O Piscinão do Rio Quilombo

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Perdi a conta das investidas q já fiz ao Rio Quilombo, respeitável curso dágua q serpenteia o vale homônimo em seu sinuoso curso rumo à baixada santista, nos arredores de Paranapiacaba. Apesar de já palmilhar seu leito pedregoso de cabo a rabo – desde suas nascentes no alto da serra até o Poço das Moças – sempre passei batido por um dos seus maiores atrativos, um tal de “Piscinão”, próximo de um antigo acampamento palmiteiro conhecido como “Rancho 71”. Com tempo de sobra e ainda me recompondo fisicamente dos festejos de fim de ano (entenda-se “ressaca”), essa foi a deixa prum bate-volta descompromissado afim de sanar essa desfeita, desfrutar calmamente o lugar e entender o motivo deste ser um dos locais preferidos de quem se dispõe a sair da vila inglesa numa árdua caminhada de 8hrs cheias e vencer um desnível de quase 300m em meio a uma verdejante Serra do Mar ainda pouco visitada.

A previsão meteorológica não era nada animadora mas eu estava resoluto a desenferrujar as juntas no mato após prolongado tempo de ócio, basicamente regado aos prazeres da gula e bebida de final de ano. Mas tempo ruim não é necessariamente sinônimo de ficar em casa, pois basta saber escolher o programa exato pra isso. É aí q entram oportunamente as “trilhas secas”, veredas cujo trajeto independe de tempo por não cruzarem nenhum gde curso d´água, q em caso de chuva podem comprometer o retorno ou deixar o andarilho em maus lençóis. É o caso do Lago Cristal, Cachu da Torre, Perequê, Anhangabaú, Marcolino, Vale da Morte, entre mtas outras. Cavucando, então, nas entranhas do meu “hd mental” optei pela trilha seca do “Piscinão” do Quilombo, lugar q já enrolava pra ir faz tempo pela relativa proximidade com Paranapiacaba. Pronto, tava resolvido. Ficar em casa de jeito nenhum!

Dessa forma eu, Carol, Clayton, Vivi e Fabio chegamos em Paranapiacaba por volta das 9:30hrs em meio a uma certa nebulosidade impregnando o ar. Incorporados à trupe tb estavam o Flavio e o Thiago, q conhecemos na padoca de Rio Gde da Serra e resolveu nos acompanhar em fcao do programa deles (rapel na Fumaça) ir pro brejo por conta do tempo. Respingos finos fustigavam o rosto assim q atravessamos a vila inglesa, mas logo desapareceram qdo colocamos pé na bucólica Estrada do Taquarussu. Mal sabíamos q os anorakes seriam deixados pra bem depois. Enfim, ate agora o tempo estava colaborando.

Conversa vai e conversa vem embalando os quase 3km de chão, as 10:15hrs deixamos a estrada pra finalmente mergulhar na trilha q nos levaria a nosso destino, o Vale do Quilombo. E lá fomos nós chapinhando a picada em meio a mta umidade depositada na vegetação por conta das últimas chuvas. Um tímido sol ameaçava surgir por entre o céu acinzentado lançando breves fachos de luz por entre a densa e espessa mata, animando o astral da galera. Até q de repente um berro de quem puxava a fila rompe o silencio sepulcral de nossa pernada. “Uma cobra!!”, grita a Carol, quase saltando no colo da Vivi, q vinha logo atrás. De fato, tds pararam pra olhar uma folgada jararaca descansando bem no meio da trilha. Pausa pra cliques e chiliques, pra depois expulsar a peçonhenta do caminho com uma simplória cutucada de galho.

Passado o susto redobramos a atenção, claro, pra em seguida dar continuidade à nossa jornada contornando as encostas do flanco norte da Serra do Comunidade, q transcorreu sem nenhuma outra novidade. Vale salientar aqui a gde qtidade de mata caída no caminho por conta dos recentes temporais, obrigando desvios constantes da trilha principal sem maiores dificuldades, além da água farta dos pequenos córregos transpostos ao longo da vereda. Enqto isso, o canto metálico das arapongas e o chiado de susto dos jacús se misturavam ao blábláblá frenético da Vivizita, q por sua vez explicava didaticamente aos demais quais as folhas comestíveis à nossa volta.

As 11:40hrs tomamos a esquerda na famosa bifurcação das bananeiras, saltamos as pedras de um dos principais afluentes do rio principal pra então subir suavemente o resto ate ganhar a enorme clareira q domina o topo da serra, ao meio-dia. Seguindo reto na bifurcação sgte é q finalmente adentramos no Vale do Quilombo, descendo uma piramba vertiginosamente, alternando ziguezague de encosta e íngreme crista descendente. Por entre frestas da mata, uma breve pausa pra apreciar o véu alvo do Cachoeirão do Anhangabaú cortando o verdejante contraforte oposto. E a medida q perdíamos rapidamente altitude, podíamos ouvir claramente o rugido apavorante do turbilhão d´água despencando pelas corredeiras do Rio Quilombo, no fundo do vale.

Pois bem, foi nesta descida forte q o grupo se separou em virtude do mato caído e alguns deslizamentos. Diferentemente do trecho anterior, onde bastava contornar a mata pra reencontrar o caminho, aqui o processo era mais confuso pq td parecia “trilha”. Eu e Fabio ficamos atrás acompanhando a Carol, q descia devagar por conta de uma dor no dedão, e nos distanciamos do resto. Num trecho de deslizamento tomamos uma vala erodida e tocamos pra baixo, enqto o restante seguiu por um caminho pela crista. De qq maneira não tinha erro pq o destino era o rio, no fundo do vale, e qq coisa la nos encontraríamos.

Dito e feito, as 13hrs alcançamos as margens de um belo poço no Rio Quilombo, pra dali simplesmente tocar rio abaixo ora atraves da encosta florestada ora desescalaminhando as enormes e visguentas rochas q tomam conta do seu encachoeirado leito pedregoso. Não prevendo q haveria descida de rio, o esperto aqui q vos escreve calçava bota imprópria (não aderente á rocha úmida) pra isso, o q me obrigou a redobrar o cuidado pois bastava qq movimento brusco pra derrapar piramba abaixo.

Mas não tardou a reencontrar o pessoal, logo abaixo, já acomodado num pequeno e bucólico remanso agraciado por um poçinho meio borocoxó, mas q servia a suas necessidades imediatas. Mas como ali ainda não era o tal “Piscinão” inicialmente proposto, esbravejei pra levantar o traseiro, q havia q prosseguir a pernada e ainda era cedo pra encostar o esqueleto. Mas quem disse q o povo queria sair dali?? O Clayton tava crente q ali era o lugar, mas eu fui reticente de q não era. Bem, como meu objetivo naquele dia era o verdadeiro “Piscinão” e não um remanso meia-boca qualquer prossegui a pernada rio abaixo, e a única q me acompanhou foi a Carolzita. Qq coisa depois reencontraríamos o povo, ou na pior das hipóteses retornaríamos sozinhos e isso não era problema. Tanto o Clayton qto eu sabíamos o caminho de volta.

Contornamos mediante escalaminhada uns enormes blocos de rocha pra dar continuidade a descida de rio, e apos caminhar um pouco pela íngreme encosta forrada de mata não tardou a interceptar uma precária trilha q acompanhava o rio com mto mais facilidade. Essa trilha eu já conhecia de outras ocasiões e por ela seguimos desimpedidamente ate q nos largou novamente as margens do rio. Aqui tivemos q cruzar um afluente do Quilombo, o Rio da Cachu do banquinho, nos firmando numa tora de madeira q servia de “ponte” improvisada, pra então prosseguir a pernada do outro lado.

Após seguir pela margem e desescalaminhar mais algumas pedras, eis q as 13:45hrs finalmente chegamos no tão almejado “Piscinão”. Um enorme espelho d´água esverdeada q faz realmente jus ao nome, q so não rivaliza com o Poço das Moças por ser ligeiramente um pouco menor, mas não deve nada em beleza natureba. Como por encanto, o sol resolveu dar as caras com força total sob nossas cacholas, apenas pra realçar a beleza daquele lugar espetacularmente selvagem, com direito ate a uma pequena banheira com uma mini-cachu, ideal pra hidromassagem! Até a Carol reconheceu q ali era fora de série e infinitamente mto melhor q o lugar onde o pessoal havia estacionado, logo acima. Assim, donos absolutos daquele paraíso particular nos presenteamos com um merecido e refrescante banho, um delicioso lanche e prolongado descanso nas lajotas q ornam a beirada do poção.

No badalar das 15hrs retomamos o caminho de volta dando adeus aquela bela piscina natural, não tanto por conta das mutucas – q aquele horário enlouqueceram por sangue fresco – ou pelo negrume q agora tomava conta do céu com trovoadas ressonando a distância, mas sim pelo horário avançado pq retornar aquilo td q havíamos percorrido ate ali no escuro estava fora de cogitação. Assim e em menos tempo q na descida reencontramos o pessoal, prostrado no mesmo lugar á nossa espera.

Após algum lenga-lenga retomamos então nosso derradeiro retorno piramba acima, onde reencontramos a trilha principal e pela qual foi simplesmente acompanhar. No caminho, cruzamos com o “famoso” acampamento desativado de palmiteiros q atende pelo nome de “Rancho 71”, enormes raízes de arvores centenárias q mais pareciam patas do Godzilla, vestígios de um pássaro devorado, além de uns tufinhos de algodão alaranjados forrando o chão.

Mas foi qdo a subida apertou q a chuva finalmente caiu. Inicialmente na forma de respingos isolados pra depois despencar em grossas gotas acumuladas na copa das arvores. Logicamente q essa água na cachola era mto mais q bem-vinda naquela altura do campeonato e serviu pra refrescar nossos corpos novamente suados pela árdua ascensão. Ascensão esta, diga-se de passagem, feita no passo de tartaruga-manca, claro, com direito a mtas paradas pra retomada de fôlego no caminho. E quem mais sentiu o tranco foi o Flavio, q estava sem dormir a mais de um dia.

Mas devagar e sempre atingimos o alto da serra, onde fizemos mais uma pausa, pra dali outra vez alcançar a bifurcação das bananeiras as 16:50hrs. A chuva ia e vinha, mas ate ali isso pouco importava pq já estávamos ensopados não por causa dela e sim de tanto enxugar a vegetação úmida no caminho. E desse jeito enfim emergimos da mata pra colocar outra vez o pé na Estrada do Taquarussu as 18hrs, pra ai sim o céu desabar de vez nos obrigando a trajar capas e anorakes afim de manter seca pelo menos a cueca (ou calcinha).

De alma literalmente lavada chegamos em Paranapiacaba as 19hrs, abraçados tanto por uma chuva fina como por um espesso nevoeiro. Mudamos nossas vestes umedecidas no Lgo dos Padeiros por outras mais secas e aconchegantes, pra dali zarpar pra Rio Gde da Serra, onde bebemoramos a empreitada na padoca com direito a dois frangos assados pra matar a larica dominical. Não me fiz de rogado e o q sobrou embrulhei pra viagem, do qual não sobrou nada após o café-da-manhã do dia sgte.

Como já foi dito anteriormente, o “Piscinão” do Quilombo guarda muitas semelhanças com o notório Poço das Moças, tanto no formato como no quesito beleza natureba, apesar de ser ligeiramente menor. Contudo, ele se diferencia e sobressai por ser pouco (ou nada) conhecido e não ter td aquela muvuca q eventualmente domina o Poço das Moças, vinda da baixada. Sem contar q pra ele não existe qq impedimento ou restrição de acesso, em comparação à tradicional trilha q desce do “Mirante” até a mais ilustre piscina do Rio Quilombo.

Claro q esta “seleção natural” de privilegiados visitantes tem um preço, q se traduz numa trilha árdua e confusa num lugar onde nem os guias de Paranapiacaba se atrevem a meter as caras, onde não raramente se tropeça com algum caçador. Mas pela própria definição de aventura esse é mesmo o ônus p/ desfrutar uma das mtas belezas da nossa tão próxima e grata Serra do Mar. Belezas estas realmente reservadas apenas pra poucos e determinados andarilhos, q pouco ligam se depois voltam pra casa com as mãos repletas de espinhos ou os joelhos ralados ou latejando.

Texto e fotos de Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos
 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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