Família de escaladores pela América do Sul, parte 10

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Assim que acordamos no dia 10/12, fomos tomar nosso café da manhã e o recepcionista do Hotel nos disse que eles tinham colocado um plástico no vidro, agradecemos e fomos levar o carro em um posto de gasolina para lavar e tirar o vidro de dentro. O calor estava insuportável e não conseguíamos ficar no sol, procuramos por uma sombra enquanto o carro era limpo, o Luca brincava de lutar contra inimigos imaginários e eu e o Léo procurávamos saber onde poderíamos colocar o vidro do carro. Descobrimos que no nosso caminho (Neuquén) havia concessionária Chevrolet, então voltamos ao posto, pegamos o carro, demos um jeitinho no vidro com o saco plástico que o Hotel tinha colocado e mais uma toalha de banho e saímos.

 
Paramos em uma pracinha central para tomar um lanche e nos deparamos com uma feirinha improvisada, um caminhão que tinha uma grande variedade de frutas e algumas verduras e legumes, fiquei muito interessada mas eles só vendiam em uma quantidade que duraria umas duas semanas, como não tínhamos como conservar estes alimentos resolvi deixar para lá. 
 
Agora era tocar viagem, na saída da cidade tinha um posto policial e como não queríamos confusão, por motivos óbvios e experiências anteriores com a polícia Argentina, resolvemos parar para avisar do vidro quebrado e perguntar como deveríamos proceder. Para nosso alívio o policial nos informou que, como era o vidro de trás, estava tudo bem, poderíamos rodar sem problemas pelas estradas Argentinas. 
 
Assim que saímos para a estrada descobrimos, da pior maneira possível, que o jeitinho que tínhamos dado no vidro quase nos deixava surdos conforme o carro pegava velocidade, teríamos que dar um jeito de trocar o vidro.  Paramos e tentamos ajeitar da melhor forma possível, mas o barulho era ensurdecedor, me lembrei de que uma vez eu vi um carro com fita adesiva no lugar do vidro e achei que valia à pena tentar.
 
Na estrada a paisagem continuava muito bonita, mas não encontrávamos mais tantas altas montanhas e o planalto foi tomando conta da nossa vista. A cidade mais próxima era Zapala, nos animamos ao ver uma concessionária Fiat e procurando um pouco mais encontramos também Volkswagem e Ford, mas acabamos descobrindo que realmente não iríamos conseguir colocar o vidro do carro por lá, só não tinha a Chevrolet na cidade. 
 
Paramos em um posto de combustível para decidir o que fazer, não daria para rodar com o carro do jeito que estava era muito barulho, depois de um tempinho acabei me lembrando que já havia visto carros andando com fita adesiva nos lugar dos vidros e então fomos ao mercado da cidade. 
 
O mercado era grande, conseguimos comprar as fitas e aproveitamos para comprar um pouco mais de comida também, encontramos também uma boa furadeira com preço muito barato que acabamos não comprando e nos arrependendo depois. Saindo do mercado a primeira atitude foi colocar a fita na janela e,  voltando para o posto de gasolina para tomar um lanche na conveniência descobrimos que a nossa gambi deu certo, não íamos ficar surdos. 
No posto, mais uma vez o Luca lutava contra seus inimigos imaginários, as lutas do Luca já eram muito comuns a esta altura, mas ainda era muito engraçado ver ele representando no meio das pessoas e acabamos filmando uma parte de sua “apresentação”. Esta apresentação não tinha sido tão boa quanto uma que ele fez no meio de uma Aduana lotada de pessoas, mas foi divertida também. 
 
Pé na estrada chegamos a Neuquén à noite, com uma “escultura” de dinossauro, eu diria que em tamanho natural, nos dando as boas vindas e hotéis cheios e caros. 
 
Depois de muito rodar paramos em um bem agradável e saímos para jantar, encontramos um restaurante legal, comemos bem e voltamos para o Hotel. Ainda na esperança de não abandonar completamente a viagem o Léo decidiu tentar abrir o porta-malas do carro, mas parecia inútil, mesmo assim decidi tentar também e… para nossa surpresa e pela continuidade da viagem… consegui.
Fomos dormir MUITO felizes, com banho tomado, roupas limpas e com a decisão de tocar a viagem ATÉ O FIM, o vidro nós tentaríamos trocar no dia seguinte, mas agora isso era apenas um detalhe inconveniente.
 
 
Dia 11 acordamos em Neuquen, tomamos o café da manhã e procurar uma Chevrolet para colocar o vidro do carro, depois de algum tempo procurando acabamos ligando para a Porto Seguro que nos informou que enquanto na Argentina nós pagaríamos pelo vidro, no Brasil nós trocaríamos sem custo, é claro que desencanamos do vidro, afinal de contas a fita tinha realmente funcionado, só não dava para abrir o vidro, mas isso não importava tanto. 
 
 
A estrada continuava muito boa, como no Chile e, no meio do caminho, passando por Rio Colorado encontramos mais uma “escultura” incomum, um Pumba gigante nos dando boa viagem, sempre adorei o Rei Leão e o Pumba com seu otimismo só podia ser um sinal de que tudo ia terminar bem. 
 
Chegamos a Três Arroyos à noite e na procura por hotéis, descobrimos que, assim como Calama a cidade não tinham muita estrutura. No geral os hotéis eram ruins, com preços altos e acabamos ficando em um por não ter opções melhores, mas este foi eleito o PIOR hotel da viagem, o quarto era mofado e com tudo MUUUITO velho, MESMO, mas era só por uma noite.
 
Nos acomodamos e saímos para jantar, o hotel era central mas também já era tarde, encontramos uns poucos lugares abertos e acabamos ficando em um restaurante pequeno e agradável que servia boa comida bem próximo ao hotel. De barriga cheia era hora de dormir, sem novidades tomamos banho e fomos para a cama.
 
 
O café da manhã do dia 12/01 foi nossa segunda pior surpresa em toda a viagem, nos sentamos em uma mesa que estava protegida por um plástico que grudava em nosso braço toda vez que encostávamos nele. Como se isso não bastasse coloquei leite com café em uma xícara amarelada e, quando fui mexer, a colher estava com uma crosta preta em toda a parte de trás de sua haste. Não tive coragem de tocar em mais nada, larguei a colher e voltamos para o quarto para arrumar nossas coisas e procurar um lugar limpo para tomar café da manhã. 
Andando um pouco acabamos descobrindo uma lanchonete bem limpinha e agradável e que cobrava seu preço por tudo isso, mas depois do trauma do café da manhã no hotel, já não fazia sentido querer barganhar.
 
Depois do café da manhã fomos a uma Lan House, iríamos para Mar Del Plata e precisávamos imprimir as informações de como chegar no point de boulder. Enquanto imprimíamos a papelada o Luca mais uma vez entrava em seu mundo particular, mas desta vez ele resolveu entrar em uma caixa de papelão, o que divertiu a todos os clientes da Lan House. 
 
Com as informações em mãos tocamos direto até Mar Del Plata e de lá para Sierra de Los Padres. Na estrada para a Sierra de Los Padres identificamos algo que parecia  um camping privado bem legal, com uma enorme área de lazer, mais tarde iríamos conferir, estávamos ansiosos para conhecer os boulders.
 
Sierra de Los Padres não tem quase nada de Serra, uma estradinha que sobe serpenteando uma pequena elevação que não tenho certeza que pode ser chamada de morro, quanto mais serra, com bonitas casas de veraneio e um pequeno comércio local… um lugar muito simpático. 
 
No fim da estradinha, encontramos uma pequena praça com algumas lojinhas de artesanato e com muuuitos blocos de pedra que se apinhocavam por todo lado. Descendo para um breve reconhecimento descobrimos que a praça abrigava uma pequena gruta com uma Santa, o que fazia o turismo ferver por ali, para o nosso desagrado. Depois de uma olhada geral nos blocos de EXCELENTE QUALIDADE, e também na Gruta da Santa com pretensões nada religiosas, já era hora de almoço, como o lugar era bastante turístico, estava cheio de restaurantes e churrascarias por perto. Escolhemos uma churrascaria onde pudemos conhecer um peixe esquisito que nadava pelo aquário do restaurante, enquanto esperávamos a comida o Luca fez sua apresentação pública e depois de um bom almoço com frango voltamos para os blocos. 
 
Era tanta coisa que não sabíamos direito por onde começar, não encontramos escaladores no local, mas não precisávamos de nada e nem de ninguém para nos apresentar os boulders, eles estavam por todos os lados, bastava apontar para qualquer lado de olhos fechados que os boulders apareciam, como se estivessem ansiosos para serem escalados. As formações inspiravam e instigavam nossa imaginação, parecia um verdadeiro caça ao tesouro, onde cada pista é excitante e você encontra uma moeda de ouro a cada tarefa cumprida.
 
Com o fluxo de pessoas, o lugar tinha seguranças garantindo a tranqüilidade local, mas apesar disso encontramos alguns blocos pichados. O Luca começou sua coleção de paus e pedras enquanto eu e o Léo escolhemos aquecer e aclimatar em um bloco um pouco alto onde entramos em dois boulders, um com uma saída levemente negativa que entrava em um vertical e outro com uma saída mais negativa, entrando em uma pequena barriga e terminando novamente no vertical. Os boulders tinham boas agarras de textura “macia”… daria para escalar até morrer sem perder a pele das mãos. 
 
Depois do aquecimento era hora de diversão, com toda nossa empolgação saímos procurando por bons blocos, era muuuito fácil encontrar o que estávamos procurando. Eu precisaria de uma página inteira para descrever os detalhes de um boulder, mas apenas uma sentença pode dar uma idéia geral dos blocos que escolhemos. INCRÍVEIS boulders, plásticos, com os mais variados Vs (de V0 a V5), de movimentos fluídos, agarras “macias”, saídas negativas acompanhados de uma variedade enorme de tetos e terminando com um domínio desafiador.
 
Enquanto íamos de um boulder a outro o Luca se divertia de todas as formas possíveis, jogando bola, escalando, explorando, criando histórias e, claro, colecionando paus e pedras. Já era noite quando o corpo clamou por descanso enquanto a cabeça ansiava por mais boulders e saímos empolgados para voltar no dia seguinte pensando nos boulders ANIMAIS que ainda descobriríamos. 
 
O Luca já tinha uma pequena coleção de paus e pedras de Sierra que estava querendo levar com a gente e, depois de muita negociação, a gente arrumou um jeito de "guardá-las" por ali. Passamos em um mercadinho local para comprar comida e fomos ao camping. 
 
O camping era realmente muito bom, para cada pequeno espaço aberto, onde eram colocadas as barracas, havia uma churrasqueira, uma mesa e bancos, além da ampla área de lazer, com direito a piscina, quadras de areia e salão de jogos. 
Enquanto entramos para conhecer o camping aconteceu uma coisa SURPREENDENTE, um argentino andando pelo camping nos viu e perguntou se nós emprestaríamos a chave do carro para ele tentar abrir o porta-malas dele. É claro que tentaríamos ajudar, mas já tivemos problemas deste tipo e o seguro teve que chamar um guincho para rodar 120Km de volta para casa para pegarmos a chave reserva, já que o chaveiro não havia conseguido abrir de forma nenhuma o nosso porta-malas sem as chaves. Para nossa surpresa o porta-malas dele abriu como se fosse sua própria chave. 
 
Depois de muita exaltação e agradecimentos dos Argentinos, voltamos para a entrada do camping e apesar dos atrativos resolvemos procurar por algo mais econômico. Eu nunca havia conhecido um camping como este, com a minha cultura era engraçado ver o nome camping associado a tanto conforto e pior ainda as palavras camping e caro juntas, parecem não combinar. 
 
Depois de rodar um pouco descobrimos que não íamos encontrar campings, hostels ou hotéis mais simples os preços eram muito parecidos e acabamos ficando em um destes campings que nos dava a vantagem de "adiar" o check out para às 12h (o check out normal na Argentina é às 10h da manhã). 
 
Não havia quase ninguém no camping, mas o dono nos garantiu que estava cheio e nos indicou um dos únicos lugares que não estava reservado. Armamos a barraca, tomamos um banho quente, fizemos uma janta na espiriteira e fomos dormir. 
 
Felizes por estar ali, por ter feito mais uma boa escolha na nossa viagem, pelo porta-malas ter aberto em Neuquém e por ter a oportunidade de curtir este último climbing desta trip.
 
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