Desorganização total. Armei o barraco junto c/ outra paulista q conheci e + outros cearenses q desconheciam a tal lista. Não sabia q havia tanta gente disputando as eventuais vagas noturnas. Aí o negocio foi colocar o nome na lista no grito, literalmente. Felizmente, o cara do guichê me reconheceu por aguardar ali desde inicio da tarde, e me “garantiu” lugar, caso houvesse. Assim, o resto da noite foi batendo papo ou assistindo “Homem-Aranha” na tv dali ate (graças a Deus!!!) embarcar num dos 3 únicos lugares disponíveis no busão das 22:45hr!! Bye bye, Piripiri!

E assim é foi minha efêmera passagem pelo PN Sete Cidades. Seja pelos vestígios deixados pelos nossos antepassados ou pelos atuais mesmo, sempre contribuindo p/ folclore místico do local, o certo é q alem deles os estranhos monumentos de pedra q justificam o parque nacional apenas tendem a favorecer a idéia de eternidade, eles se colocam ali como meros espectadores acompanhando os diversos ciclos de vida do planeta, impassíveis e majestosos. E num local onde a seca dita inclemente o curso da vida e a chuva oferece promessas de renascimento, não é preciso muita imaginação ou fé p/ glorificar a beleza exótica e misteriosa dali. Assim como as impressões na memória de uma simples visitação vapt-vupt.

Texto e fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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