O Domingão no Pico do Guaraú

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O Pico do Guaraú foi uma das primeiras “montanhas” litorâneas deste q aqui q vos escreve, numa época de informação escassa e trilhas precárias ainda sendo roçadas. Conhecido tb como Morro do Peruibe e (equivocadamente) Pico do Itatins, o Guaraú é uma das maiores elevações da imponente serra q fecha o litoral de Peruibe com vista duplamente privilegiada de dua facetas do litoral sul de SP: de um lado, a horizontalidade da Baixada Santista; do outro, a silhueta escarpada da Reserva Ecológica da Juréia-Itatins. De facílimo acesso e bem próximo da urbe, os modestos quase 610m do seu pto culminante são vencidos por qq alma bem disposta a palmilhar (e escalaminhar) por duas hrs de trilha óbvia e bem batida. Aventura acessível não somente pra duas como tb pras quatro patinhas de qq pet q se preze.

 
O tempo frio, nublado e úmido havia dado sinais de melhora pro fds, e nada melhor q aproveitar as largas vistas proporcionadas pela atmosfera límpida dum céu estupidamente azul numa montanha qq do litoral sul de Sampa. E a elevação escolhida foi o topo dum morrote sussa q não pisava, literalmente, desde o século passado: o Pico Guaraú, em Peruibe. Essa foi a deixa pra não apenas matar a saudade do mato como tb de verificar as condições atuais da vereda, q naquela ocasião julguei bem precária com direito até a rasga-mato no trecho final.

Dessa forma e após andar um tantão pela Rod. Anchieta e Pde Manoel da Nóbrega quase q sucessivamente, chegamos em Peruibe ("lugar de tubarão", em tupi) por volta das 10:20hrs sob um sol matinal brilhando espetacularmente e prometendo um dia mais do q lindo. Além da praia e do clima de balneário bem pacato, o q chama a atenção ao chegar são justamente as elevações da escarpada serra q fecha o litoral da cidade, visível bem antes de entrar da cidade. “É praquele pico ali q nos vamos!”, falei pra galera no carro, apontando pro maior morrote do referido serrote. Em tempo, a trupe da vez era composta pela Carol, Luzita, Lore e Bruno. E como integrante canina deste prosaico rolê, a elétrica Chiara, q mal podia conter-se pra colocar suas minúsculas perninhas de basset na trilha.

Cruzamos td cidade e estacionamos o mais próximo do pé-da-serra possivel, ou seja, um pouco antes do Rio Preto, onde deixamos o veiculo do lado dalguns quiosques, peixarias e, principalmente, um posto policial. É possível encostar o veiculo coisa de 300m depois da entrada da trilha, na Estrada do Guaraú, num descampado do acostamento abreviando a pernada. Porém, pelo fato de ali estar bem exposto e sem segurança nenhuma optamos por deixar o veiculo no local em questão, sem maior preocupação. Pois bem, começamos a andar logo na sequencia, as 11hrs, colocando pé no asfalto em direção aquele enorme maciço de rocha pura, forrado de verdejante mata. Daqui bastou acompanhar o emplacamento indicando Estrada ou Praia do Guaraú e tocar em frente. Cruzamos a simpática Ponte do Portinho, onde o Rio Preto marulha mansa e sinuosamente suas águas rumo o mar, onde dizem q sua lama especial garante a eterna juventude.  Pequenas embarcações encostadas na margem e muitas garças dando rasantes na água são visu recorrente. Isso td emoldurado num céu azul magnífico garantem os primeiros cliques da galera.

A pernada prossegue sempre em direção a serra, cada vez mais próxima, e ao cruzar o pitoresco portal “Guaraú-Peruibe/SP” em formato de folha gigante, já é sinal q estamos pisando na tal Estrada do Guaraú, q leva tanto ás minúsculas praias alocadas no enorme costão rochoso como pra praia q lhe empresta o nome, além de adentrar na Reserva Biológica Juréia-Itatins e pra Barra do Una. Com o sol na cabeça dando lugar refrescante sombra proporcionada pelo arvoredo q cerca a estrada a caminhada se torna até agradável, mesmo com suave ascensão. É tb preciso ter cuidado com o transito de veiculos pois a pista é simples e não há acostamento, e é aqui q a estabanada Chiara é contida por uma oportuna coleira pela zelosa dona.

Mas é após passar por uma estação de tratamento da Sabesp e, na sequencia, uma bela estátua de Nossa Senhora das Graças q temos q prestar atenção na entrada da trilha. Na curva seguinte haverá um pequeno correguinho na encosta, á nossa direita, com duas picadas bem marcadas de ambos lados, e ambas tocam pro destino desejado, com sutil diferença; a trilha da direita é íngreme, mal roçada e coberta de mato mas termina dando na picada da esquerda, q é a principal pra subir o pico. Logicamente q minha memória ainda esta boa o bastante pra lembrar desta diferença, mas como minha disposição pra varar-mato naquele dia é mínima, claro q tocamos pela trilha oficial (a da esquerda do correguinho), q é mais larga, segura e batida q a outra.

Abandonamos então o asfalto pontualmente as 11:30hrs e mergulhamos no frescor da mata fechada, inicialmente subindo de forma suave e desimpedida. A Carol enfim solta a coleira da Chiara, q imediatamente dispara na dianteira como se ela mesma se auto-nomeasse guia da trilha, cheirando aquela profusão nova de odores em torno da floresta. O som dos veículos dava então lugar ao silencio da mata, mesclado ao das arrebentação do mar, nalgum pto do costão lá embaixo. O destaque deste trecho inicial é alguma mata tombada, o correguinho q acompanha de longe a trilha (mas logo depois é deixado pra trás), uma placa demarcando limites da Juréia e duas clareiras ao largo do caminho.

Mas não demora pra vereda embicar de vez e mostrar q, mesmo obvia e batida na encosta, a subida não seria moleza. Degraus íngremes de terra batida e principalmente de emaranhados de raizes se tornaram via de regra durante o trajeto, e não tardou pra tanto o farto suor escorrer pelo semblante da galera como tb cada um dos integrantes começar a se distanciar dos demais. A Carol, descondicionada, acabou ficando atrás e acompanhada pela Lore, enqto Bruno e Luzita subiam na dianteira conforme seu ritmo ditava. E a Chiara? Bem, a colérica pulguenta deve ter feito o triplo do trajeto q a gente fez, pois sempre disparava na dianteira pra depois voltar td novamente de modo a conferir se sua dona de fato a estava acompanhando ou não. E assim sucessivamente. Felizmente a temperatura estava bem agradável, dando graças aos céus daquela íngreme vereda não estar exposta ao sol escaldante daquele inicio de tarde.
Mas logo a pernada arrefece e suaviza ao dar no q pareceu ser o comecinho de crista, com mato caindo de ambos lados. O caminho descreve basicamente uma linha reta ascendente atraves desta crista suave. Bem batido e sem nenhuma bifurcação q possa dificultar navegação, aqui só se perde quem quiçá faça uso de bengala e cão-guia. Mas é com pretensões deste segundo q a espoleta Chiara, ainda assim, faz questão de garantir nosso retorno em segurança, “demarcando a trilha” a cada 40m com aquela sua “agachadinha” básica q deixaria qq funkeira carioca corada de inveja. Com a pulguenta do nosso lado, pra quê GPS?

E assim foi, a pernada prosseguiu alternando trechos suaves com embicadas bravas quase q sucessivamente, por um bom tempo. Nos trechos íngremes a Chiara empenhava-se em vencer os degraus de raízes por conta, dando vigorosos saltos continuamente. Mas por volta das 12:20hrs cruzamos com alguns marcos de madeira com numeração crescente (“09”, no caso) num ombro serrano, o q leva a imaginar q se trate da metragem da extensão da picada, ou seja, 0,9km. A picada  então aumenta mesmo de declividade assim q retoma a crista, onde tem inicio alguns trechos de escalaminhada e as mãos e braços logo tomam tanta importância qto os pés, firmando-se no arvoredo em volta e garantir impulso pro paso sgte. Até aqui a Chiara ainda conseguia seguir sem ajuda, desviando das pirambas pela encosta e retomando a trilha logo adiante.

O caminho mantêm nesse mesmo ritmo, ou seja bem íngreme, por um bom tempo. As paradas pra retomada de fôlego e pra molhar a goela são cada vez mais frequentes,  porém breves por conta dos maleditos pernilongos a procura de sangue fresco. O martelar dum pica-pau na mata soa como badalada das 12:30hrs, logo após passado o marco dos “11”. E quinze minutos depois tropeçamos com uma bifurcação lateral, cuja curta picada leva num mirrado filete dágua escorrendo numa estreita dobra serrana e pode abastecer algum cantil menos favorecido. Mas isto não é preciso pq levamos td liquido precioso nas costas, q somam ao td por volta de 3L, apenas por precaução.

Mas eis q as 13hrs nos deparamos com uma enorme pedra semi-vertical, lisa e visguenta, impossível de vencer frontalmente, na cota dos 400m de altitude. Coincidentemente, bem próxima da marcação “13”. É aqui q tem inicio o trecho “escalaminhada pura” da trip e onde a valente Chiara teve q despudoradamente  engolir seu ultimo pingo de orgulho canino e solicitar ajuda nossa, embora aquela carinha triste dela consiga td e mais um pouco. Isso q dá ter perninha curta. Após contornar a pedra pela lateral, num estreito trecho de raizes lisas servindo de apoio e com constante auxilio das mãos, a sucessão de blocos rochosos similares com declividade acentuada tornou-se regra. E é assim q fomos escalaminhando vigorosamente o resto do trajeto, onde um pegava a envergonhada cadelinha e entregava pro outro, um nível acima. E assim nossa força-tarefa transcorreu sucessivamente, vencendo os niveis de trepa-pedras sgtes.

Finalmente, após um ultimo trecho perambeira, passar por baixo duma árvore, e um ultimo lance onde a picada até suaviza, eis q as 13:30hrs desembocamos no alto do Pico do Guaraú. No caso, em seu primeiro mirante, na cota dos 590m, marcado por um belo e aprazível gramado (onde a Chiara, coitada, desabou de cansada!) e um enorme cruzeiro metálico. A vista daqui, beneficiada pela atmosfera isenta de qq interferência, é espetacular. Ao norte temos a horizontalidade de td Baixada Santista, principalmente de Peruibe e de td trajeto feito ate o pé da serra, e os Rios Branco e Preto serpenteando a planície ate desaguar no mar. Apreciamos tb td orla da cidade até Itanhaém, e seus os contornos geométricos sendo rasgados pela Rod. Pde Manoel da Nobrega e, ao fundo com esforço, algumas elevações da Serra do Mar. Voltando o olhar pra leste, temos uma janela na vegetação q permite visual da linha azul do mar dividindo o horizonte, pontilhada por algumas ilhotas próximas, como a do Guaraú, Abrigo e Guararitama.
Pois bem, mas este não é o cume de fato, pra tristeza da Chiara q não vê a hora de encostar de vez seu mirrado esqueleto. Cruzando o gramado, subimos sem mto desnivel num breve trecho de mata fechada  pra em questão de menos de um minuto desembocar no segundo e derradeiro mirante do topo, agora nos quase 600m de altitude. Uma pedra coroa um pequeno espaço de terra e alguma grama, cercado de mata baixa q permite um vislumbre do fantástico de praticamente td quadrante sul. Ali temos os demais contrafortes da Serra do Peruibe terminando na bela planície da Praia do Guaraú, q por sua vez é limitada ao sul pelas escarpas da Serra do Caramborê. Ao fundo, é possível avistar parte da Barra do Una e a faixa dourada da extensa Praia da Juréia terminando na serra homônima. A sudoeste é possível se deslumbrar com os imponentes maciços q integram a serrilhada Serra do Itatins, como o Dedo de Deus, o próprio Itatins e o Morro das Três Pontas.

Após um bom tempo de contemplação, trocentas fotos, lanche (sob o olhar cobiçantentemente "pidão" da endiabrada basset), cochilo e até goles de cerveja (um doce pra quem adivinhar quem levou uma latinha de Brahma gelada no cume!) retomamos o caminho de volta, por volta das 15hrs, no mesmo esquema de cooperação solidária  com a Chiara, q já não estava tão estabanada como na subida e mostrava sinais de exaustão canina. Foi prevendo lentidão na descida e receio de terminar a trilha no escuro (algo impensável!) q decidimos vazar ainda naquele horário, onde a luz natural ainda permitia descer as pirambas em segurança. Dureza foi q perdi a paciência varias vezes com a arteira pulguenta, q não obedecia minhas instruções ("É por aí e não por ali q desce, sua danada!") somente pra ser folgadamente carregada durante maior parte do trajeto.

No trajeto cruzamos com uns moleques (de chinelo} subindo ao topo, e ficamos com o pensamento de q decerto a escuridão os surpreenderia na volta. O fato é q, mesmo com os percalços da Chiara, a descida foi mais rápida q a subida e as 16:40hrs estavamos pisando novamente no asfalto da Estrada do Guaraú e, meia hora depois, trocando de roupa no veiculo. Logicamente q antes de retornar pra Sampa fomos bebemorar a empreitada, e forrar o estômago, num quiosque qq em Peruibe. Desnecessário dizer q a travessa Chiara dormiu estatelada td viagem.

 
Finalizando, existem vários dados equivocados associados ao Pico do Guaraú q são facilmente encontrados na net, dispersados por agências ecoturistas locais. O primeiro é o fato de tb ser conhecido pelos locais como Pico Itatins, sendo q o verdadeiro “Itatins” esta localizado no miolo da Juréia, na Estrada do Despraiado, bem longe dali. Outro dado sem procedência é do Guaraú fazer parte da Serra da Juréia, sendo q na verdade ele faz parte da Serra do Peruibe (pela carta), nome pelo qual o Pico tb é conhecido. Por fim, o dado do Guaraú ser pto culminante da região, desmentido pela presença óbvia de picos maiores próximos. Independente destas considerações técnicas o Pico do Guaraú é ótima pedida duma montanha litorânea de facílimo acesso e q dispensa qq espécie de tranqueira eletrônica de navegação. Ou se preferir, leve seu próprio vira-lata e garanta seu retorno segurança, após presenciar umas mais belas paisagens do litoral sul paulista.

Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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