O afluente sem nome do Itatinga

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Os arredores da Serra da Garrafãozinho, extremo sul de Biritiba-Mirim, é uma região incrivelmente pouco visada apesar da proximidade com a “civilidade” q se esparrama as margens da SP-98. Detentor de atrativos naturebas como Poço (e Lago) Simão, Usina Itatinga, Garganta do Gigante, Rio Grande, Pq Neblinas, etc.. cada visitação ao lugar reserva sempre uma agradável surpresa q apenas agrega às maravilhas deste sertão situado a margem direita da Rod. Mogi-Bertioga. E foi numa nova exploração descompromissada (atrás duma dica duvidosa) de 16km bem acidentados q tropeçamos com um belíssimo afluente do Itatinga q, escondido numa garganta encachoeirada, se despeja bucolicamente serra abaixo rumo o litoral.

O céu azul preenchia td o firmamento e um sol martelava a cachola sem dó qdo o demorado “Manoel Ferreira” nos deixou no km 77 da Mogi-Bertioga, a exatas 10:30hrs. O horário relativamente tarde – pra inicio de empreitadas de apenas um dia pela região – era devidamente compensado, no caso, pela garantia de luz natural até um pouco mais tarde em virtude do horário de verão. Em tempo, saltamos do poeirento coletivo eu, a dupla dos Ricardos (Carvalho e Simões), Débora, Marina e, como presença internacional vinda diretamente dos cafundós do Leste Europeu, a jovem sérvia Ivana.
 
Imediatamente pusemos pé-no-asfalto, q não demorou a abandonar já logo na primeira curva da movimentada estrada. Mergulhamos então na famosa vereda q adentra nas dependências da Faz. São Simão, antiga extrativista de celulose, sempre em linha reta e tocando pro sul. O som dos veículos logo dá lugar ao dum curso dágua marulhando nalgum canto a nossa direita, q no caso corresponde ao do manso Rio Biritiba-Mirim, q segue paralelo a nossa rota. Com trilha bem demarcada, poucos obstáculos  e menos brejo q o habitual, a caminhada progride bastante adentrando aos poucos na Serra do Garrafãozinho, cuja mata secundaria em volta ainda exibe reminiscências dalguns exemplares de pinnus e eucaliptos da época extrativista.
Por volta das 11:10hrs atingimos o alto da serra, pra ser mais exato um colo serrano principal repleto de pinheiros, onde uma placa anunciando a propriedade e marcos (de delimitação de cristas) empilhados são a novidade desde a minha ultima visita ao local. Deixamos então as largas vistas e mata relativamente baixa pra agora adentrar na espessa e densa  floresta, descendo suavemente a serra sentido os fundos vales a sudoeste. Este trecho mostra-se mais úmido q o anterior e algumas arvores tombadas são os únicos obstáculos (fáceis) do trajeto.  Uma tocaia de caçador escondida na encosta é alvo de cliques e única parada no trajeto. Água é o q não falta no lugar e ela aparece sob a forma de inúmeros córregos cruzando a trilha, q vao lentamente se somando a um curso maior, q corre a nossa direita. 
 
Mas logo esse córrego acompanhado, q mais adiante passa a se chamar de Simão, é atravessado as 11:40hrs por uma decrépita ponte. Na verdade o q sobrou dela: um tronco repleto de pregos e sem o galho q anteriormente servia de corrimão. Aqui o povo optou por declinar de passar pela pinguela e saltou pelas pedras do riachinho, onde a Ivana quase perdeu seus óculos de sol. Na sequência a pernada nivela e se mantem em nível palmilhando um trecho com muito mais brejo, até q adentra num novo bosque de pinheiros, onde finalmente alcançamos ao meio-dia uma referência fundamental pra pernada proposta naquele dia: o q sobrou duma velha caixa dágua. 
 
Daqui a picada principal segue reto sentido Vale do Itatinga, a sudoeste, mas aqui a gente toma uma discreta vereda q nasce da frente da caixa dágua e toca na direção oeste. Restos dalguma construção embargada surgem aqui e acolá, mas logo a mata toma conta de td em td seu esplendor. Num piscar de olhos a picada descendente nos leva as margens do manso Córrego Simão, q é cruzado cuidadosamente por um tronco na água q serve de ponte improvável. Do outro lado a picada prossegue ladeando o supracitado córrego até bifurcar; abandonamos a vertente q acompanha o rio e tocamos pela q prossegue transversal a ele, sentido sudoeste.
 
Daqui em diante nosso caminho embica suavemente e passa a bordejar a morraria florestada pela encosta esquerda. Olhando pro chão constato a picada bem pisada (assim como um precário vestígio de antigo calçamento) e ausência total de lixo, sinal q apenas um ou outro caçador deve passar por ali. Marcas de facão recentes confirmam isso. Uma vez no topo da abaulada serra a pernada nivela, mas logo em seguida desce outra vez pra retomada do mesmo ritmo anterior, ou seja, sobe e desce. No caminho, vários correguinhos cortando os colos servem pra molhar e refrescar a goela, assim como abastecer cantis menos favorecidos. Os brejos tb são abundantes, principalmente nos colos serranos sucessivos.
 
Mas qdo a vereda toma direção sul/sudoeste e começa a mostrar menos firmeza, é sinal q estamos meio q fazendo uma ferradura. No entanto, o corte vertical da encosta denuncia q ali fora uma antiga estrada extrativista a mto em desuso. Ricardo coloca seu facão p/ trabalhar  nalguns momentos, apenas pra abrir caminho pras meninas nos trechos onde voçorocas de bambuzinhos ou matinhos mais agrestes teimam em se debruçar sobre a trilha. E após um tanto, a pernada passa pro outro lado da encosta, mas ainda no mesmo esquema anterior de sobe e desce, o som crocante de bambus estalando a nossos pés se tornou o som recorrente deste trecho da trip. Cogumelos de tds as formas, sapinhos de td tamanhos e bromélias de td tipo de coloração despertam a atenção da Ivana, pois seguramente devem ser coisas raras, senão inexistentes, em sua terra natal.
 
Pois bem, andando nesse esquema terminamos dando bem na beirada da serra. A vegetação espessa e as brumas da condensação da umidade com o ar quente do litoral impediam qq vislumbre do q quer q fosse naquele q seria um estupendo mirante. No entanto, o som de agua correndo furiosamente (q equivocadamente associei ao Itatinga) nalgum vale fundo a nossa direita despertou nossa atenção. Como a idéia de exploração (soprada numa dica duvidosa) era chegar num morro de nome esquisito não havia vingado, decidimos conhecer esse rio caudaloso q nos chamava vorazmente. A trilha em tese terminava na beirada da serra e então começamos a desescalaminhar a encosta em direção ao som da água. Claro q eu fui na dianteira, verificando a real possibilidade disso pra não topar com um penhasco inacessível, mas felizmente era possível.
 
E assim, após desescalaminhar um trecho rochoso, deslizar pela encosta vertical se firmando no mato, bordejar uma pedrona  pela base e ganhar um estreito espigão inclinado do morro, chegamos finalmente nas margens rochosas daquele caudaloso ribeirão audível de longe. E pela posição e localização da carta estávamos num obscuro afluente do Itatinga. Eram exatas 14:40hrs e estávamos situados bem no trecho em q o rio marulhava na horizontal do alto da serra, pra depois se afunilar em meio enormes grotões rochosos e finalmente despencar verticalizado serra abaixo, caindo no abismo da Garganta do Gigante. Visu parecido com o trecho alto do Rio Quilombo e Anhangabaú (Paranapiacaba) ou Rio das Pedras e Guacá, ali perto da SP-98. Perscrutamos rapidamente esse trecho de cabo a rabo, maravilhados do quão bonito e isolado era dos demais afluentes. Infelizmente não deu pra ir na beirada derradeira da queda devido ao limo visguento das pedras, o q as deixava lisas feito sabão. Mas e daí? 
Somente pelo fato de estar ali naquela praia fluvial selvagem distante, local onde certamente ninguém pisou,  já havia valido a pena a saída de casa. Dessa forma nos regateamos durante uma hora ali naquele paraíso particular; enqto uns abocanhavam seu lanche outros se refrescavam nos poços e pequenas quedas q o rio represava em seu caminho.
Após lagartear por uma hora o relógio bradava q era hora de ir embora, afinal tínhamos um bom chão pela frente. Pusemos pé na trilha sentido contrario exatamente as15:40hrs refazendo td trajeto. Escalaminhada de encosta brava já logo de cara, onde dávamos um passo pra retroceder 3..mas firmes e fortes alcançamos o alto da serra. Logicamente q no resto da pernada  nalguns trechos tivemos uns perdidos, q foram rapidamente sanados pela boa navegação do Ricardo (e memória deste q vos escreve). E devagar e quase parando alcançamos o Córrego Simão um pouco antes das 17hrs. Aqui sugeri não voltarmos pela trilha da ida (aquela da caixa dágua) e sim simplesmente acompanhar o rio, uma vez q já conhecia aquela vereda e saberia q seriamos brindados com nova surpresa, pelo menos pro resto.
E assim foi, acompanhamos o rio p/ num piscar de olhos caímos na segunda ponte q cruza a vereda principal, e q brinda qq trilheiro com a mais agradável e prazerosa visão q poderia ter: o enorme espelho dágua cristalina do chamado Poço do Simão. Logicamente q nos brindamos com mais uma breve parada p/ banho naquele belo e bucólico remanso. Apesar dali perto haver vestígios de acampamento de caçador (com uso recente)  mandamos ver assim mesmo um refrecante e merecido tchibum, q foi a cereja do bolo q coroou a trip. O resto da pernada é apenas adendo pois, apesar de ser subida suave, encantou a nossa intergrante dos Balcãs com o encontro inesperado com dois representantes legítimos da fauna da Serra do Mar em plena trilha: uma pequena e elétrica jararaca , e uma mansa e morosa tartaruguinha!  E claro, td mundo retornou com carrapatos, básico!
 
O resto é desnecessário mencionar, bebemoração na Balaça e chá-de-cadeira c/ transito infernal  na SP-98 a caminho da cidade. Mas claro q este ultimo item  é o preço pago pra se ter um bate-volta  único e exclusivo na Serra do Mar. Afinal, exploração é assim mesmo, uma caixinha de surpresas: vc pode passar um dia inteiro rasgando mato sem encontrar nada; como tb se deparar com gratos atrativos inesperados. Felizmente foi esta segunda opção q nos presenteou neste último domingo, e q este afluente desconhecido do Itatinga terá novas e vindouras investidas pra devido mapeamento. Afluente promissor que precisa de um nome, aliás. E qq nome relacionado com  o Leste Europeu q vier provavelmente a denominá-lo não será mera coincidência.
 
 
Jorge Soto
http://www.brasilvertical.com.br/antigo/l_trek.html
http://jorgebeer.multiply.com/photos
 
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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