A Gruta de Beltenebros

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Beltenebros é bem mais q o ermitão mateiro da “Peña Pobre”, celebrado por Miguel de Cervantes, em “Dom Quixote”. O ex-cavaleiro andante q largou td por conta de um pé-na-bunda da amada tb empresta seu nome a uma desconhecida gruta situada nas proximidades do bairro de Manoel Ferreira, as margens da Rodovia SP-098 (Mogi-Bertioga). Apelidada assim pelo grupo de bombeiros q a descobriu, a “caverna” na verdade é um enorme complexo de lapas, quebra-corpos, grotas, abismos, salões e galerias, resultante do desmoronamento de gigantescas pedras nas encostas do respeitavel serrote q abriga tb a Pedra do Sapo, outro “point” mais conhecido da região. E foi esta atração menos visada q fomos bisbilhotar neste último domingo. De relativo fácil acesso, à visitação desta típica gruta de Serra do Mar pode ser emendada à subida da própria pedra, tornando o programa mais, por assim dizer, tão iluminado por largas vistas qto “cavernoso” e imerso em densas trevas.

O sol já brilhava forte a leste qdo eu e a Vevê chegamos no pacato e minusculo bairro rural de Manoel Ferreira, as 9:15hrs. O motorista do busão pisara fundo desta vez, numa das raras ocasiões em q não saltávamos no posto da Balança, no km 77 da Mogi-Bertioga (SP-98). Mesma sorte não teve um grupo de jovens q passou batido pelo “ponto final” e amargou longa caminhada pelo asfalto ate chegar no tradicional pto de partida de inúmeras aventuras pela serra mogiana, no caso deles, a Cachu Furada. Da nossa parte, a trip da vez derivava da SP-21, precária via de terra conhecida como “Estrada da Adutora”, e q dá acesso a outros points locais, como a trinca de picos conhecidos como Pedra do Sapo, Pedra da Esplanada e Pico do Garrafão. Fazia tempo q não retornava pra estas bandas q explorar a tal gruta foi a desculpa q precisava pra ver tb como andavam as coisas por aqui.

Manoel Ferreira, situado a 710m de altitude, começava recem a despertar com seu jeitão tipicamente interiorano. Crentes  já se aglomeravam numa esquina pra seguir em direção ao culto matinal, caminhonete do leite colhendo tambores pelo caminho e algumas crianças divertindo-se com animais davam o tom da vida mansa q se tem ali. Ajeitamos as mochilas e imediatamente nos pusemos em marcha pela tal “Estrada da Adutora”, tocando pra leste. A caminhada é tranqüila e desimpedida pois basicamente segue pela supracitada via, q por sua vez acompanha a vasta tubulação de água q se espicha no sentido Leste-Oeste, ora próxima ora afastada dela, conforme vai ditando o relevo. Chácaras, plantações e alguns trechos florestados são o cenário recorrente desta bucólica estrada.

Após passar por baixo da tubulação pra depois acompanha-la um bom tempo num retão interminável, a vista se abre a nossa direta permitindo um vislumbre do discreto e abaulado serrote a sudeste, coroado por um cocoruto rochoso inconfundível q nada mais é q a famosa Pedra do Sapo. A estrada então vira pro sul, afastando-se dos tubos de modo a contornar um morrote, e mergulha num agradavel trecho florestado q nos protege do forte sol q começa a brilhar no céu. Mas é aqui q é preciso prestar atenção, pois as 9:45hrs abandonamos a estrada principal em favor doutra saída pela direita assinalada por um pórtico de cimentoq leva noutra chácara.

Uma vez nesta estrada não tem mto erro pois a mesma serpenteia a morraria sgte sempre sentido sul, e basta sempre se manter na via principal. Ignoramos então a primeira bifurcação (a direita) mas não a sgte, de onde deriva uma estradinha menor coberta se mato ralo e marcada por uma discreta cerca. Se continuar pela estrada principal logo vai dar numa gde fazenda (Recanto Cerração e Sitio Serra Verde) com cães estridentes e perceberá q passou batido.

Pois bem, uma vez nesta simpática estradinha q nasce da tangente da principal, seguimos em frente em meio a refrescante mata em volta, com belos exemplares de arucarias e jardins de vistosas azaléias dando o ar de sua graça. Mas não dá nem 300m pela tal estradinha q ela desemboca numa casa de alvenaria, aparentemente abandonada. Aqui reparamos em dois veículos estacionados no gramado q abriga a casa, um deles da TV Globo SP. “Oba, vamos ser entrevistados lá na Pedra do Sapo!”, falei pra Verônica, imaginando q a tal equipe de TV local tb aproveitasse o dia limpo e transparente pruma matéria no alto da pedra.

Uma vez na casa abandonada, é preciso buscar á esquerda dela uma picada em meio a vegetação uma evidente vereda q galga a suave crista atrás dela. E essa trilha é logo encontrada, as 10:15hrs, sem problema algum, e imeditamente mergulhamos no frescor da mata subindo suavemente aquele ombro serrano ascendente, rumo sudeste. Em tempo, deixo a navegação a partir de agora p/ minha companheira Vevê, pois ela sentia necessidade em se familiarizar – mesmo na raça  – com seu bendito aparelhinho de posicionamento global, e nada melhor q a prática p/ isso.

A ascenção transcorre de forma tão agradavel qto imperceptível por conta da pouca declividade e o destaque do trajeto fica por conta da exuberante vegetação – q mesmo sendo secundaria apresenta belos exemplares de radiantes bromélias, merecedoras de mtos cliques – e pelos onipresentes fornos cavados na encosta serrana, típicos da tradicional “Trilha dos Carvoeiros”, em Paranapiacaba. Fornos estes q guardam a triste lembrança de terem consumido boa parte da vegetação primaria pra fornecer á Baixada Santista (e Porto de Santos) a energia necessária no começo da industrialização de SP.

A pernada prossegue inipterrupta ate q alcançamos um ombro serrano e nos deparamos com uma bifurcação em “T”, e onde tocamos pra esquerda. A trilha perde altitude um pouco mas logo se mantem em nível, aparentemeten atraves de uma crista florestada. A rota tende pra sul/sudeste no mesmo tempo e q desce suave num selado, onde um espesso bambuzal serve como referencia pra mais uma encruzilhada. Mas nos mantemos na principal, sempre tocando sentido sul/sudeste, não tem erro. Dureza era aturar as mutucas daquele horário, enlouquecidas pela presença de sangue fresco fácil.
Após nova trifurcação (onde vamos pelo meio) a vereda prossegue em suave sobe e desce pra em seguida se manter um bom tempo em nível, numa extensa encosta serrana. Qdo a rota faz um cotovelo é possível não apenas ouvir o murmúrio de água correndo num vale logo abaixo, como tb é possível perceber uma discreta picada q leva ate ele. Trilha esta gravada mentalmente pra dar uma bisbilhotada depois, na volta. E é a partir daqui q tb é preciso prestar atenção a uma discreta vereda nascendo pela esquerda, pois será ela q vai nos levar ate o local desejado. É necessário ficar atento pq tem alguma mata tombada no caminho q pode confundir, mas a trilha ta lá, relativamente pisada e razoavelmente usada.

E logo após um abaulado selado q esta picada é finalmente encontrada, as 10:40hrs, graças a perspicácia da navegadora oficial do dia. A partir daqui abandonamos a principal e tocamos pro norte, subindo, inicialmente por trilha sussa mas q depois é preciso escalaminhar o resto do trajeto fazendo uso tanto das mãos como dos pés. Mas não dá nem 5min q a trilha subitamente termina num paredão coberto de cipós. “Uai, kd a gruta?” , me pergunto. Mas a dita cuja não tava a minha frente, pois era preciso olhar pra baixo. Um enorme buraco de mais de 20m escondia td sorte de cavidade imaginável! Mas prestando bem atenção o terreno em volta não era uma coisa única e compacta: era um emaranhado de gigantescas rochas desmoronadas, cujos vãos eram preenchidos por gretas, fendas, abismos, lapas, tocas e td sorte de buraco imaginável. Enfim, havíamos chegado a tal “Gruta de Beltenebros”! Olha, já estive em duas ocasiões na Pedra do Sapo e nunca imaginaria q suas encostas guardaria este tipo de surpresa “cavernosa”, portanto fica aqui o agradecimento ao Albino Cesar (http://rumoselvagem.blogspot.com.br) pela dica.

Pois bem, após um tempo de descanso eu e a Vevê resolvemos dar uma fixucada pelo local. Logo de cara percebemos q descer á gruta principal não seria possível sem um rapel ou equipo apropriado. Por isso começamos a vasculhar o entorno pra ver se havia algum outro acesso naquele gigantesco emaranhado de rochas, mato e argila. Comecamos pela direita, contornando cautelosamente as paredes de apoio do conjunto principal. Vale salientar q é preciso muito, mas muito cuidado pq existe muito mato sobre as pedras de sustentação, ocultando um incontável número de fendas traiçoeiras, resultando em pequenas armadilhas pro visitante normal e desacostumado a este tipo de terreno. Por este motivo tateávamos duas vezes o chão a ser pisado, e qdo era possível o evitávamos nos firmando (ou pisando) nas raizes e galhos mais firmes da vegetação q envolvia as pedras, servindo assim de degraus e corrimãos.

Neste processo conseguimos atingir um patamar q corresponderia á metade da altura da grota principal, marcado por enormes muralhas verticais q convergiam vertiginosamente pro fundo. Havia um trecho onde era preciso ficar literalmente emparedado em duas rochas pra poder alcançar um mirante no meio-caminho, mas q desisti de chegar pois não senti firmeza no chão de terra dali, q se esfarelava a cada passo dado. Havia um sem0numero tb de cipós pendendo dali, mas claro q descer por eles seria loucura total, já q poderiam facilmente arrebentar com peso extra.

Depois dali tentamos descer mais, so q pela esquerda, e foi ai q tivemos mais proveito e pudemos alcançar o quase fundo da caverna. Bastou vasculhar cuidadosamente o mato pela esquerda, se embrenhar em meio a cortantes bromélias – q retalharam minhas pernocas – e dali descer cautelosamente as rochas sgtes ate dar num patamar meio q escondido da trilha principal. Daqui bastou buscar os acessos mais seguros e menos verticalizados q encontramos uma enorme fenda onde era possível adentrar com mais segurança á grota e sem auxilio de cordas. Uhúúú! A Vevê, sempre precavida, trouxe imediatamente sua headlamp, já q este q vos fala esqueceu em casa a dele e la fomos nos, mergulhando em trevas desconehcidas.
Inicialmente bordejando um enorme paredão, logo nos embrenhamos na tal fenda e começamos a desescalaminhar o resto, tendo bastante cuidado onde pisar. O chão deixara de ser rocha e sim uma mistureba de sedimentos argilosos, provavelmente trazidos pelas chuvas ate ali. Segura ali, estica aqui e pisa acolá. La fomos nos, perdendo cada vez mais altitude ate q nos vimos no mais puro breu, onde a única luminosidade presente era tanto a da nossa preciosa headlamp como a duma “chaminé” nalgum pto mais adiante. Diferente das cavernas do Petar, as da Serra do Mar não tem gdes formações de calcário mas tem seu charme caratteristico. Tinha ate uma esguia aranhinha q encantou a Vevê e  serviu como “pin-up cavernosa” da vez, clicada à exaustão.

Mas a exploração durou pouco pq logo vimos q não havia mais onde descer ou avançar. Já estavamos no fundo, embora houvesse possibilidade de passar pra outros setores da grota, atraves de claustrofóbicos quebra-corpos e estreitas fendas nas quais pra passar so sendo esguio e magricela, biótipo no qual não nos encaixávamos. De qq maneira, já estavamos satisfeitos por ter chegado ate ali, uma vez q tentamos de td pra prosseguir, td dentro das nossas condições físicas e momentâneas de segurança.

Retornamos ate onde havíamos deixado as mochilas totalmente imundos, ralados e cobertos de mato, mas contentes por ter estado num local privilegiado, e decerto pouco conhecido da maioria. Desnecessario mencionar q o local encantou a Vevê e a dita cuja prometeu retornar ali em breve, so q desta vez munida de cordas pra explorar o resto da caverna. Enfim, realizar serviço completo, claro.

Após comer um lanche e descnsar outro tanto, retomamos o caminho de volta e as 12:30hrs estavamos novamente na trilha principal, onde tocamos rumo topo da Pedra do Sapo. O trajeto ate lá é tranqüilo e não tem segredo, pois a picada a partir dali vira por sul, faz uma curva fechada e toca indefinidamente pra nordeste, pela crista principal, sempre subindo suavemente. O caminho não demora a sair no aberto onde as largas vistas tomam conta do quadrante noroeste e , num piscar de olhos, as 12:50hrs, percebemos q chegamos aos 1030m do topo qdo nos deparamos com a galera da Globo, já se preparando pra ir embora dali. Guiados pelo experiente Vagner Barbosa (com quem troquei algumas palavras e peguei mais dicas), os repórteres globais faziam um especial sobre as atrações de Biritiba-Mirim a ser transmitido em breve.

Nos despedimos da galera e finalmente nos vimos sós naquele belo cume rochoso, com vista panorâmica de td entorno: Serra de Itapeti, o espelho dagua do Represa do Rio Jundiai e Suzano a noroeste; a faixa dourada de Bertioga (visu q deslumbrou a Verônica!) contrastando com o verde serrano e azul do mar, a sudeste; os domos rochosos e escarpados do Pico do Garrafão, Pedra Esplanada e Mulher Grávida, a nordeste; e a oeste, com algum esforço, a geometria simples dos vilarejos de Taiacupeba, Quatinga e Biritiba-Mirim, em meio a muito verde.
Após algumas fotos nos pirulitamos pro topo da Pedra do Sapo propriamente dito, ou melhor, pra cabeça do Sapo. Uma trilha desce o domo principal, passa por um selado e dá numa pirambeira íngreme, onde é preciso escalaminhar verticalmetne um paredão. Pra isto ou se sobe atraves de uma corda estrategicamente ali disposta pra isso (eu), ou se escala o mato ao lado (Vevê). Uma vez no topo propriamente dito se tem uma vista panorâmica de td mencionado anteriormente e além: a sudeste é possível avistar a barbatana rochosa e incofundivel do Pico do Corcovado, já em Ubatuba! E ali, num pequeno porem confortável e sombreado patamar plano q nos prostramos e ficamos descansando (com direito ate cochilo!), protegidos do sol escaldante daquele horário, e sendo atentamente observados pelos urubuzinhos q ali planavam indiferentes a nossa presença.

Missão cumprida, iniciamos o retorno pelo mesmo caminho exatamente as 14:30hrs, com a indubidavel sensasão de q faltava mais alguma coisa pra coroar a trip com uma cereja de bolo. E ela veio durante a descida da serra. Lembra aquela trilha marcada mentalmente q levava a um vale com agua corrente? Pois bem, na descida nos pirulitamos por ela e qual nossa surpresa ao nos deparar com um córrego cristalino descendo a encosta atraves de varias lajotas, represando o precioso liquido em pequenas “banheiras” durante td trajeto!! Como estavamos o pó de imundos e suados, não nos fizemos de rogados e nos presenteamos um bom tempo com um bom e refrescante banho naquele “ofurô natureba” improvisado, as 15hrs!  A trilha sonora daquela bem-vinda surpresa não poderia ser outra: o murmúrio da agua sendo despejada entrecortada pelo canto metálico das arapongas nalgum canto da mata!
O resto do caminho de volta nem merece menção, mas vale salientar q ate cogitamos carona na Estrada da Adutora, sem sucesso, claro! Mas e daí? O trajeto era curto, mas ainda assim o corpo se ressentia daquele esforço q demandara (e exigira) do corpo como um todo!

Resumindo, chegamos em Manoel Ferreira por volta das 16:20hrs, onde estacionamos em definitivo no boteco em frente ao pto de bus, onde não fizemos questão de tomar nem o primeiro, segundo nem terceiro bus q passou. Optamos por permanecer ali, entornando goela abaixo 5 deliciosas “Ecobiers” enqto observávamos o vai-vem dos habitantes da pacata Manoel Ferreira. Zarpamos mesmo no quarto ônibus q ali estacionou, já quase trançando as pernas, realizando o resto da interminável viagem pra Sampa nos acolhedores braços de Morpheus, obvio!

Com a visita a Gruta de Beltenebros imediatamente me veio a mente uma conversa q tive com o folclórico Seu Geraldo, mateiro conhecido da região, já a um tempo. Recordo dele comentar q “queria ser sepultado numa gruta por próxima daquelas bandas onde residia q somente ele sabia chegar”. Desde então sempre martelou em mim a indagação de onde seria a tal caverna, cuja precisa localização o velho matuto não entregava nem sob tortura. Pois bem, Seu Geraldo se mandou (prum trampo de marceneiro p/ interior) por tempo indeterminado e o pto de interrogação da tal gruta perdurou até hj. Isto é, até este último domingo. Td leva a crer q finalmente descobrimos onde seria o tal “mausoléu” do Seu Geraldo. É a Gruta de Beltenebros mesmo! Uma pitoresca caverna q, tal como o personagem literário q lhe empresta o nome, ainda inspira atuais velhos ermitões e mateiros a residir nela, nem mesmo q seja ao final da vida. Vida esta de desilusões amorosas ou apenas repleta de aventuras pela Serra do Mar.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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