A trilha do Bernardino

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Reza a lenda q Bernardino era um antigo fazendeiro, dono de boa parte das áreas de reflorestamento do setor leste de Sabaúna (Mogi das Cruzes), q elaborou um intrincado emaranhado de vias extrativistas q percorresse sua extensa propriedade. Pois bem, foi justamente uma vereda q leva seu nome q percorremos neste ultimo fds e – emendada com estrada de chão e um trechinho issrisório de vara-mato – resultou numa curta travessia q partiu do bairro rural de Sta Catarina e findou na pacata Luis Carlos. Totalizando em torno de 20kms bem andados e tangenciando o limite de três municípios (Biritiba, Mogi e Guararema) eis uma pernada semi-selvagem com direito a cachu, ruínas pitorescas e largos visus desta regiâo nada conhecida do Alto Tietê.

Após longa espera no terminal ao lado da Est. Estudantes da CPTM, as 9hrs enfim embarcamos no bus q nos levaria pros cafundós rurais de Mogi e q por conta disso tem horários tão irregulares qto demorados. O “E5-11 Rio Acima”  rasgou então  a horizontalidade da cidade e zarpou rumo leste, e não demorou p/ cinza habitual das construções deu lugar a tons esmeralda típicos desta regiao oportunamente chamada de “Cinturão Verde de SP”. Do interior do coletivo, eu, Ricardo e Simone podiamos avistar perfeitamente o recorte escarpado do Pico Itapanhaú e a Pda do Sapo, emolduradas pela janela. Mas foi somente qdo o asfalto deu lugar a uma precária estrada de terra q aparentemente a aventurinha daquele dia mostrava começar antes da hora; o solavanco trepidante envolto numa nuvem de poeira avermelhada dentro do latão era mostra viva q existem lugares tão trash de acesso como na Bolivia.
 
As 10hrs finalmente saltamos do busuca na pacata Santa Catarina, bairro rural minúsculo q se resume a um punhado de construções ao largo da poeirenta estrada de terra. Minúsculo porém charmoso e simpático, é impossível não se encatar com a arquitetura colonial do casario ao redor, onde destoa a Igreja Sta Catarina, um lindo cruzeiro e uma antiga bica. Sob o olhar curioso dos poucos moradores, ajeitamos as mochilas, pegamos água e demos inicio a pernada do dia, q comecara terrivelmente frio e nublado mas agora esquentava com sol a pino pairando sob nossas cacholas.
 
Pois bem, retrocedemos então um pouco pela estrada observando já o canteiro a nossa direita repleto de algum lixo e entulho ate chegar na primeiro cercado q nasce perpendicular á via principal. Abandonamos a dita cuja e acompanhamos a cerca, mas não por muito tempo pois o mato nos obriga logo a passar pro outro lado e, sempre indo pro norte, num piscar de olhos interceptamos a trilha pretendida. Bem batida, gramada e bastante evidente, tomamos então a direita indefinidamente, primeiro bordejando um morro pra depois ganhar a suave crista dos sgtes. Mas é somente após tropeçar com um bando de carcarás na picada q finalmente nosso caminho começa realmetne a subir e ganhar cada vez mais altitude. Olhando por sobre o ombro observamos q Sta Catarina ficou bem atrás e agora nossa paisagem se enche de alta morraria e fundo vales forrados de muita vegetação secundaria.
 
Após bordejar uma encosta entupida de eucaliptos do morro  e ganhar a crista ste, passamos pelo pto mais alto de td trajeto, a exatos 850m, onde a trilha então desce forte em direção ao vale sgte. A picada agora torna-se uma vala escorregadia onde encontramos sinais de dejetos de algum animal. “São de gato mourisco!”, diz o Ricardo. Nalguns trechos é preciso contornar algumas arvores tombadas q trouxeram meia floresta junto, num processo q se mostra bastante intuitivo e nda do outro mundo. Mais adiante chama a atenção inúmeras ossadas de algum bovino (ou eqüino), assim como nossos ouvidos se inundam com o som inconfundível de água não mto longe, e será justamente sua fonte q irá nortear nossa direção. 
 
Após tropeçar com uma colérica cobra-cipó na trilha, passar pelos únicos exemplares de pinnus do trajeto e bordejar dois morros q anunciam finalmente os domínios dos reflorestamentos de eucaliptos é q o som de agua correndo aumenta consideravelmente. E assim a vereda desemboca noutra maior, onde tocamos pra direita (sempre norte) e onde o som de agua correndo furiosamente no vale ao lado nos detém.
 
Buscamos uma discreta picada nascendo da principal q toca pra baixo, descendo a encosta íngreme, e q as 11hrs caímos na simpática Cachu Bernardino, onde temos uma breve parada p/  contemplar o lugar, descansar e beliscar alguma coisa, afinal, era preciso complementar nosso mirrado desjejum. A cachu consiste numa série de corredeiras lajotadas tão encachoeiradas qto íngremes, onde as águas iam se depositar num pequeno poço pra depois prosseguirem seu curso serpenteando a morraria sgte. Na verdade, nossa rota acompanharia este curso dágua um bom tempo logo depois. Em tempo, as pedras aqui são tremendamente escorregadias e é preciso andar cuidadosametne sobre elas. Eu ate ensaiei dar um tchibum, mas apesar do sol a pino q baixa temperatura da agua realmetne me demoveu dessa intenção.
 
Voltamos a trilha principal 15min depois e prosseguimos nossa pernada, sempre tocando pro norte. O som dum trem apitando reverbera por td vale dando a impressão de estar perto mas é mero engano, pois a linha mais próxima esta alem dos 15km dali. A vereda então desce pro vale sgte acompanhando o riozinho a distancia, bordeja um bucólico lago encavado na baixada e passa a serpentear sinuosamente em nivel a encosta do reflorestamente sgte. Este trecho é bastante parecido com o do Taquarussu (da travessia “Taiacupeba – Paranapiacaba”) pela enorme qtidade de valas, brejos, charcos e banhados presentes no trajeto, e não raramente somos obrigados a seguir rente o mato na margem da trilha.
 
Mais adiante percebemos q o rio passa sob a gente atraves dum sumidouro e nos acompanha agora pela direita o resto do tempo. O som de agua caindo pela esquerda, da encosta, nos obriga a nova breve parada, desta vez pra coleta do precioso liquido e de encher tds os cantis. Uma oportuna bica despeja agua cristalina e segura q abastece as garrafas e goelas menos favorecidas, assinalando pontualmente q esta é nossa ultima agua confiável de td percurso. Uma revoada de reluzentes borboletas azuladas dá alguma cor aquele panorama predominatemente verde e semi selvagem.
 
Mas logo adiante o caminho ganha alguma altitude e nivela de vez, abandonando tanto a baixada como a cia do rio a nossa direita, q fica lá embaixo. Com o caminho mais seco a caminhada se torna bastante agradavel e o melhor, na sombra. Os eucaliptos a muito se foram e deram lugar a exuberante mata secundaria, com destaque pra charmosa plantinha q orna a trilha td tempo. Visivelmente percebemos q estamos palmilhando uma anitga estrada extrativista desativada a muito tempo, dada o corte vertical na encosta. Surgem algumas (poucas) bifurcações no trajeto mas o sentido é bastante obvio. Alem de bastar se manter na principal existem marcações no arvoredo, vestígios dalgum enduro q mostram q a galera de bike mogiana conehce bem a Picada do Bernardino.
 
Após a vereda se alargra mais um pouco mais adiante, tropeçar com enormes cupinzeiros q mais parecem foguetes, ver algumas saracuras fogindo assustadas diante nossa presença e clicar os belíssimos liros vermelhos q pincelam a vegetação rente a vereda, desembocamnos enfim noutro caminho maior q sinaliza termos concluído a tal “Trilha do Bernardino”, após tranqüilos 9km. Fim de trilha as 12:40hrs mas não de travessia, prosseguimos então pelas estradas sgtes mergulhando novamente noutro vasto reflorestamento de eucalipto q se interpõe ao nosso destino final, 10km ainda ao norte. Qq semelhança com a travessia parananense “Araçatuba – Monte Crista” não será coincidência.
 
Uma nova parada é feita outra vez as 13hrs, sob a sombra dum frondoso limoeiro e as margens doutro bucólico laguinho, onde não apenas beliscamos mais alguma coisa como principalmente descansamos do forte sol inclemente martelando nossas cacholas. Perto dali, um ruína chamada curiosamente por “Torre da Pata” desperta nossa atenção, e consiste basicamente numa torre alta de tijolos antiga e abandonada (provavelmente anexo de forno duma casa a mto tombada), onde do alto da chaminé pende um cupinzeiro (ou colméia) q lhe dá aspecto de “bico de pato”. Não sei como anda a imaginação do povo, mas eu não consegui ver nada disso não e sim “um peito caido de preta véia!”
 
A jornada prossegue agora totalmente no aberto e com forte aclive, pra nossa infelicidade. O sol forte castiga nossa testa sem dó e lamento não ter trazido um boné naquele dia. A morraria sgte é vencida no mesmo esquema, subindo  (penosamente) e descendo (sem brisa alguma pra nos refrescar), tocando pela cumieira ou pela encosta o vasto terreno de reflorestamento no qual nos encontrávamos. Na boa, este trecho foi o mais desgastante da pernada. Ao invés da agradavel e verdejante mata secundaria tínhamos agora a nossa volta largas vistas de encostas nuas, outras com algumas mudas crescendo e a maioria coberta por tapetes de eucaliptos. 
 
Nova parada estratégica antes do estirão final, feita na sombra do arvoredo rente a trilha. É ai q visamos metalmente nossa rota pro norte, e ela demanda cruzar um vale ate o alto morro sgte. Pulamos a cerca novamente e tem inicio o único trecho de vara-mato da trilha, q consistiu em cruzar alguns arbustos baixos ressequidos ate cairmos de fato numa picada de vaca, já na encosta sgte. Dali bastou acompanhar a dita cuja e observar os reflorestamentos ficarem pra trás, dando inicio a um bucólico trecho de tipica morraria rural, ou seja, um mar de morros verde-claro,com algumas casas e capões de mata aqui e e ali.
 
No alto dos 820m do morro sgte, apelidado de “Morro do Campo”, onde palmeiras dividiam o largo topo com um campinho de futebol desativado e cercado do q restou duma velha pedreira com paredões imponentes, tivemos o ultimo vislumbre panorâmico dos arredores: ao sul, td emaranhado do reflorestamento percorrido; ao norte, a horizontalidade do Alto Tietê e, ao fundo, o difuso recorte da Mantiqueira; a leste, a morraria encobrindo Guararema; e a oeste, a pacata Sabaána e o contorno inconfundível da Serra do Itapety, em Mogi.
 
Dali bastou simplesmente descer e retornar a civilização, uma vez q a pedreira é limite duma propriedade particular chique.. Após acompanhar a cerca um tanto e alertar alguns estridentes cães da nossa presença, atravessar novo descampado de pasto salpicado tanto de cupinzeiros como de pedras e saltar um correguim mais abaixo, finalmetne caímos no estradão de terra q nos levaria ao nosso destino. O sol tava minando td mundo e tds, sem exceção, so visavam sentar num local sombreado e bebericar alguma coisa. Um doce pra quem adivinhar o q ainda me motivava a seguir caminhando…
 
E assim, a exatas 15:10hrs e após cruzar a linha férrea pisamos na pacata e minúscula Luis Carlos, vilinha mirrada q nasceu a partir da Estação Ferroviaria q lhe empresta o nome, visivelmetne em reforma. Recordo q passei por aqui rapidamente durante o “ferrotrekking” Mogi-Guararema e de cara lembrei do lugar. A vila consiste apenas num punhado de casas, uma igrejinha, nenhum movimento e mais nada. “Nossa, vai ser muita sorte se aqui tiver um bar!”, pensei. Q nada, nem bar nem parada de bus. Ao nos informarmos q não havia condução ali, pusemos novamente pé na estrada e dali andamos penosamente mais meia hora ate o asfalto da SP-66, onde desabamos no restaurante q serve de pto ali, um tal “Recanto do Convento”, onde aguardamos a condução pra Mogi e nos esbaldamos de refri e, claro, breja, naquele dia estupidamente quente.
 
Áreas de reflorestamentos sugerem, a principio, zonas enfadonhas e sem atrativo algum. E são mesmo. Contudo, estudar e planejar bem o trajeto previamente possibilita explorações q podem descortinar surpresas. Cachus escondidas na serra e ruínas tomadas pelo mato são apenas alguns deles. E a região do Alto Tietê está repleta destas áreas onde a “Trilha do Bernardino” é apenas uma de tantas picadas existentes, além de programa q pode ser bem aproveitado tanto pela galera q caminha como adepta duma magrela, sendo q esta última opção tem a vantagem de emendar outros roteiros duma única vez como, por exemplo, a própria Mogi-Guararema. Dessa forma é possivel diversificar aventuras onde quer q seja e so fica em casa quem quer. Se a pé ou em duas rodas, fica a seu critério a escolha da exploração da vez.
 
 
Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos
 
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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