A Ferradura do Rio Vermelho

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O Rio da Onça, tortuoso curso d&ldquo,água q deságua no Rio Mogi através do conhecido &ldquo,Vale da Morte&ldquo,, é o resultado da junção de 3 rios menores q despencam do alto dos contrafortes da Serra do Meio, situada no limite municipal de Sto André e Paranapiacaba. São eles: o Rio das Areias, do qual despenca a Cachu da Fumaça, o Rio da Solvay, q é aquele do Lago Cristal e Cachu Escondida, e o Rio Vermelho, seu tributário menos conhecido. A topografia recortada e o relevo acidentado desta região possibilita variados circuitos trekkeiros entre rios, dos quais o mais conhecido é a &ldquo,Ferradura da Fumaça&ldquo, (ou &ldquo,Trilha do Lamaçal&ldquo, ou &ldquo,7 Cachus&ldquo,). Contudo, existe outra variante casca-grossa q em formato de &ldquo,U&ldquo, desce o Rio da Solvay e sobe a Rio Vermelho, passando pela imponente cachu homônima, vencida somente mediante rapel ou legitima escalada regada a muita adrenalina. Pois bem, eis a &ldquo,Ferradura do Rio Vermelho&ldquo,.


A manhã encontrava-se relativamente fria e o céu, encoberto por um brumado cinza-claro qdo saltamos do busão, as 8:40, mais precisamente no km 44 do asfalto q interliga Rio Gde da Serra e Paranapiacaba. Após muitos “canos” e desistências de última hora, a única q topou encarar a roubada daquele sábado foram a Mari e seu amigo, o João. Q assim seja, o programa em questão era incerto pois ninguém do trio o havia realizado, os obstáculos no caminho eram consideráveis e a necessidade de rapidez e agilidade era fundamental. Afinal, ninguém queria ter de andar na mata ou escalaminhar um rio à noite. Nada de GPS, bússola ou mapa. Apenas um estudo prévio da carta indo de encontro com algumas infos (des)encontradas e bom senso, além de raspadas nos cafundós da minha memória.

Retrocedemos algumas dezenas de metros do pto de descida e adentramos numa trilha pela qual já andei mais de uma vez, palco de trocentas aventuras já um pouco datadas, uma delas com bônus de um assalto. Chapinhando em meio a muito brejo e lama, sinais de pegadas recentes de algum pequeno veado-campeiro no chão resultam nas primeiras fotos da trip. O zunido eletrostático das torres de alta tensão rompe o silencio de nossa marcha qdo ignoramos a direita numa bifurcação, mergulhando de vez na mata até desembocar nas nascentes do Rio Vermelho, q aqui marulha mansamente. &nbsp,

Uma “ponte” improvisada na forma de toras de madeira de aderência duvidosa sobre um enorme tubo de concreto, permitem passagem à outra margem como tb assinalam o pto de retorno da trip, em tese. A trilha prossegue em trechos bem erodidos e outros nem tanto, acompanhando as torres de alta tensão em suaves sobe-desces no mato ate dar, enfim, nas nascentes do Rio da Solvay, às 9:30.

A partir daqui bastou acompanhar o riacho em nível, “costurando” suas margens constantemente e não tardou a cair nas pequenas clareiras de acampamento (repletas de lixo, diga-se de passagem) ao lado do belo Poço ou Lago Cristal. A partir daqui o terreno se debruça serra abaixo e a trilha vai no mesmo compasso, onde se perde altitude rapidamente na base da desescalaminhada auxiliado por rochas, troncos e raízes. Sempre acompanhando o agora encachoeirado rio pela direita, as 9:50 damos num lugar chamado de “Mirante”, isto é, no alto de uma enorme cachu onde a água é jogada de uma altura de mais de 40m e já se vislumbram os contrafortes serranos opostos cobertos de farta vegetação.

Sempre desescalaminhando a trilha em meio à mata pela direita no mesmo compasso, as 10hrs alcançamos um pequeno patamar onde um afluente do Rio da Solvay despenca à nossa direita. Olhando mais atentamente pra ele percebemos outra grandiosa cachu despencando de uma enorme muralha, bem mais acima. É a Cachu Escondida, cujo acesso dá-se pela sua margem esquerda e em 15min se pode alcançar seu topo, atraves de muita escalada auxiliada por algumas cordas dispostas estrategicamente. Como nosso destino é outro e o tempo cronometrado, deixamos a tentação de subi-la pra outra ocasião mais oportuna.

A partir daqui a trilha some mas o sentido é obvio: rio abaixo, e a descida se dá ora pela íngreme encosta ora pelas pedras, sempre na base da desescalaminhada. A pernada aparenta nivelar um pouco mas logo embica novamente e de vez, rio abaixo. No caminho, muitas cachus, poços cristalinos e um enorme cânion q afunila num “V” pedregoso o rio durante um trecho. Mas não demora a emergir da densa floresta e descer um trecho dominado exclusivamente pelo leito de enormes rochas, onde a vista se amplia e permite um vislumbre dos patamares consecutivos q dominam o vale, assim como o risco alvo do Rio das Areias despencando no contraforte oposto.

A desescalaminhada íngreme prossegue ininterrupta, sem gdes dificuldades aparentes e costurando o rio ora de um lado ora de outro, sempre por onde der pra descer ao patamar seguinte, logo abaixo. O rio começa a fazer uma pequena curva pra direita e imediatamente descortina-se um escarpado paredão avermelhado vertical q assinala a convergência do Rio das Areias com o rio q percorremos, assim como o sinuoso Vale da Morte e sua Garganta do Diabo, mais adiante. Chegar ate lá é pura questão de tempo, onde após mais alguns lances de escalada e trepa-pedra, damos na base do paredão supracitado as margens de um bucólico e aprazível poção, as 11hrs.

Na verdade estacionamos bem no local onde o Rio Vermelho deságua no Rio das Areias, apenas alguns metros acima da “convergência” oficial. Pausa pra descanso, lanche e tchibum, claro. Como recompensa mais q merecida, a nebulosidade deu lugar a um tímido sol q aquecia o final daquela manhã mais q mostrava-se mais q agradável e prazerosa.

Devidamente revigorados, as 12:45 retomamos nossa jornada q agora seria Rio Vermelho acima. Inicialmente fomos escalaminhando as pedras do caminho, ate logo tropeçar com uma sucessão de cachus íngremes despencando e impossíveis de escalar. Mas vasculhando na mata da margem direita há uma picada q embica forte encosta acima, e é por ela q ganhamos altura num piscar de olhos. Mas logo a bem-vinda picada parece se perder ou desviar demais pra direita, afastando-se do rio. Mas até aqui já ultrapassamos o paredão q nos impossibilitava avançar e portanto voltamos ao rio, varando um pouco de mato ou nos valendo de valas d´água pra cair novamente na leito pedregoso do mesmo.

No entanto, outra cachu vertical se interpõe no caminho, mas aqui a intuição nos leva à outra margem e por ela prosseguir, onde a mata é menos espessa. E tome escalaminhada de encosta de terra bem íngreme, onde os apoios são poucos e a chão parece se esfarelar a cada paso dado. Bem, a declividade da piramba era a mesma q dos lajedos do rio, mas ao menos a mata, raízes e arvores permitiam uma subida c/ ancoragem mais segura. Mas logo caímos numa crista q foi bastou seguir afastando o mato com as mãos, sempre acompanhando o rio à nossa direita. Qdo notamos q os gdes abismos e muralhas já haviam sido deixados pra trás voltamos ao rio, e assim a escalaminhada teve continuidade desimpedidamente por um tempo.

Mas eis q desponta outra queda vertical barrando nosso caminho, obrigando-nos outra vez a varar a vegetação através de sua íngreme encosta direita, de onde saímos imundos de mato pelo corpo td. Na seqüência nos vemos no q parece ser um trecho onde o rio aparenta nivelar, mas eis q numa curva descortina-se com td sua imponência&nbsp, o q seria o maior desafio daquele dia. Estávamos num poção ao sopé da Cachu do Rio Vermelho, q dividida em 3 níveis sucessivos lançava suas águas de uma altura de mais de 50m!!! Pq maior desafio? Pelo simples fato q dali não havia como escalaminhar mato ou encosta alguma pela alta declividade, não restando opção senão subir pelo paredão de rocha q bordeja a cachu pela direita, na base de legítima escalada.

Respiramos fundo e lá fomos nos. O primeiro nível é fácil e curto, bastando segurar firme as agarras e saliências secas na rocha e tomar impulso muralha acima. Grampos fincados na rocha denunciam a pratica de rapel, e tb servem de apoios oportunos durante nossa ascensão. De cara o borrifo da cachu somado a jatos d´água ricocheteando nas rochas nos ensopa parcialmente. Saber fincar os pés nos apoios menos escorregadios é regra, uma vez q a rocha alem de úmida encontra-se besuntada de limo visguento. O segundo nível é repeteco do primeiro, porem um pouco maior. O terceiro nível é o maior de tds e o mais exposto, mas o problema é q ali já se ganhou altura considerável e qq falha é queda livre na certa.

Claro q subo sem olhar pra baixo visando apenas o degrau acima, com sentimentos e emoções q se dividem entre a excitação e o medo. Isto é, adrenalina pura! No entanto, é neste trecho q Mari e João parecem ter dificuldades e decidem varar mato pela vegetação à direita, q aqui resulta ser mais escalaminhável. Ali eles encontraram vestígios de uma trilha q aparenta descer a cachu, fato q ainda deve ser confirmado noutra ocasião.

As 13:20 fincamos os pés no topo da Cachu do Rio Vermelho, isto é, no alto da serra. Visivelmente contentes por ter vencido essa provação pra lá de adrenada e pq a partir dali o restante da trip seria na horizontal, em nível. O porto de Santos imerso numa opaca nebulosidade emoldurado pelas montanhas e vales verdejantes ao redor completavam a satisfação de estar ali, razão pela qual nos presenteamos com uma longa pausa de contemplação, conversa furada e descanso. E ali ficamos prostrados nos lajedos, donos absolutos daquele pedaço privilegiado da Serra do Mar.

Após lagartear ao agradável sol daquele inicio de tarde, as 14hrs, retomamos a pernada pelo agora calmo Rio Vermelho, cujas águas acobreadas justificam seu nome pela gde qtidade de matéria orgânica em suspensão. O avanço daqui em diante transcorreu livre e desimpedido, e assim seguimos pelo sinuoso e tortuoso rio, alternando margens, chapinhando na água ou saltando de pedra em pedra.

Eventualmente houve q transpor alguns pequenos cânions emparedando o riacho, ora pela margem arenosa (com água ate a coxa) ou pelos estreitos apoios onde era possível avançar agarrado à encosta. Mas após um tempo o rio emergiu da mata mais fechada pra marulhar bem raso rasgando silenciosamente os descampados de arbustos, passando por baixo das torres de alta tensão. A esta altura entrar na água ate o joelho não era problema, dose sim era a incômoda areia q entrava dentro do calçado.

As 15hrs alcançamos o trecho onde ele intercepta a trilha do inicio do dia, ou seja, na “ponte” marcada pelas toras e tubo de concreto. E após lavar as botas, despedimo-nos do rio pra retomar a picada de volta. Ao chegar na primeira bifurcação do dia tomamos à esquerda (direita, na ida), q durante 20min andou pela planície pra desembocar no km43 do asfalto. Com disposição mais q sobrando, ainda encaramos mais 3km de estrada ate Rio Grande da Serra, onde chegamos as 16hrs.

Sedentos e famintos, estacionamos num restaurante onde devoramos sem dó uma suculenta e farta feijuca num piscar de olhos, regada a cerveja, sorvete e tubaína q nunca desceram em tão boa hora como recompensa daquele dia adrenado na serra. Serra do Mar esta a meio caminho entre Rio Grande da Serra e Paranapiacaba q nos presenteia não apenas com belas paisagens de seus fundos vales contrastando com suas verdejantes montanhas apontando pro céu. Nos brinda tb com inúmeros circuitos q vão além dos programas e atrativos conhecidos na tradicional e pitoresca vila inglesa. Circuitos ou “ferraduras” perrengueiras pra andarilho q se preze nenhum botar defeito.

Texto e fotos: Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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