A Pedra Preta do Itaberaba

0

A turmalina é um mineral escuro e bem comum na formação da Serra do Itaberaba, em especial no Morro da Pedra Preta. Ponto culminante de Santa Isabel e ironicamente figurando como Pedra Branca na carta local, a Pedra Preta é o segundo maior pico da escarpada Serra do Itaberaba, abaixo apenas do Pico do Gil, por sua vez teto da Metrópole paulistana. Embora os 1270m do seu topo estejam situados em área particular (ou seja, proibida), o belo visu descortinado do alto é facilmente acessível mediante puxada pernada q se vale da emenda de estradas rurais, picadas de manutenção e trilhas de caçador. Um programa árduo q só não teve pernoite forçado pq o retorno foi pela oportuna “Trilha do Fundão”.

O dia radiava qdo chegamos em Sta Isabel após rodar pouco mais de 60km pela Rod. Presidente Dutra (BR-116). A atmosfera límpida do firmamento prometia mandar sol inclemente sobre nossas cacholas e, de tabela, visual promissor do alto de qq elevação serrana. Eram apenas 9hrs qdo paramos numa padoca local qq afim de tomar nosso rápido desjejum pré-aventuresco. E ali mesmo q eu, a Carol e a Débora mastigávamos um delicioso pão-na-chapa enqto engolíamos goles de café fresco, sob o olhar cobiçante da espoleta Chiara, a integrante canina do quarteto trilheiro da vez.
 
Zarpamos de bucho cheio e rasgamos o centro da pacata Sta Isabel, agitado como um shopping a céu aberto mesmo naquela manhã de feriado, perguntando pela direção da saída pra Arujá. Uma vez situados, tocamos pela Rod. Pref. Joaquim Simão (SP-56) onde rodamos mais alguns sinuosos “kaemes” pra então abandoná-la por uma precária via a esquerda, a Estrada do Ouro Fino. Uma vez nela não tem mais erro pois basta acompanhá-la sempre rumo oeste, aliás o município tem mais de 300km de estradas cascalhadas q se interligam, onde algumas quase sempre vão por cima de espigões, abrindo a paisagem e possibilitando belos passeios de carro, bike e até boas pernadas. Não é o caso da Ouro Fino, sinuosa via asfaltada q serpenteia a horizontalidade norte de Sta Isabel em meio a chácaras, sítios, pesqueiros, etc.. mas q já nos brinda com o primeiro vislumbre da Serra do Itaberaba, elevando suas escarpas majestuosamente a noroeste.
 
Estacionamos a beira da estrada por volta das 9:30hrs, mais precisamente na sombra duma árvore ao lado do minúsculo Mercado Nigiba´s, onde tivemos nossos últimos preparativos pra empreitada. Nossa idéia era subir a Pedra Preta e estar de volta no final da tarde, antes de escurecer. Particularmente queria estar ali antes do mercado fechar, pra bebemorar o final da trip com uma breja gelada. Vejamos se isso acontece. Alonga aqui e estica ali e pronto, começamos a andar tocando pela precária via de chão q nasce perpendicularmente em frente ao mercado, a Estrada do Jaguari. Diante da gente, a vista se beneficia duma panorâmica de td Serra do Itaberaba espichando-se sentido leste-oeste, de onde destoam os dois cocorutos q figuram como a Pedra Preta.
 
A caminhada começa tranqüila e desimpedida rumo norte, com a Chiara disparando na frente como se fosse a guia da vez, cafungando cada canto daquela poeirenta e cascalhada via. Deixamos pra trás um eucaliptal, bordejamos a reserva particular de Ibirapitanga e até cruzamos com uma tiazinha passeando seus cachorros (q se encantaram com a “periguete basset” q nos acompanhava) até chegar numa famosa bifurcação marcada por uma velha capelinha, as 10hrs. Tocando pela esquerda agora pra oeste, passamos um haras e outras chácaras até nos ver cercados de voçorocas de damas-da-noite, q inundam nossas narinas com seu odor inconfundível. No trajeto, uma bica despeja seu precioso líquido, figurando como último pto confiável pra abastecer cantis vazios.
 
Após andar pela estrada – q alterna cascalho, terra e barro – não demora mto pra abandoná-la em favor duma trilha obvia e bem batida q nasce pela direita e acompanha uma linha de alta tensão, serra acima. Uma vez nela basta apenas tocar pra cima, sem erro. Inicialmente a subida é suave, mas uma vez q vamos deixando o frescor florestado do vale e nos vemos num trilhão erodido e avermelhado, cercado por voçorocas de samambaias secas, é q a subida aperta mesmo! E tome piramba! É aqui q nos distanciamos uns dos outros, cada um avançando conforme seu ritmo, inclusive a Chiara, q aproveita pra desabar na sombra dos arbustos ao redor. Como consolo desta penúria inicial, vistas generosas se abrem ao redor, assim como uma bem-vinda brisa sopra o rosto suado, abrandando assim este perrenguinho inicial.
 
Assim, após modestos 300m de desnível atingimos um largo picadão q percorre a crista principal do maciço por volta das 11:40hrs. Neste topo, recoberto principalmente por reflorestamentos e focos de mata nativa, temos um breve vislumbre da Preta Preta ainda distante, a noroeste, exibindo a pequena “orelhinha” a coroa seu cume, assim como as placas do Ciririca (PR). Uma vez aqui, basta tocar sentido nosso objetivo (ou seja a esquerda) através do precário picadão q desce pro vale sgte, q nada mais é uma antiga estrada de extração madeireira desativada. A partir daqui tb vou me fiando da bússola e carta topográfica, pois no dia anterior estudara o suposto trajeto pra montanha analisando imagens aéreas do lugar.
 
Na sequência vamos caindo em veredas maiores, sempre tocando pra esquerda, conforme percorremos selados ou encostas do maciço principal, sem gde variação de altitude. Sim, o Itaberaba é uma serra bem acidentada e não homogênea, cortada por profundas ravinas e coberta por muita mata neste trecho. Mas ao chegar numa terceiro cruzamento, abandonamos a via principal (q toca pro sul, a esquerda) em favor da larga vereda q toca pro norte, a direita. Dali a vereda desce forte um tanto, acompanhando pela direita a encosta do maciço q temos q ganhar. Uma pequena fazendinha surge a direita – ao lado dum laguinho e muitos bovinos ruminando – como único resquício de civilidade nestes cafundós do Itaberaba, em tese, parque estadual intocado.
Com a pernada sempre pro norte, acompanhando a crista de acesso a Pedra Preta, fico de olho em qq entrada na mata na encosta a minha esquerda. Já havia alertado as meninas q quiçá houvesse um trecho de vara-mato de pelo menos 400m e algum desnível, por conta da única incerteza da minha previa avaliação da rota. E esse trecho perrengoso certamente seria nalgum canto daquela íngreme encosta repleta de vegetação. Mas ainda assim decidi seguir pela principal, na esperança de encontrar algum acesso q evitasse qq perengue desnecessário. Felizmente esta decisão revelou-se acertada, pq as 12:30hrs tropeçamos com uma estreita vereda q tocava na direção desejada, ou seja, oeste. “Meninas, tenho uma má e uma boa notícia..”, falei pra elas, num tom eloqüente q deixaria o Cid Moreira corado de vergonha. “A má é q a Chiara ta lambendo bosta de vaca no caminho.. e a boa é q não vamos precisar varar mato! Uhúúú!”, emendei.
 
E lá fomos nós, tocamos pela tal bendita trilha q tocou encosta acima pra felicidade geral. Logo de cara cruzamos com um pequeno correguinho com água límpida q diluiu nossas preocupações em adquirir o precioso líquido no alto da serra, e nos deixou mais a vontade em consumir o q já trazíamos no lombo. Na sequência, a picada, úmida e bem escorregadia, enveredou morro acima e subiu a encosta em íngremes ziguezagues, acompanhando o som constante de água correndo a nossa esquerda. A nossa volta, mata e mais mata exuberante, de onde pude deduzir q essa vereda fosse provavelmente de caçadores pois vi algumas armações de madeira mocadas no mato e vestígios de algum bicho depenado rente ao caminho.
 
As 13:10hrs desembocávamos, enfim, na precária via (na verdade, antiga estrada de extração desativada)  q percorre a crista principal até o topo da Pedra Preta. Dali em diante a direção era apenas uma, ou seja, pro alto e avante! Afinal, 200 intermináveis metros ainda nos separavam do cume! E tome piramba íngreme pro norte, acompanhando um cercado obvio pela esquerda, assinalando o lugar como propriedade particular. Neste trecho de forte declividade o avanço foi bem vagaroso, principalmente pruma descondicionada Carol, q não tardou pra ficar na rabeira. Cada paso era calculado meticulosamente, mesmo qdo a subida amenizou  no belo selado q precede o primeiro cocoruto antes do cume. Cercados por um belo bosque q lembra o da “Bruxa de Blair”, neste último trecho existe a opção de seguir pela via principal, contornando com desnível suave os falsos cumes, ou a de cortá-lo através de íngremes atalhos, opção q julgo melhor.
 
E assim, as 14hrs chegamos enfim no largo e amplo topo da Pedra Preta, q parcialmente florestado tem duas gdes clareiras com belo visu do quadrante sul. A pouca freqüência de acesso se traduz na ausência de lixo, embora haja marcas de fogueira no lugar. Mas o q chama mesmo a atenção no cume é a estrutura retangular q se vê de baixo, a tal “orelhinha”, lembra? Olhando bem são ruínas de uma construção de 3 andares (e oca por dentro) q nunca foi concluída! Pelo formato e características concluímos q devia ter alguma finalidade cientifica, algo como conservatório, observatório ou mirante. Isto pq subindo a última escada-caracol do ultimo andar (e cuidando pra não enfurecer os trocentos ninhos de marimbondos!) se tem uma generosa e privilegiada panorâmica em 360 graus de td o entorno! 
 
O visual merece parágrafo a parte. Ao sul, o quadrante é preenchido parcialmente pela pequenina Sta Isabel, pela horizontalidade cinza de Sampa e o verde de Mogi, com a Serra do Itapeti logo atrás; ao norte, o Vale do Paraíba destoa com SJ Campos, Igaratá, Piracaia, e o reflexo inconfundível do espelho dágua da Represa de Atibainha, quase ao sopé da Serra do Lopo; o resto da paisagem se composta pela continuidade escarpada dos contrafortes abruptos do espigão principal do Itaberaba, com destaque pra Antena da Embratel coroando o Pico do Gil, a oeste, e da Torre da Petrobrás no alto da Pedra Branca, a leste. As próprias ramificações do Itaberaba sugerem interessante explorações futuras, pelas bandas da Serra da Laje, da Lagoa e ate da própria Pedra Branca.
 
Pois bem, após muito descanso numa das clareiras gramadas ao sopé do “monólito” e beliscar um delicioso lanche (sob o olhar “pidão” da pulguenta, claro!) resolvemos empreender retorno por volta de depois das 15:15hrs, horário ate avançado pro q originalmente tinha em mente. Decidi voltar pelo mesmo caminho q, em tese, era conhecido, com uma sutil variante no final. E dando adeus a Pedra Preta, o retorno foi inicialmente mais rápido q na ida, com trechos lentos apenas nas subidas. E tome sobe e desce interminável. Teve até tentativa de “escalada” nums boulders escuros no caminho, mas q apenas confirmam a péssima consistência da turmalina pois a rocha esfarelava ao menor contato.
 
Ao chegar no cruzamento do picadão da crista principal decidi seguir em frente, ignorando a picada (esquerda) pela qual tínhamos vindo, e assim retornar por uma crista paralela aquela. As 17hrs tivemos uma breve parada no “Mirante”, lugar descampado na cota dos mil metros onde pudemos descansar e apreciar boa parte do trajeto realizado pela tarde, inclusive com boa panorâmica do recortado setor leste do Itaberaba, incluindo a Pedra Preta e Pedra Branca. Dali em diante foi uma descida interminável q só teve breve pit-stop na entrada da “Trilha do Fundão”, as 17:40hrs. Até ali meu maior temor ganhava  forma por conta da somatória da nossa lentidão e cansaço: teríamos q andar a noite, algo q particularmente odeio!
 
Uma vez na supracitada vereda, q tem esse nome pois percorre o fundo dum vale, não tardou pra escuridão se debruçar sobre aquele cafundó do Itaberaba. Basicamente percorríamos a encosta direita daquele verdejante vale, acompanhando a distância um curso dágua, sempre na direção sudeste. Como desgraça pouca é bobagem, nenhum de nos portava lanterna, motivo q qdo a penumbra tornou-se insuficiente pra prosseguir em segurança, nosso avanço se deu sob fachos da precária luz de celulares. Ainda assim isso não nos isentou de tombos, escorregões e de ficar forrados de carrapitchos naquele estreita picada, motivo q diminuiu o ritmo do nosso avanço. O trecho tenso foi qdo tivemos q cruzar um correguinho no escuro onde aparentemente a trilha sumia. 
 
Particularmente odeio andar no escuro pq meu senso de direção não funciona, e no caso de qq perdido prefiro simplesmente encostar num canto, passar a noite e dali prosseguir no dia sgte, descansado e na segurança de luz natural. Andar a noite e cansado é pedir pra dar merda. Mas e as meninas, teriam peito pra tanto? Voltar pelo caminho inicial tava fora de cogitação, pq isso dilataria a pernada em mais 3hrs, tempo q nossas condições fisicas não davam conta.
 
Mas felizmente encontrei a continuidade da trilha logo após o correguinho, q consultando frequentemente a bússola confirmou ir na direção desejada. Ufa! E assim, por volta das 19hrs desembocamos nos fundos da capelinha! Sim, aquela quase no inicio da pernada, pra surpresa dum tiozinho q ali perambuva e deve ter se assustado com 3 pessoas saindo assim, do nada, da mata! Dali bastou andar pelo estradão a noite mais um tantão, até q finalmente chegamos no carro, coisa de 20hrs. Infelizmente o mercado estava fechado, o q me emputeceu ainda mais. Td mundo sabe q a trip so termina mesmo (pelo menos pra mim) qdo mando ver uma gelada goela abaixo. Mas a tão esperada bebemoração foi feita em Sta Isabel, antes de voltar pra casa. Bebidas, sorvetes e salgados, com direito até sobras e restinhos pruma exausta Chiara, q depois se aninhou no assoalho do carro e não levantou nem por ordens expressas do alto comando.
 
Dessa forma, meio q no susto, terminamos na base do bate-volta esta trip pro Morro da Pedra Preta, portanto recomenda-se sair bem cedo afim de otimizar pernada e de levar lanterna, no caso do rolê atrasar por qq motivo. Este é um programa árduo devido ao demorado (e acidentado) caminho de aproximação até a montanha propriamente dita. Vale frisar q td aquele território ainda vai se somar ao Parque Estadual Serra do Itaberaba. Só não se sabe qdo. O processo de regulamentação fundiária ou desapropriação do lugar pode demorar anos, e até lá a área q abraça o Morro da Pedra Preta continua sendo propriedade particular. E portanto, proibida. Mas, claro, estas são considerações tolas. Pois pra trilheiro q se preze este é apenas um detalhe que dá um sabor especial a qq aventura.
 
Compartilhar

Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

Deixe seu comentário