Descanso e Recuperação, Cordón Del Plata Novamente

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Depois da minha descida inoportuna do Cordon Del Plata, fiquei na cidade por mais alguns dias me recuperando da gripe, três dias foram suficientes para tanto.


Tomei minha decisão de não tentar o Aconcágua e explico: O Aconcágua tornou-se uma montanha de dinheiro, isto vai de encontro aos meus princípios e apesar de muita gente pensar “putz, mas é o maior, vc tem que escalá-lo!” eu não penso assim, não estou nem ai pro fato de que ele é o maior! Prefiro muito mais tentar o segundo ou o terceiro, quarto e por aí vai.

Não me importo com a altitude, desde que a montanha seja bonita e que não exista centenas ou milhares de pessoas subindo e descendo, atrapalhando as fotos, jogando embalagens pra todo lado, poluindo de formas variadas (sujeira, sons, bebedeira, ideologia, etc).

Agora vou tentar outra montanha consideravelmente menor que o Aconcagua porem remota, de difícil transporte/ acesso. Para mim, vale muito mais a pena, pois quase ninguém tenta esta montanha, só chegam a sua base, tiram fotos e voltam. Não encontrei na net um relato sequer de um brasileiro que tenha chegado a seu cume. Bem, espero conseguir um transporte…

Enfim, voltamos ao Plata eu e Edson. Meu objetivo continuava sendo o Cerro Vallecitos, esta belíssima montanha de 5.435 metros de altitude e de ascensão tranqüila. Agora estava recuperado e aclimatado.

Antes me deixem contar uma perola de mochilada, mais uma que vivenciei nestes 14 anos mochilando…Estávamos, eu e Edson, no albergue Uma, bem do lado de fora da rodoviária de Mendoza. Era umas três e meia da madrugada. Um cara (que soubemos depois acabara de culminar o Aconcagua) chegou absolutamente, completamente bêbado. Eu dormia no beliche do canto do quarto, cama de cima. Ele entrou no quarto, “escalou” a minha cama, eu acordei e perguntei o que diabos ele estava fazendo, não me respondeu. Como um zumbi ele ficou de pé na minha cama, se virou pro canto (parede), colocou o bilgolim de fora e começou a urinar.

Da pra acreditar nisso? Por sorte não me acertou, ainda tentei falar algo mas ele estava tão bêbado que não me respondia. Dei uns socos e chutes nele até que ele caiu da minha cama (a de cima!) no chão feito uma madeira podre.

Levantou-se (ufa, não matei o cara!), foi para a janela do quarto e parou feito um morto-vivo olhando pra fora e mandando ver mais um pouco de cerveja com urina pelo quarto.

Inacreditável. Cinco minutos depois eu estava rachando o bico de rir, chamei o rapaz do albergue e ele não acreditava, me trocou de cama rindo que quase se mijava ele mesmo, o figura deitou-se e saiu da tomada.

Não para por ai, quinze minutos depois a velha doida fumante que dormia na cama debaixo da minha se levantou e me disse “vc deveria jogar água nele por vingança!” mas eu disse “não, estou fora, deixemos o cara curar a bebedeira”. Não satisfeita, ela pegou uma garrafa de 2 litros de água e molhou o cara todo!

Mais uma vez, eu gargalhava as quatro da manhã, Edson também, a velha soltava risadas “nicotinizadas” com tosses cancerosas, foi uma curtição só…

Pela manhã a estória ficou conhecida no hostel e todo mundo ria do fato…Da pra acreditar? Não, eu sei. Pura verdade!

Voltando as montanhas…

Quando chegamos a Potrerillos uma visão aterradora, a venda que compramos provisões próxima ao lago pegara fogo dois ou três dias atrás, acabou tudo…Uma pessoa entrou depois para saquear restos de utensílios, uma parede desabou e matou essa pessoa, que triste…

Conseguimos nosso transporte e chegamos na estação de ski Vallecitos a 3000 metros e começamos a subir pra Las Veguitas. Ficamos surpresos com a rapidez que subimos…Chegamos acho que em meia hora. Eu ainda estava perplexo com a venda torrada.

Montamos acampamento, batemos papo com pessoas de outras barracas, fomos dormir com intenção de subir o San Bernardo no dia seguinte e tentar o Cerro Mausy, uma montanha de 4585 metros que fica atrás do San Bernardo, difícil acesso.

Acordamos tarde, preguiçosos…Nos preparamos e saímos exatamente as 08:10h. O San Bernardo e uma montanha simples, sem grande atrativo exceto a vista de seu cume. Por ser a primeira montanha desde Las Veguitas e ter mais de 4000 metros, proporciona uma vista animal pra laguna potrerillos, montanhas em seu redor, a cadeia de cumes de 3000 metros chamada La Cadenita (Cerros: Lomas Blancas, Estudiante, Caucaso e Illuso) e o que mais se quiser ver, até mesmo o acampamento 800 metros verticais abaixo.

Fomos sem pressa, tranqüilos, muito bem aclimatados, sequer sentindo falta de oxigênio. A rota de subida e muito bem marcada até que se chegam as rochas enormes, soltas, um trecho inicial de escalada em rocha bem fácil, terceiro grau, que pode ser evitado pela direita. Obviamente seguimos pela fácil escalada pra tornar o negocio mais legal. Passando disso mais rochas soltas, trecho longo…Até que chegamos ao falso cume de onde podíamos ver o cume e sua cruz, poucas dezenas de metros mais acima.

Duas horas e cinqüenta minutos depois chegamos ao cume. Nem sequer cansamos de tão fácil que foi, bem aclimatados estávamos muito bem! Fizemos varias fotos, apreciamos a vista, fizemos vídeos da chegada ao cume, conversamos sobre como esta montanha tinha sido cansativa pro Edson em 2008, quando levou entre 4 e 5 horas até o cume e como fora fácil agora! Se não fizéssemos tantas paradas, acho que facilmente chegaríamos lá em menos de duas horas. E que pirar nas fotos e o que há! he he he

Depois de cerca de 1h e 20min no cume, o Edson continuaria pro Mausy e eu decidi descer para me poupar pro Vallecitos, meu objetivo. Pensei “estou bem, quero continuar assim” e alem disso, o caminho para o Mausy parecia bem complicado e perigoso. Lá se foi o Edson, lá fui eu de volta pro acampamento.

Agora deixo uma informação importante para uma questão de segurança nesta montanha. O San Bernardo e conhecido no Cordon Del Plata como uma montanha perigosa, pois quando ha muitas nuvens, e possível se perder no meio do mar de rochas e acabar em um abismo. Algumas pessoas já morreram nele por isso, duas delas em 1966, existe uma homenagem na placa fixada a cruz do cume com o nome dos dois falecidos. Outro em 2007 pelo mesmo motivo, recente ate esta morte. Ha uma placa em uma rocha no cume para este também.

O “que” da questão e na descida. No falso cume sai uma trilha para descida muito bem visível e marcada. Esta trilha depois de dez minutos vai sempre tendenciando para a direita, ate demais. Depois de um certo tempo ela passa por um pequeno vale a esquerda e termina em um abismo vertical de umas duas ou três torres na lateral da montanha, queda certeira de pelo menos cem metros. Trilha errada que não sei como foi feita, nunca use este caminho! Ao descer, utilize esta trilha porem antes de chegar a esta falha na montanha, faça uma travessia para a esquerda por mais uns 40 ou 50 metros, só o suficiente para atravessar esta falha.

Ver a trilha correta de descida segura. Passado este erro voltei e levei uma hora e vinte minutos até quase o rio que deve ser atravessado para chegar ao camping.

Quando estava quase lá vi um casal subindo, bem cansados e abatidos. Me perguntaram se era o caminho correto para o acampamento Piedras Grandes. WTF???????? hahahahahahaha, vejam só que tamanha desinformação!!! Estavam fazendo a ascensão ao Cerro San Bernardo achando que estavam indo para o próximo camping!!! E por isso que gente morre na montanha.

Gastei mais vinte minutos mostrando e levando os dois para a direção correta e ainda tive que ouvir que queriam tentar o Plata, de quase seis mil metros, com uma barraca de praia vagabunda (daquelas que nem sobre teto tem) e quase sem comida. OK, boa sorte e tentem não se matar lá em cima, disse.

Cheguei ao camping e fiz um almoço e me pus a esperar pelo Edson, que chegou lá pelas 17h cansado e abismado com o nível de perigo que é chegar ao cume do Mausy, teve que escalar rocha por uma fenda, sem cordas, sem mosquetões, sem nenhum equipamento adequado, vendo rochas se soltarem e caírem por centenas de metros verticais…Mas, obstinado como é, chegou lá! Cerro Mausy, 4585 metros de altitude. Passou pelo mesmo perrengue pra voltar. Edson, cuidado cara com essas loucuras!!! Sempre digo isso pra ele, mas ele não escuta mesmo, mas continuo dizendo!

Quando ele chegou eu já tinha feito a comida, imaginei que estaria cansado e, sem nada pra fazer, agilizei o rango que estava quente quando ele chegou.

Jogamos um pouco de super trunfo até o sono bater, fomos dormir. No próximo dia subiríamos direto para El Salto, pularíamos o Piedras Grandes. Mil metros de desnível até o acampamento mais utilizado para os ataques ao Plata, Rincon e Vallecitos. Mas isso fica para a próxima!

Continua…

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Sobre o autor

Parofes, Paulo Roberto Felipe Schmidt (In Memorian) era nascido no Rio, mas morava em São Paulo desde 2007, Historiador por formação. Praticava montanhismo há 8 anos e sua predileção é por montanhas nacionais e montanhas de altitude pouco visitadas, remotas e de difícil acesso. A maior experiência é em montanhas de 5000 metros a 6000 metros nos andes atacameños, norte do Chile, cuja ascensão é realizada por trekking de altitude. Dentre as conquistas pessoais se destaca a primeira escalada brasileira ao vulcão Aucanquilcha de 6.176 metros e a primeira escalada brasileira em solitário do vulcão ativo San Pedro de 6.145 metros, próximo a vila de Ollague. Também se destaca a escalada do vulcão Licancabur de 5.920 metros e vulcão Sairecabur de 6000 metros. Parofes nos deixou no dia 10 de maio de 2014.

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