Travessia Anchieta – Estrada do Mirante

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Não so de antigas picadas indígenas, veredas coloniais jesuítas ou trilhas de manutenção ferroviária compõem os caminhos q percorrem a exuberante Serra do Mar paulistana. No auge do desenvolvimento industrial, a construção de gdes represas e pequenas usinas ao largo da Serra do Cubatão foram peças-chave pra impulsionar a economia tanto da cidade de Cubatão como da Gde São Paulo. Na encosta da Serra foram construídos tubos adutores que levariam a água do reservatório, para a usina, acompanhados de vias de manutenção q com o passar do tempo fecharam. Outras não. Ou quase isso. Uma destas fantásticas veredas proporciona uma árdua pernada q parte do nível do mar, na Cota 53 da Rodovia Anchieta, e sobe ao planalto até a “Estrada do Mirante”, aquela via q interliga a Usina Henry Borden à Anchieta. Uma subida serrana pra ninguém botar defeito, com direito a parada na fantástica na Cachu do Lago Azul.

Sonado de cansaço mas, principalmente, pela noite mal dormida, mal percebi a descida da serra pela Rodovia Anchieta. Tb pudera, havia deitado tarde pra antes das 4:30hrs já estar de pé afim de tomar o primeiro busão rumo Terminal Jabaquara, pra lá embarcar no primeiro coletivo da Viação Breda destino Cubatão, ou seja, o das 8hrs. Viagem embalada no mundo dos sonhos até q o Nando e Ronaldo me estapearam afirmando q era hora de descer, 50 minutos após o embarque. Estávamos aproximadamente no Km (ou cota) 53 da Anchieta, quase ao sopé da enorme tubulação q desce a verdejante Serra de Cubatão, coroada pela casa de máquinas do complexo Henry Borden. Lógico q o motora já havia sido deixado de sobreaviso desse nosso desembarque atípico antes de alcançar o destino final.

O calor abafado logo nos abraçou assim q pisamos no asfalto naquela manhã quente, de nebulosidade de clara opacidade. Enqto o busão seguia viagem rumo Cubatão e se perdia no transito da Anchieta, ajeitamos as mochilas nos ombros e pusemo-nos em marcha logo a seguir. Basicamente o inicio desta pernada é o mesmo q o relatado na ocasião da visita à Cachu Paraiso, semanas atrás. Sendo assim passamos por baixo do passarela utilizada pelos locais da Vila Light, onde residem os descendentes dos primeiros moradores q ajudaram na construção da Usina ao lado – e mais alguns agregados, claro, q resolveram ajeitar seus barracos perigosa e clandestinamente na encosta serrana – , pra então ganhar o asfalto da rodovia no sentido contrário.

Mas não dá nem 5min de caminhada estrada abaixo q logo adentramos numa picada bem batida e óbvia, assinalada por uma placa amarela voltada pra Cubatão, pra finalmente mergulhar no frescor da mata fechada. A ascenção é suave, tranqüila e desimpedida, mas a presença de lixo neste começo de trilha chega até a incomodar, principalmente os mtos trabalhos de macumba ao largo da vereda. Mas a medida q avançamos o caminho vai se tornando mais limpo e isento de qq espécie de sujeira de cunho “civilizado”.

Pois bem, a pernada não demora a nos levar ao primeiro gde córrego q a trilha aparenta cruzar, pra depois continuar bordejando em nivel a montanha e desembocar no vale da Cachu Paraiso. Não o cruze. Ao invés disso procure uma trilha q acompanhe o curso dágua, córrego acima, pela sua margem esquerda. Uma vez nesta vereda (provavelmente coberta de uma espessa camada de folhas) toque pra cima, eventualmente por onde der, sem caminho algum. Basta tb acompanhar as várias mangueiras de captação presentes por td trajeto. Entretanto, não demora a nos deparar com uma pequena cachu despencando de uma gde muralha rochosa verticalizada, impossível de transpor frontalmente. É aqui q começamos a escalaminhar a encosta íngreme do morro de modo a atingir o patamar sgte, nos firmando no arvoredo ao redor. No caminho, uma pequena cobra em meio a folhagem redobra nossa atenção no chão pisado, ao mesmo tempo em q nossas mãos buscam algum apoio na vegetação em volta pra dar o impulso necessário e galgar o degrau sgte.

Mas a escalaminhada dura pouco pq logo caímos numa trilha bem larga e batida q vai no sentido desejado, ou seja, subindo a montanha. Me pergunto de onde deva ter partido esta trilha q nos passou desapercebida, mas acredito q ela nasce um pouco antes de onde abandonamos a principal, antes de cruzar o córrego. O GPS do Nando marcava precisos 240m de altitude e dali foi so acompanhar a picada, seguida de perto por mais mangueiras borrifando água por td caminho. A trilha sobe sempre, acompanhando por um bom tempo o córrego q antes estava bem ao nosso lado, la embaixo, ate q o cruza mais adiante. Eventualmente surgem bifurcações mas basta se manter na principal, no caso, na vereda q sempre suba e sem perder as captações nessa direção. Mas não tarda pro caminho embicar de vez e subir forte, e aí q as onipresentes mangueiras vem a calhar como cordas e corrimãos improvisadas, auxiliando na ascensão progressiva da serra.

Suando em bicas, na cota dos 350m atingimos um largo ombro serrano onde as mangueiras sumiam definitivamente além de tropeçar com uma trifurcação bem marcada: o ramo da esquerda continuava subindo a serra; o ramo do meio a descia até um trecho do acidentado vale do Rio das Pedras; e o ramo da direita aparentemente vinha do litoral, porém da baixada situada a sudeste. Curiosos em ter contato com o Rio das Pedras, q nasce no planalto no reservatório do mesmo nome, tomamos essa íngreme vereda q desceu boas dezenas de metros vale abaixo, aos ziguezagues, e nos levou a um lugar q não esperávamos e resultou na grata e agradável surpresa da trip. Eram apenas 10hrs e estávamos na Cachu Lago Azul.

Já havíamos ouvido falar da Cachu Lago Azul e inclusive a tínhamos visto por antigas fotos, mas não esperávamos q seu acesso era tão fácil assim! O local consiste num enorme espelho dágua de coloração turquesa q faz jus ao nome q recebe, onde o Rio das Pedras despeja suas águas através de uma cachu de porte médio. Alem disso o lago é cercado por uma aprazível praia de pedras e, por incrível q pareça, nenhum lixo, sinal q não existe muvuca ali apesar da relativa “proximidade” com a rodovia. Bem diferente da farofada Cachu Paraiso, situada no vale ao lado. Pois bem, foi ali mesmo q nos presenteamos com um demorado pit-stop com direito a descanso, tchibum e exploração do patamar acima da cachu, onde tivemos nova surpresa.

Ladeando o lago pela direita, escalaminhamos os rochedos q dão acesso às lajotas e pedras q coram o alto da cachu, onde tb há uma corda disposta estrategicamente pra mergulhos mais ousados. Claro q ninguém se meteu a besta de se lançar através daquela corda q sabe-se lá suas condições. Pois bem, acompanhando cautelosamente em nível rio acima logo tropeçamos com nova e imponente cachu, onde o Rio das Pedras despenca de vários patamares sucessivos serra abaixo pra finalmente formar um enorme poço cavado no meio de um buraco. O local é digno e merecedor tds os cliques possíveis pois a água é mais do q translúcida naquele horário do dia, e olha q estava nublado!! Já imaginou com o sol batendo de cara nesse poço?? Como não poderia deixar de ser mandamos ver mais um tchibum naquela funda piscina azulada envolta por enormes paredões, com direito até pulo de uma pedra lateral q servia de “trampolim”.

Retornamos ao lago anterior onde nos regateamos com mais banho e um descanso mais q demorado. A catuaba q o Nando improvisara amoleceu os músculos de tal forma q foi inevitável jogar o corpo nos trechos mais horizontalizados daquela praia pedregosa. O tiro de misericórdia pro corpo foi o suculento almoço preparado em conjunto, um delicioso arroz apimentado engrossado com almôndegas!! E assim foi, com o prolongado relax se esticando até pouco depois das 12:30hrs, horário onde o céu começou a trovejar, trazendo novamente a tona o pensamento de q deveríamos dar continuidade a nossa almejada subida até o planalto.

Retornamos então à trifurcação acima mencionada pra tomar em definitivo o ramo da esquerda, ou seja, aquele q subia indefinidamente. A trilha é bem batida e óbvia, embora eventualmente suja com algum mato caído mas nada q um simples desvio resolva. Qdo ela rompe pra cima é quase impossível perder-se, pois galga claramente uma crista íngreme ascendente quase q em linha reta, com mato caindo pra ambos lados. Essa trilha foi um achado q nos poupou além de mta ralação no mato, um bom tempo de subida. E, observando bem, reparamos dois pequenos suportes de ferro lado a lado a cada metro palmilhado. Peralá… aquilo outrora então já foi uma longa escadaria, porém atualmente desprovida dos degraus! E se reparar com mais atenção ainda, encontraremos fitas da Sabesp marcando o arvoredo durante td trajeto! Uhúúú, alcançar o planalto então era pura questão de tempo!

E la fomos nos vencendo degraus serranos sucessiva e vagarosamente, afinal, não havia pressa alguma. Por entre as frestas do arvoredo podemos tanto apreciar o terreno q ficou pra baixo, os tons plúmbeos do litoral e, em especial, o Lago Azul reluzindo em tons turquesa emoldurado pelos tons esmeraldas do arvoredo. De repente, uma jararaca folgada no meio do caminho nos prega um susto enorme, deixando-nos ressabiados, tanto q logo depois um singelo sapo nos prega uma peça similar. Uma breve pausa pra retomada de fôlego é feita na cota dos 560m, com direito a um Diamante Negro dividido entre td mundo na tentativa de obter a energia extra necessária pra vencer o restante daquela íngreme piramba. Àquela altura do campeonato o vale do Rio das Pedras havia sido deixado pra trás, ou melhor, lá embaixo.

Com suor escorrendo farto pelo rosto, nossa forte ascenção arrefece por volta dos 640m onde o terreno aparenta amansar um pouco. Pelas frestas da vegetação podemos observar q já estamos quase na altura da casa de máquinas q coroa a Usina, no alto da serra. Mas é na cota aproximada dos 750m e sem nada mais o q subir, q emergimos finalmente na beirada do planalto, pontualmente as 14hrs. Uma fina garoa fustiga nosso rosto, pra logo depois dissipar-se com lampejos de sol espiando por entre as nuvens.
Após andar um pouco na horizontal por entre a mata, a picada termina as margens de uma precária via de terra, a Estrada do Mirante, à frente do Portão 4 do setor da Usina q dá acesso à Barragem Rio das Pedras. Como a partir dali era necessário passar pelo portão pra chegar no Pouso de Paranapiacaba, no Caminhos do Mar (e dali tomar bus), tentamos negociar com os mal encarados guardinhas da guarita, sem sucesso.

Os caras eram irredutíveis e tinham ordens expressas de não deixar ninguém passar sem autorização. Só faltou implorar ajoelhados pros caras, e nada. Cogitamos até dar “cambau” pelo portão e um perdido neles, mas desistimos ao ver a mata fechada na encosta quase vertical, mas o q demoveu nossa idéia de adentrar ali ilegalmente foi mesmo a vontade dos ignorantes guardinhas, estampada nos olhos, de pegar alguém ali clandestinamente pra encher de porrada. Quem sabe um fluxo maior de turistas e andarilhos por ali deixe os caras mais flexíveis em relação ao acesso além do portão.

Pois bem, fim de travessia mas não de trip, o único inconveniente de logística era esse: a volta. Impedidos de aceder o extremo leste da Estrada do Mirante nos vimos irremediavelmente forçados a contornar a represa pelo outro lado (noroeste), dando uma enorme volta pela Anchieta de quase 9km. Td na sola. Antes de empreender a longa (e necessária) caminhada, porém, descansamos num belo mirante próximo da guarita com vista panorâmica de td baixada de Cubatão, por sua vez envolta num céu incrivelmente de opacidade clara.

E lá fomos nos, camelando pela entediante estrada um bom tempo até cair na Rodovia Anchieta, as 15hrs. Dali pusemos pé no asfalto sentido SP, na vã esperança de obter uma carona q abreviasse este trecho sacal, sem sucesso. Passada a Interligação, um braço da represa Rio das Pedras e quase 5km de chão, deixamos a rodovia em favor de uma estrada paralela de manutenção q desembocou numa precária trilha e, finalmente, na Estrada do Xiboka, as 17hrs, uma via bastante utilizada por praticantes de off-road e motocross.

Ao entrar nos limites do bairro Sanzala, as margens da represa Billings, é q tivemos a certeza q nossa peregrinação pro pto de bus estava no fim, após quase enfadonhos 4km. Alcançamos, enfim, a Estrada Caminhos do Mar abraçados pelas brumas de final de tarde, as 17:30hrs, onde estacionamos no Bar da Lu. Uma vez lá fomos informados do horário do coletivo e aproveitamos pra bebemorar a empreitada na cia da simpática dona do boteco. Tomamos enfim o coletivo das 18:15hrs rumo Ferrazópolis tremendamente cansados e quebrados. Lá mandaríamos um “dogão” sarado goela abaixo na rodoviária local, pra depois tomar nova e demorada condução pro Terminal Jabaquara.

Já de sobreaviso da dificultada logística de retorno, fica aqui a dica desta interessante e árdua subida serrana. O passeio pode mto bem abrir mão do trecho final e se limitar a apenas um bate-volta da maravilhosa Cachu Lago Azul, tomando condução na Anchieta na volta ou melhor, indo de carro. Mas esta é apenas uma sugestão. De qq forma a empreitada abre novas possibilidades de caminhadas q rasgam a Serra do Mar, através das veredas de manutenção das adutoras paralelas à Estrada Caminhos do Mar. A sudoeste encontra-se os incríveis Rio Pilôes e o Rio Cubatão; a nordeste, os afluentes pouco conhecidos do Rio Perequê. Sendo assim, aventuras vindouras não haverão de faltar ao andarilho explorador q se preze. Com ou sem trilhas.

Texto e fotos de Jorge Soto e Nando Gil
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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