Explorando a cachu do Diabo

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Cerca de dois meses atrás nos deparamos com uma grata surpresa no meio duma árdua travessia pela Serra do Mar de Bertioga. Era a Cachu do Diabo, queda totalmente selvagem e sem registro algum, q resultou ser a cereja do bolo daquela inesquecível empreitada. Contudo, pelo tempo apertado esta descoberta resultou breve e superficial, deixando o inevitável gostinho de quero mais. Pois bem, foi lá q retornamos neste último domingo, desta vez com logística meticulosamente lapidada pra mero bate-volta de 16kms. Bate-volta puxado em terreno acidentado, diga-se de passagem. Só assim pra conhecer melhor esta maravilha natureba enfiada no miolo do sertão do Rio Guacá.

A manhã começara fria porém de tempo limpo, qdo eu e a Ju saltamos na Estação Estudantes, em Mogi das Cruzes. Eram quase 8hrs e, com tempo de sobra, nos demos o luxo de tomar um pingado e um salgado na frente da estação. Tempo mais q suficiente prum breve desjejum até o Ricardo e a Elaine darem as caras pra então zarpar pro rolê daquele domingo.
 
Assim q apareceram, coisa de 8:30hrs, imediatamente tomamos a SP-88 sentido Biritiba-Mirim afim de otimizar ao máximo aquele dia promissor. Muito conversa em dia embalou a viagem, enqto as janelas do veículo emolduravam plantações e baixa morraria, paisagens recorrentes do “Cinturão Verde” mogiano. Mas foi qdo o asfalto deu lugar a uma precária estrada de chão q a aventura dava sinais de, enfim, ter começado. Cercada de verdejante mata de ambos os lados, a “Estrada de Estrada do Carapicó” (SP-92) não prima muito pelas boas condições, razões do seu escasso tráfego. Popularmente conhecida como “Estrada de Casa Grande” e entre um solavanco e outro, havia raros momentos em q a esburacada via parecia amansar em trechos largos e planos, nos quais era possível apreciar melhor a paisagem q se descortinava na curva sgte.
 
Mas após serpentear um tanto morraria florestada, passar pela Faz. Itapanhaú e o pacato Bairro da Terceira é q há necessidade de prestar mais atenção. Uma vez na Estação de Tratamento Rio Claro, ignoramos a estrada principal (ou seja, a que vai dar em Salesópolis) e ao invés disso tomamos uma variante q segue pela direita, aparentemente terminando atrás duma casa branca. Mas não, a estrada prossegue firme e forte por um bom tempo na direção sul, cercada de exuberante e farta vegetação de ambos os lados.
E assim, após tocar sinuosamente em meio a baixa morraria, finalmente estacionamos na frente dum pesqueiro de carpas por volta das 9:30hrs. A decisão de ficar ali é bem obvia pq logo adiante a estrada termina num portão metálico (trancado) da Suzano Celulose. Na sequência, começamos propriamente a pernada daquela manhã fria cruzando o tal portão, pra então adentrar numa propriedade particular dominada por morros cobertos de reflorestamento de eucaliptos. Sempre pro sul, nos mantendo na via principal e ignorando saídas laterais, a caminhada aperta qdo a declividade da estrada aumenta até dar no alto duma colina. 
 
No alto da morraria, por volta das 10hrs, abandonamos a estrada (q desvia pra leste) em favor duma via menor q, cercada e escancarando uma placa “Proibida Entrada”, mergulha enfim na mata fechada. Contornando a cerca enfim nos vemos pisando em trilha, q volta a tocar novamente pro sul. Este início de jornada já logo de cara bordeja um gde descampado, onde bananeiras, pés-de-cambuci e algum mato alto na própria vereda dividem espaço com uma casebre abandonado. Eu e o Ricardo até damos uma fuçada, contatando q a construção é eventualmente utilizada por alguém, ao notar botas sete léguas, alguma vestimenta e embalagens de alimentos no interior.
Na sequencia a picada adentra de vez no frescor da mata fechada, atiçando tds os sentidos do corpo. A farta e úmida vegetação nos envolve de ambos lados do caminho, q começa a descer suavemente a serra através da encosta da morraria ao redor. O som de água correndo no fundo do vale a nossa esquerda é constante, assim como o som dos pássaros reclamando nossa intromissão em seu habitat natural. Muito brejo, lama e charco toma conta da vereda gde parte do trajeto, diluindo de vez nossa esperança de sair com os pés secos e limpos. Na verdade, este cenário me era bastante familiar pois ele nada mais era q o trecho final da “Travessia Guacá-Casa Grande”, realizada meses atrás.
 
Sempre perdendo imperceptivelmente altitude e cercados por abundante mata, a trilha é em td momento obvia e bem pisada. Vestígios do antigo calçamento da picada estão presentes a td momento, indicando q ela já fora uma estrada utilizada até por veículos pesados, desativada a mto tempo. O visível corte vertical na encosta corrobora esta assertiva, assim como a presença de antigos fornos carvoeiros. Eventualmente nos deparamos com gigantes da floresta tombados no caminho – trazendo metade da mata junto – mas nada q um pequeno desvio não desse conta. Água tb não é problema pq a td hora cruzamos com algum correguinho descendo a encosta e pronto pra molhar nossa goela.
 
E nesse ritmo compassado de caminhada as 11:30hrs nos deparamos com uma pequena ponte no meio do caminho. Na verdade duas toras remanescentes do q sobrou dela, q o pessoal decide evitar saltando as pedras q afloram no córrego q cruza baixo dela. Mas logo adiante a picada sobe um pouco e nos leva ao lugar q apelidamos de “Varandão”, na verdade um trecho da encosta onde uma ampla fresta na mata permite um belo visu do vale do Rio Guacá a nossa frente. Mergulhando novamente na mata nossa rota prossegue sempre pro sul, indefinidamente, serpenteando em declive a morraria sgte.
Pois bem, as 12hrs finalmente a vereda desemboca ás margens dum manso e largo Rio Guacá, num lugar oportunamente chamado de “Prainha Verde”. O remanso faz jus ao nome pq consiste numa larga praia de areia recoberta de capim fino e ralo. Aqui é preciso cruzar cautelosamente o frio rio, com água até a canelas, até a outra margem. No outro lado é q temos enfim a rota variante em relação a nossa última passagem pelo lugar. Aqui, ao invés de prosseguir pela via até então palmilhada – q segue pro sul indefinidamente rumo a vereda chamada “Barraco da Santa” – tocamos por outra mais discreta q nasce a direita e simplesmente acompanha o curso do rio.
 
A caminhada prossegue em ritmo bom e é bem agradável, sempre acompanhando o rio pra oeste, ora próximo ora afastado. No caminho nos deparamos com uma tocaia de caçador, na verdade, um poleiro de madeira no meio do arvoredo. E assim nossa rota vai avançando lentamente, cada vez mais e mais estreita ao lado do rio. Ao mesmo tempo, a vereda se torna mais confusa e não tão óbvia assim, até finalmente sumir de vez. Esse momento era mais q previsível e já estávamos preparados pro vara-mato básico. Pelo menos o avanço na trilha até então nos poupara boa metragem até nosso objetivo. Pelos nossos cálculos apenas 300m (em linha reta) nos separavam da queda, q ainda não era audível pq estava atrás dum morro.
 
E assim começamos inicialmente a bordejar o tal morro na diagonal, de modo a ganhar algo de altitude mas sem dar no seu cume. O mato, felizmente, não era tão espesso e o facão sequer foi obrigado a trabalhar. Apenas um emaranhado de taquarinhas numa dobra serrana ofereceu algum problema, mas nada q duas mãos e uma agachada básica não dessem conta. Uma vez do outro lado do morro já era possível escutar de leve a queda nos chamando, apressando nosso passo. Foi ai q começamos a descer o tal morro, inicialmente pela encosta mas depois através dum curso d’água seco, na verdade uma enorme vala q mais parecia uma garganta de terra, onde perdemos altitude num piscar de olhos. Td cuidado era pouco pois alguns trechos da vala se esfarelavam ao simples toque, razão pela qual as mãos foram tão úteis qto os pés pra garantir apoio na descida.
Sujos de terra, cobertos de mato e com carrapichos agarrados por td corpo, finalmente caímos num ombro serrano onde podíamos já avistar o grandioso véu d’água em meio ao arvoredo. Após um curto trecho de desescalaminhada final quase vertical – onde fomos obrigados a nos agarrar a raízes, pedras e mato ao redor – finalmente alcançamos as margens pedregosas do Rio Guacá, por volta das 13hrs. Ali, naquele cafundó serrano situado entre Biritiba-Mirim e Bertioga, o Guacá rugia furiosamente sob a forma da majestuosa queda chamada de Cachu do Diabo, bem a nossa frente! Alegria geral, claro!
 
Após saltar cuidadosamente pedras lisas feito sabão, nos empoleiramos num enorme rochedo com vista privilegiada da queda, cercados de inúmeras piscinas naturais, de tds tamanhos e profundidade! Na vez anterior havíamos chegado ao alto da cachu, mas agora a perspectiva de baixo nos dava outra dimensão de td aquele espetacular anfiteatro de pedra e água, onde a queda fazia de bela e alva cortina natureba. A Cachu do Diabo é composta por duas gdes quedas gêmeas q despencam duma altura inferior a 50m, mas cujo visual realmente surpreende! A inexistência de lixo sugere visitação é nula, senão inexistente. E ali, ficamos um bom tempo descansando, clicando, beliscando algo ou simplesmente curtindo aquele exclusivo recanto selvagem.
 
O tempo alternava-se entre nublado e ensolarado, com direito até a breves respingos vindo do firmamento, mas era hora de zarpar. Afinal, havia um longo caminho de volta. E assim, as 14:15hrs iniciamos a volta pro veiculo, escalaminhando td aquele morro da mesma forma q a ida. Após vencer a íngreme vala, no selado entre morros decidimos desviar da rota anterior e tomar um atalho q, em tese, abreviaria a rasgação de mato de horas atrás. Decisão certa pois em pouco tempo caímos na trilha q bordejava o rio e, num piscar de olhos, nos levou a “Prainha Verde”.
 
Dali nossa jornada transcorreu morro acima, de modo a vencer os quase 300m q imperceptivelmente havíamos perdido durante a ida. Devagar e parando apenas pra beber água nalgum correguinho q cortava a trilha ou pra clicar algum detalhe q nos passara desapercebido, deixamos a trilha por volta das 16:30hrs e, meia hora depois, já nos víamos novamente no conforto do veículo. No retorno, uma breve parada no botequinho no bairro da Terceira serviu apenas pra bebemorar a empreitada com comes e bebes. Parada esta cujos etílicos relaxaram ainda mais o corpo, q fez com q a volta fosse feita no mais profundo e merecido sono, recompensa mais q merecida prum árduo bate-volta. Duro, porém gratificante. Afinal, a dificuldade de acesso aquela impressionante e espetacular maravilha do Guacá deve garantir q aquele paraíso fique preservado por muito e muito tempo. Ainda bem.
 
 
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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