Represa Andes, setor Norte.

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Mesmo tendo em 3 ocasiões palmilhado os arredores da Represa Andes, enorme oásis artificial remanescente dos tempos da construção da SP-98, nunca termino de descobrir algo novo por lá. Encravado nos cafundós do sertão de Biritiba-Mirim e assescivel mediante longa caminhada, cada empreitada é estudada previamente afim de otimização do bate-volta, pois suas dimensões superlativas impossibilitam visita plena duma vez só. Não sem pernoite, claro. Da primeira vez percorri praias e remansos do setor sul; na segunda, imponentes cânions de vazão rumo Vale do Guacá, no extremo leste; e na terceira, uma aprazível prainha situada na margem oeste. Pois bem, neste domingo estivemos mais uma vez lá sondando os meandros q bordejam o setor norte apenas pra constatar o óbvio: além dos poucos andarilhos q se atrevem a meter as caras na represa, a mesma tb é freqüentada por muitos caçadores q criaram uma intrincada rede de picadas de acesso, provavelmente oriundas de Casa Grande e Salesópolis.

 
A manhã cinzenta de domingo, ligeiramente enevoada, e remota promessa de abertura pro Astro-Rei irradiar seu cálido semblante. Esse foi o panorama com q nos deparamos assim q saltamos no km 77, por volta das 9hrs, dando as costas pro busão q tomou direção pro seu pto final, o pacato bairro de Manoel Ferreira. Era uma das raras ocasiões em q a meteorologia acertara em cheio, mas q ainda assim pouco faz sentido pra quem está verdadeiramente disposto a andarilhar por ai p/ se embrenhar nos arredores do”Sertãozinho do Tietê”.

Dessa forma eu e a única “cobaia” q topou me acompanhar de ultima hora, a Simone, imediatamente impusemos ritmo forte ao caminhar pelo asfalto úmido da SP-98 (Rod. Mogi-Bertioga), de modo a otimizar ao máximo o tempo útil da difusa luz natural daquela manhã de tons opacos. Deixando os limites de Mogi das Cruzes pra então adentrar no de Biritiba-Mirim, meia hora após iniciada a pernada abandonamos a rodovia em favor do tradicional “Picadão do Geraldo”, outrora uma antiga estrada desativada faz séculos. Embalados em meio a muita conversa, num piscar de olhos nos vimos saltando as pedras do cristalino e estreito Córrego do Lobisomem, bem ao lado do antigo casebre abandonado q um dia pertenceu ao velho matuto q empresta seu nome à picada.

A caminhada prossegue ininterrupta, seguindo sempre o mesmo compasso e sem gde variação de desnível. A bússola marca ininterruptamente rota nordeste, ignorando as picadas transversais, q ficam pra outras vindouras incursões. Estas veredas merecem exploração futura separadamente pois servem de atalho pra vários recantos insólitos desta zona pouco palmilhada e ainda desconhecida do gde publico. Um local q ainda tem muito caldo pra dar no quesito perrengue e aventura. Pois bem, prosseguindo na pernada, inevitáveis brejos ao longo da vereda surgem, algo previsível, e o chapinhar constante das botas torna-se a trilha sonora de boa parte do percurso. Uns são facilmente contornados; noutros, no entanto, é mais fácil prosseguir chafurdando a bota nos brejos e banhados, sem dó.

Mas não tardou pras brumas abraçarem de vez a mata, tornando a paisagem ao redor um tanto qto mágica. As 10hrs passamos pelos enormes blocos graníticos q formam uma toca providencial em caso de chuva, de onde pendem cipós e outra vegetação firmemente agarrada á rigidez rochosa destes gigantes remanescentes dalgum  mega-desmoronamento serrano datado de tempos remotos. Por volta das 10:20hrs cruzamos cautelosamente o primeiro dos três gdes (e escorregadios) pontilhões do caminho, q por sua vez passa por cima do riozinho cujo som já ouvíamos faz algum tempo. Na verdade este som corresponde realmente á da Cachu da Lagarta, próximo dali.

Na sequencia e num trecho mais aberto da trilha, ao invés de largos horizontes descortina-se apenas a cumieira serrana plenamente engolida pela cerração, ocultando o elevado recorte escarpado do maciço imponente do Pico do Gavião, tb conhecido como Peito de Moça ou Mulher Grávida. Neste trecho a umidade reluzia nas pedras remanescentes do calçamento da trilha, trazendo a tona uma historia q remete à construção da SP-98, datada dos anos 80.
O segundo pontilhão é cruzado as 10:50hrs nas mesmas condições q o anterior, ou seja, com cuidado. Logo depois ignoramos uma discreta saída transversal pela esquerda (q leva á Cachu Agua Fina) q em tese deve ser nossa via de retorno, conforme o horário permitir. A “Trilha dos Desbravadores” é igualmente ignorada na sequencia pra tomar a outra via, pela direita, agora descendo suavemente na direção leste. A partir daqui a trilha se estreita e já não é tão larga como era até então, mas ainda assim é obvia e bem batida. C/ direito a algumas breves paradas pra clicar as belas flores do caminho, cuja tonalidade lilás encantou a Simone.
Um novo pontilhão, desta vez de ferro, é atravessado as 11:05hrs e é preciso ter equilíbrio ao andar sobre suas vigas remanescentes, de preferência sem olhar prum afluente do Sertãozinho q marulha logo abaixo. Mergulhamos então no frescor dum bosque onde varias trilhas nascem da principal, pra tds lados, sendo algumas de anta, cujas gdes pegadas abundam na lama do trajeto. Mas o sentido a tomar é obvio e evidente. Sempre pra leste. Não tem erro.

As 11:30hrs alcançamos as margens do largo e manso Rio Sertãozinho, e sua travessia foi mto mais facil do q o esperado. Não houve necessidade de corda, nem de tirolesa e mto menos de uma corrente humana. Bastou apenas cruzá-lo tranquilamente, numa boa, com água até quase na altura da cintura. Eu bem q tentei, mas as partes baixas não saíram incólumes á agua fria. A trilha é reencontrada facilmente na outra margem e por ela prosseguimos indefectivelmente no sentido desejado, agora tocando pra sudeste. Aqui surge uma bifurcação de alguma relevância, onde os rumores dão conta de q o ramo da esquerda desce ate o litoral, mas essa é uma info ainda a ser verificada “in loco”. De preferência noutra exploração de garbo e elegância. Dica anotada.

Tocando então pela direita logo reparamos q o caminho se torna relativamente mais confuso, mas nada demais pra quem ja tem farejo de trilha. Mata tombada obriga a sair da vereda pra reencontrá-la logo adiante em meio a muito brejo, coisas assim.  Na sequencia somos obrigados a vencer um certo desnível, subindo em meio a pedras e lajes por onde escorre um pequeno córrego. Uma vez no alto daquele pequeno platô emergimos no aberto e as vistas se abrem de forma espeldorosa, embora ainda emoldurada pela onipresente nebulosidade clara. A exuberante e densa Mata Atlântica dá lugar a exemplares ressequidos de arbustos e vegetação típica de sertão, coroando os rochedos e pedras q pontilham o caminho. Por estas e outras q esta região é chamada de “Sertãozinho do Tietê”.

Assim, algo das 11:15hrs chegamos no largo mirante rochoso as margens do enorme espelho dágua chamado de Represa Andes. Já vim aqui noutras ocasiões mas sempre me deslumbro com a visão deste oásis azulado encravado no meio da verdejante mata. Emoldurando este quadro temos uma bruma opaca e alva, q oculta os maciços próximos do Pico do Gavião, Itapanhaú e Garrafão, tds a noroeste. Vale sempre lembrar q a represa é artificial e sua função era servir como barreira de contenção de água em época de chuvas, controlando a vazante do Rio Sertãozinho e seus afluentes.

Pois bem, do chão áspero de terra preta do mirante  partem algumas trilhas q contornam o sul da represa, passando pelo lado dum pinheiro isolado q serve como referência, em meio a mta vegetação arbustiva baixa. Outras levam a pequenas prainhas fluviais proximas onde é possível montar pequenos bivakes, mas a gente ignora tds estas por outra q toca pro norte, mergulhando aparentemente num mar de samambaias baixas. É neste momento q as brumas tornam com força total engolindo a represa e qq paisagem q por ventura tenha sido clicado pelas câmeras, minutos antes. “Ufa! Bem, na hora! Foi só chegar q fechou de vez!”, falei pra Simone, q por sua vez ficou contente por pelo menos ter tudo o privilegio de apreciar a represa por inteiro.

Tocamos então por essa picada avistada, q rumava aparentemente por norte, em meio a um matagal de samambaias ressequidas sem gdes dificuldades. A picada, embora discreta de inicio, fica mais clara e evidente conforme se avança naquele terreno descampado, no momento começando a ser tragado por densas brumas. Logo de onde estavámos, um nivel bem acima e meio afastados do lago, já não víamos vestígio algum do mesmo. Apenas uma enorme mancha opaca tomando conta a nossa volta. Imediatamente lembrei duma produção sci-fi apocalíptica, “O Nevoeiro”.

A pernada se mantém nesse ritmo durante um bom tempo, sempre com generosos lugares capazes de acomodar várias barracas aqui e ali confortavelmente. Até q mergulhamos outra vez na mata espessa e fechada, descendo um barranco ornado de belíssimos exemplares de bromélias e indo de encontro à beirada do lago, onde houve necessidade de se firmar no arvoredo na unha.  Foi ai q respingos finos fustigaram nosso rosto, q engrossaram qdo desembocamos nas margens duma bonita prainha gramada, onde a perspectiva enevoada q tínhamos da represa  remetia tanto a um tempo jurássico qq como algum conto de Tolkien. Mas logo a iminente chuva sumiu tão repentinamente como surgira.
Após pausa merecida de fotos, prosseguimos nossa pernada agora rente ao lago, sempre atraves duma vereda bem pisada e com eventuais sinais de lixo, como sacolas plásticas, papel de bala/bolachas, garrafas pets e restos de embalagem (de 15kg) de ração de cachorro. Sim, era prova concreta q caçadores frequentavam o lugar, pois geralmnte praticam a ilegalidade sempre na cia dos pulguentos. Em tempo, cachorros funcionam mto melhor q alarmes, dando sinal tanto de bichos como de gente próxima, assim tb são ótimos navegadores e auxiliam as pessoas a circular em qq lugar através dum “GPS” instalado e inato a qq exemplar da espécie canídea: seu apurado olfato.

Percebemos então q a picada abandonou a represa pra contorná-la atraves dum largo braço da mesma, ate q caimos noutra prainha gramada, com mais algum lixinho e um agasalho surrado servindo de espantalho ancorado num toco de madeira. Uma rústica ponte formada de troncos finos de madeira ancorados por um corrimão auxiliam na passagem desse mesmo meandro da represa, pois a trilha continuava do outro lado. Claro q sobrou pra este q vos escreve servir de cobaia pra testar a integridade da precária obra de engenharia.
Do outro lado a vereda mergulha novamente na mata, so q desta vez comeca a tomar rumo leste, sinal q a beirada norte ja foi contornada, porem sem permitir contato visual algum com a represa propriamente dita. Surgem bifurcações mas procuro me manter sempre na principal, ou seja, a da direita, sempre consultando a bússola. Mas logo mais adiante a proporção de brejos, banhados e trechos enlameados aumenta em qtidades industriais. A Simone lembra convenientemente da "Trilha do Lamaçal" (Paranapiacaba), mas a verdade é q aquela da vila inglesa nãoo chegava nem aos pés do verdadeiro pântano q encontramos, onde em mais duma ocasião meu tenis ameaçou ser tragado por aquela areia movediça. E lá fomos nós, chafurdando naquele “chocolate” feito suínos mochilados.

Mas o suplicio termina num terreno seco onde a pernada novamente nivela e arrefece, bordejando um morrote no q parece ser uma antiga estrada desativada, conclusão q tiro pelo evidente corte vertical na encosta. Mais bifurcações surgem onde dali passo a ficar mais precavido em memorizar pra saber retornar depois. Alguns correguinhos surgem no caminho, e q se prestam pra lavar a canela e a bota, mas o empenho é em vão pq logo adiante o lamaçal ressurge redobrado exponencialmente. Algumas pinguelinhas minúsculas de estrutura duvidosa surgem mas o bom senso sugere melhor evitá-las e optar por meter o pé na água mesmo, por precaução. E claro, os breves trechos secos consistiam numa ou outra touceira generosa de bambu, q estouravam crocantemente diante nossa passagem.

Nesse compasso a pernada alterna trilha, brejo e principalmente, lama. Muita lama, aliás, onde pegadas enormes de anta ostentam profundidade e espessura impares q sugeriam as dimensões generosas da bichinha. E como anta é sinônimo de carrapato não tardou pra encontrar alguns colados no corpo, deixando a Simone preocupada. "Eu nunca peguei carrapato, meldels!!!", disse ela esboçando aquele sorriso tipicamente nervoso. Bem, pra td tem sempre uma primeira vez, e quem ta na chuva é pra se molhar, não?
Mas logo as bifurcações aumentaram na mesma proporção da chuva, q tornava a cair com força total, cunhando de vez minha decisão de encerrar a "exploração" por ali mesmo. Com mais água vindo lá de cima a tendência era dos atoleiros ficarem bem mais “pegajosos”, sem falar q ja tava satisfeito pelo pente-fino realizado ate ali.  Minha curiosidade sobre o setor norte ja estava praticamente satisfeita, ainda mais ao constatar picadas se ramificando pro extremo norte, provavelmente indo pra Casa Grande e, quem sabe, bairros rurais perifericos á sudoeste de Salesópolis. Quem sabe numa próxima ocasião rola ate uma travessia naquela direção?

Retornamos pelo mesmo caminho ate o mirante rochoso do inicio, onde chegamos por volta das 13hrs, mas a chuva havia dado trégua provisória sabe-se lá por qto tempo. O receio do Rio Sertãozinho aumentar de nivel logo se desvaneceu qdo o sol cogitou timidamente sair em meio a cerração, envernizando nossa decisão de ficar ali à toa, numa prainha proxima curtindo, mastigando algo e descansando. Logicamente q atendi ao apelo irresistível de mergulhar na água, q por sinal estava fria mas eu nao tava nem ai, mandando ver um tchibum q lavou tanto a alma como removeu vestígios remanescentes de lama pelo corpo. A Simone, por sua vez, nem quis saber de cair na represa, fugindo da água feito diabo (ou seria diaba?) da cruz. Ficou apenas recolhida, meditando e curtindo o silencio daquele paraíso particular, longe de td e todos.

Qdo o visor do celular exibia pontualmente 14hrs percebemos q era hora de retornar, pois além de tarde tornava a garoar novamente. Como bagagem extra das mochilas, recolhemos o pouco lixo q ali havia e q se resumia a sachês de suco e papel de bala. Refizemos então o mesmo trajeto até o Rio Sertãozinho mas peralá, desembocamos noutra margem pela qual não haviamos passado!!?? Opa, trilha errada! Imediatamente retrocedemos em busca da ramificação q me passou desapercebida e em menos de 10min ela foi reencontrada. Ufaa! Este pequeno perdidinho tb foi crucial pra decidir não retornar pelo montanhão da Pedra do Sapo, via Cachu Agua Fina. Havia perdido a entrada correta pelo simples fato do mau tempo escurecer previamente o miolo da floresta. Como me conheco bem e sei q na ausência de luz natural meu senso de direção não opera 100%, decidi voltar pelo mesmo caminho da ida q era mto mais aberto, alem da trilha ser bem mais batida. Segurança e garantia de retorno em primeiro lugar.

E após andar um tantão em meio as brumas e fazer uma ultima parada pra limpar as botas no Córrego do Lobisomem, as 16:30hrs caímos novamente no asfalto da SP-98. Meia hora depois já pisávamos no posto da Balança, onde encontramos uma simpática galerinha mochilada retornando dum camping selvagem na Cachu Light. Bom saber q alguns andarilhos ainda metem as caras subindo o Rio Sertãozinho, indo alem da Cachu Furada. Bem, eu tava meio de cara amarrada pq o bar dali tava fechado e não via a hora de completar a trip com meu sagrado ritual da bebemoração, algo q me estavam negando. Mas o busão logo passou e , na parada em Manoel Ferreira, meu semblante mudou dágua pro vinho ao poder voltar ao coletivo munido de 3 latinhas geladas de Colônia. É, quem não tem cão caçã com gato!
 
E dessa forma concluímos os quase 20 tortuosos kilometros percorridos do nosso bate-volta pelo setor norte da Represa Andes. Vale lembrar q a exploração ainda não terminou. Ainda há o cobiçado setor extremo leste da represa, merecedor duma visita minuciosa e mais detalhada, provavelmente com pernoite, pois sabe-se lá q surpresas nos deve reservar. Mas td em seu devido tempo, claro. E sem pressa. A Represa Andes ainda estará por lá e sempre será motivo de retorno. Seja pra exploração ou apenas prum refrescante mergulho dominical, longe de tudo e todos. Um verdadeiro e legitimo oásis encravado no miolo verdejante da Serra do Mar de Biritiba-Mirim.


Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

1 comentário

  1. Rapaz, lá é lindo! Quando eu comprar botas decentes, eu vou pernoitar por lá! Tentamos pescar, mas em vão! Creio que nunca “povoaram” o lago. Ótima oportunidade pra levar alevinos de peixes grandes kkk. Quando for pra lá, avise!

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