Circuitão pela Serra de Itapety

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Não deu nem duas semanas afastados da Serra de Itapety q logo nos embrenhamos novamente por suas tortuosas entranhas. Respeitável elevação forrada de verde q guarda Mogi das Cruzes a seus pés, a Itapety é uma daquelas serras domésticas q pouco caso se faz quiçá devido pela sua proximidade à urbe. Entretanto, explorando suas suaves escarpas c/ um pouco mais de disposição e desprendimento é possível descobrir novos trajetos trekkeiros em meio a densa e úmida vegetação, coroados de belos e improváveis mirantes rochosos q além de dar novas panorâmicas da região, corrobora a velha tese de q a Itapety tem atrativos q vão alem do seu ilustre pto culminante, o Pico do Urubu.


A súbita chegada de uma frente fria virara o tempo a pto de desestimular td e qq incursão onde quer q fosse, tornando as aconchegantes cobertas o melhor destino a dar aos meros mortais. Mas como trilheiro não é um mero mortal -pelo menos não àqueles q se auto denominam como tal – a friaca q se abateu sobre a cidade não bastou pra atrapalhar meus planos de voltar ao Itapety. Pois é, e das 5 pessoas q haviam resolvido me acompanhar neste perrenguinho, as 8:30, apenas o Beto (mais conhecido como Thunder) saltava comigo do trem na Estação Mogi das Cruzes naquela manhã cinzenta e nada promissora de domingo.

A passos rápidos atravessamos a cidade e logo nos vimos na Avenida Perimetral,mas não por pouco tempo pois de imediato tomamos a estradinha q sobe definitivamente ao pico, td devidamente sinalizado. Caminhando apressadamente tanto pra chegar ao nosso destino como pra esquentar o corpo, a medida q se ganha altitude observamos o alto da silhueta da Serra do Itapety encoberta por um medonho negrume esbranquiçado, enqto noutros setores da cidade o sol ameaçava surgir com td seu esplendor. Como os detalhes desta subida já forma comentados na ida ao Pico do Urubu, passarei direto ao diferencial desta ocasião.

O fato é q nossa pernada rendeu bem e, com as costas encharcadas de suor, as 9:45 já nos encontrávamos no alto da serra, mais precisamente na bifurcação q vai pras antenas da Embratel. Como o Thunder não conhecia o Urubu fiquei aguardando o moço enqto ia ate os 1166m do seu topo rapidamente. Entretanto, a espera esfriou rapidamente meu corpo obrigando a vestir outra vez o corta-vento q trajava. Enqto isso, alvas nuvens passavam rasgando pela cumieira tornando o visual incrivelmente estranho.

Assim q ele voltou retomamos a pernada, subindo suavemente por uma estrada de paralelepípedos q logo nos deixou de cara com as enormes antenas, protegidas por um alto muro de onde alguém provavelmente nos observava numa guarita de vidro fumê.Claro q aqui fizemos cara de paisagem e de desentendidos, afinal, nossa idéia era atravessar essa propriedade q por sinal era bem protegida. Pra complicar a coisa, estridentes cães faziam questão de anunciar nossa presença, o q nos fez sair rapidinho dali. Pois bem, queríamos nos manter na crista sentido nordeste, mas as torres eram obstáculo. E agora, José?

Voltamos pela estrada de paralelepípedos o suficiente pra ficar longe da vista da guarita e começamos a buscar um acesso pela encosta através da mata, primeiro pelo lado direito, q revelou-se íngreme e escuro demais por conta da espessa vegetação, e depois pelo esquerdo, q mostrou-se mais em conta com nossos propósitos. Saltamos uma cerca de arame farpado e nos embrenhamos na mata da crista pelo q parecia ser uma discreta picada, q logo nos lançou num alto campizal dominando uma íngreme encosta no aberto, já com belo visual do quadrante norte da região. A partir daqui começamos a contornar as torres (visíveis, acima da gente) pela íngreme encosta. No entanto, avançar pelo alto e fofo capim-gordura não foi tão fácil como prevíamos, enormes voçorocas secas forravam o chão fazendo com q afundássemos quase td a perna a cada passo dado. Pra complicar, parece q os cães haviam escutado a gente quebrar mato e tornavam a latir feito sirenes, o q nos fez imediatamente retornar a um pto seguro da encosta.

Pra fugir e não dar bandeira resolvemos então contornar a encosta bem mais abaixo, de modo a ficar longe do apurado ouvido dos malditos totós. E la fomos nos, varando mato pra baixo o suficiente mas não deu nem 5min q caímos numa improvável estradinha q sequer sabíamos existir! Como ia no sentido desejado foi por ela mesma q andarilhamos um tempão, sempre sentido nordeste. Na verdade, este trecho seria interessante refazê-lo, porem de bike. Bem, o fato é q a estradinha ajudou um tanto a contornar as torres de forma segura, mas logo percebemos q embora fosse no sentido q desejávamos, comecava a descer demais nos afastando da crista. E isto era perfeitamente visível através das frestas da mata ao redor. Porem, como um enorme e fundo vale nos separava da crista resolvemos apenas acompanhar a estrada ate um pto onde convergisse novamente com um pto viável de alcançar novamente a crista desejada.

As 10:50 a estrada bifurcou na cota dos 959m e tomamos obviamente o ramo da direita, q ia de encontro a crista. Contudo, a estrada terminou na entrada de um sitio bem simples, q depois soubemos ser a Fazenda Flores, mascado por um pequeno pesqueiro. Atravessamos a porteira e pedimos permissão de entrada prum motoqueiro (filho do proprietário) q ali havia e nos deu algumas dicas de rotas a seguir a partir dali.

Pois bem, da fazenda ganhamos altitude sempre sentido nordeste, mas não atingimos a crista conforme desejado pq simplesmente vimos q ela ia descer num colo de serra pra depois prosseguir. Decidimos então nem subir e ganhar o alto da serra mais adiante. Nos mantendo sempre no aberto, num bucólico gramado cercado de cupinzeiros e flores dançando ao vento, dali tivemos uma outra perspectiva das torres da Embratel e uma linha de torres de alta tensão, q agora ficavam bem atrás. O tempo aqui abriu subitamente e tivemos por um breve instante um sol de rachar castigando os miolos.

Descendo a encosta bordejamos um bucólico laguinho ate adentrar na mata em definitivo. Inicialmente chapinhamos através de um brejo ate dar noutra encosta. Inúmeros trilhos de vaca se entrecruzam mas a gente vai sempre acompanhando o sentido indicado pela bussola, auxiliada por uma carta e GPS por segurança. Após varar um mato razoável desembocamos no colo serrano onde uma cerca acompanhava a crista. Como estava bem roçado de ambos lados da cerca resolvemos acompanhá-la indo pra esquerda, subindo forte um enorme morro pelo qual julgávamos a crista continuar do outro lado.

Uma vez no alto (1053m!!), deixamos a cerca (q seguia noutra direção) e prosseguimos sentido nordeste, sempre. O alto do morro era dominado por capim e vistosas bromélias q não ofereciam nenhum empecilho na pernada. Dali contornamos enormes rochedos ate começar a descer pelo outro lado, na diagonal. Como aqui não tínhamos visual nenhum como referencia íamos conferindo a direção a cada 10min tanto pelo GPS como pela bussola. A varação de mato revelou-se razoável, rasgando a vegetação no peito ou contornando-o nos trechos mais medonhos de inconvenientes taquarinhas ou algo mais espinhento. Mesmo assim, saímos dali tão sujos e com mato dentro de boa parte dos orifícios corporais.

De repente, uma pequena fresta na mata possibilitou avistarmos um enorme domo rochoso logo adiante, e foi em sua direção q azimutamos a bussola. Porem, descemos alem da conta e fomos dar quase na base do rochedo, q tivemos q escalaminhá-lo a duras penas nos trechos mais aderentes (e + porosos) à sola de nossos calçados, ou nos segurando no mato em volta. Entretanto, ganhar altitude agora cuidadosamente neste enorme paredão era mto mais satisfatório q andar no meio do mato, ate pq aqui pelo menos tinha um belo visual.

As 13:30 atingimos o altos dos 1010m daquela crista rochosa q revelou-se uma crista paralela à cadeia principal, q agora víamos próxima a sudeste, separada por um pequeno vale. Pois é, havíamos saído dela imperceptivelmente durante a varação de mato. Mas aquele belo mirante rochoso alternativo onde estávamos já havia valido a pena a trip. De onde estávamos tínhamos um visu privilegiado (e impossível do Pico do Urubu) do restante da crista da Serra do Itapety, q logo se perderia em cocorutos menores à sudeste, ao norte, vários sítios e chácaras pipocando em meio ao verde de ombros serranos menores. E então ficamos ali prostrados um tempo descansando e comendo algo, enqto éramos fustigados por cortinas de fina garoa. Claro q o vento frio q corria la em cima nos obrigou a vestir os anorakes.

Retomamos a pernada 20min depois percorrendo o restante daquele cocoruto rochoso, sentido nordeste, ate dar na beirada. Ali encontramos uma discreta picada q descia em meio aos arbustos e bastou acompanhar desimpedidamente. Descemos bastante num piscar de olhos ate cair numa bifurcação em “T”, cujas direções eram obvias pela analise na carta: à esquerda daríamos nos morrotes descampados e posteriormente numas fazendinhas avistadas do alto, já pra direita, acompanharíamos o vale ao pé do Itapety e provavelmente rasgaria o miolo da serra ate dar no outro lado, em Mogi.

Tomando a ramificação da direita, td transcorreu conforme o previsto. A picada desceu mergulhando na mata e acompanhou o vale aos pés do Itapety, onde o som de água borbulhando era constante através de uma picada bem evidente, q se alternava trilho e vala de terra, as vezes bem erodida e com sinais de pneu de moto! Cruzamos o riachinho q ouvíamos o tempo td e dali passamos a subir aos poucos a outra encosta serrana, agora sim a do Itapety. No caminho, muitos brejos, charcos e pés de limão.

Algumas bifurcações surgem mas o sentido é meio q intuitivo, sem erro. Mas se td correu conforme previsto o mesmo não pode ser dito em relação ao tempo, pois o improvável ocorria: começava a chover! E chover frio! Putaqopariu, logo hj q não trazia capa de chuva! Tratei de guardar minhas coisas eletrônicas, blusas secas e dane-se! So não podia parar por muito tempo pq molhado o sangue congelava os ossos rapidamente. Havia q manter-se em movimento!

Uma vez no alto da Serra do Itapety, algo de 1050m, a trilha passa pro outro lado e inicialmente se mantém em nível, pra somente depois descer suavemente. Por sorte, a chuva havia cessado mas ate ali eu já estava parcialmente ensopado naquela friaca desgraçada. Paciência. Ao menos a caminhada aquecia o corpo a pto de secar um pouco as vestes q trajava. Conforme perdíamos altitude e caindo em trilhas cada vez maiores e largas, o som da proximidade da urbe voltava a invadir nossos ouvidos, ou seja, sons de buzinas, veículos, cachorros, etc..

Um tempo depois desembocamos no aberto, próximo de um quiosque. A trilha q deixávamos ganhava o nome de Estrada Velha do Lambari e agora pelas infos coletadas nos encontrávamos na perifa do Jd Rodeio. Pergunta aqui e ali, bastou seguir sempre a avenida principal ate q finalmente, as 16:10, já estávamos na Estação Estudantes. Antes, porem, uma ultima olhada por sobre o ombro em direção àquela serra q havíamos percorrido horas antes apenas pra ver seu topo totalmente encoberto. No alto, apenas as antenas da Embratel surgem apontando pro céu, agora imerso em brumas incertas.

Na seqüência, mandamos ver umas coxinhas regadas a uma breja gelada (sim, naquela friaca!) na padoca de uma chinesa q mal falava nossa língua, pra depois tomar o trem de volta pra “paulicéia desvairada”. E assim tornar um domingão fatalmente fadado às cobertas num perrenguinho gelado de quase 8kms diferenciados de fds. Dessa forma, a Serra do Itapety junta-se a outras serras domesticas de fácil acesso, como a do Saboó (São Roque) e de Itapetinga (Atibaia) ou tantas outras, q possibilitam caminhadas bem mais ousadas, nada conhecidas e semi-selvagens, q fogem um pouco alem do arroz-e-feijão habitual q seus principais atrativos costumam ditar.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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