Morro do Cruzeiro

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O Pico do Cruzeiro é o 3º ponto mais alto da cidade de São Paulo, menor apenas que o Morro do Pavão e o Pico do Jaraguá, ambos na zona norte da cidade. Tb chamado de Pico São Rafael, Morro Pelado ou Mutuçununga, o Pico do Cruzeiro é o pto culminante da Zona Leste paulistana, na divisa com Mauá. Apesar da magnitude destes números, os 998 m do seu cume são facilmente alcançados mediante meia hora de caminhada sussa. E foi lá q fomos matar algumas horas de ócio, num rolê mais q tranqüilo de menos de meio período q começou em Sampa e findou em Mauá. Um serrote urbano com facilidade de acesso do Pico Bonilha, desnível do Morro Saboó e visu panorâmico tão espetacular qto o do Pico do Jaraguá.

Cheguei no Metrô Carrão por volta dumas 10:30 hrs, onde me dirigi sem demasiada pressa pro Terminal Urbano Sul, situado bem ao lado da estação. Ali tive tempo suficiente pra engolir um pão-de-queijo e bebericar um pingado, reforçando assim meu mirrado desjejum. Mas o Nando não tardou em dar as caras, pra dali embarcar no possante “407E – Jd Sto André”, busão q me lembrou mto os coletivos da patagônia austral, com rodas enormes e amortecimento bem levantado. “Eita, vai saber por quais quebradas este troço deve se embrenhar pra ter td isso ai!”, pensei.

A viagem transcorreu ate q mais rápida q o previsto, tendo em vista a distancia q nos separava do nosso destino. Depois da Radial Leste, o coletivo tomou a Av. Aricanduva e por ela seguiu quase por td sua extensão, só abandonando-a após passar pelo setor sul do Pque do Carmo. Ali embrenhou-se por umas quebradas pra em seguida tocar através da Av. Sapopemba, onde, passado o Rodoanel Mario Covas, já podíamos avistar nosso destino, a sudeste. Elegantes corcovas verde-claro elevavam-se da horizontalidade duma planície tomada por algum tipo de construção, sendo q do maior serrote viam-se perfeitamente torres e antenas coroando o cume.

Mas foi diante nossa iminente aproximação ao serrote avistado q mal demos conta a entrada no Jd Sto André, já no distrito do Pq São Rafael. Após um curto trecho na Estrada do Rio Claro e uma vez serpenteando a sinuosa Av dos Sertanistas, é preciso atentar a hora de saltar do buso, momento definido pela maior proximidade ao morro e obtido através de simples contato visual permanente com a serra. E as 11:30hrs nos vemos andando por uma travessa da via principal, a Rua Antonio Lemos de Faria, indo em direção ao sopé da serra. Aqui é preciso atentar bem a rua a tomar pra não desembocar nas favelas situadas mais ao sul, já no Pque das Flores. Aqui tb percebemos q poderíamos ter pego outro ônibus no Metrô Itaquera pra chegar até aqui, o “407H – Jd São Francisco”, q pode servir como opção de retorno.

Após cruzar uma pequena ponte sobre o Córrego Caguaçu é q se tem uma geral representativa da região. O córrego serve de despejo de td tipo de dejeto oriundo das casas (gde parte de alvenaria), sinal da parcial falta de serviços básicos, como saneamento. Na verdade, td Pq São Rafael foi ocupado ainda na década de 60, qdo amplas áreas foram loteadas em terrenos menores e vendidas p/ famílias de trabalhadores q migravam de outros estados pra trabalhar nas industrias da Região do Gde ABC Paulista num período de gde desenvolvimento econômico. Contudo, esta desordenada expansão demográfica provocou tb a enorme presença de favelas e ocupações irregulares no entorno do morro, dando-lhe características de classe-média e média-baixa. Por conta desse “detalhe” e sem saber do q encontraríamos pela frente, fomos sem mochila ou gdes valores.

Qdo tropeçamos de cara com uma placa indicando “Rua Um do Cruzeiro” não tem mais segredo, pois basta seguir por ela até o final. Curiosidade é saber q, embora a denominação de algumas ruas já tenha sido regularizada há décadas, os moradores ainda hj se referem aos logradouros pelos números atribuídos no inicio do loteamento. Logo, não estranhe a presença de “Rua 4”, “Rua 57” e até “Rua 1” pela região, principalmente no entorno do morro. A exceção deste, o bairro possui uma topografia plana em sua maior parte, mas mtas famílias vivem em áreas de risco situadas na beira de córregos. Outra coisa q percebi é q pelo fato de ser um bairro antigo, consolidado e de pouco poder aquisitivo, quase td região foi tomada por casas e sobrados amplos, com quintais e gdes terrenos.

E assim vamos pela rua tranquilamente, ganhando altitude de forma bem imperceptível. As casas e residências vão ficando pra trás, enqto no caminho só nos deparamos com uma ou outra chácara instalada a margem da via. Embora o bairro –  td tomado por residências – careça de áreas verdes, a medida q subo o morro percebe-se o entorno bem mais arborizado. Mas é após cruzar uma extensa faixa de dutos da Petrobrás e uma fileira de robustos eucaliptos perfilados q a via emerge no aberto, descortinando já uma bela paisagem do entorno. O verde-escuro dos vales encravados nas dobras serranas se impões ao verde-claro dos pastos q forram a encosta. Este cenário confere alguma vida ao então acinzentado panorama inicial.

A rua, precariamente asfaltada, visivelmente acompanha a encosta do morro, do qual já é possivel avistar as antenas cada vez mais próximas. Visivelmente percebe-se q nossa rota vai de encontro ao selado do morro, pra então acompanhá-lo em nível pelo restante da encosta. Enqto isso, o caminho apresenta-se ornado por voçorocas de samambaias mas principalmente por pasto e capim, onde alegres bodinhos pastam feito cabritos montanheses em meio a carcaça de um veiculo calcinado.Um portão,q surge como único obstáculo do trajeto, é facilmente contornado pela lateral e assim nossa pernada prossegue sem maiores intercedências.

Numa curva fechada abandonamos enfim a estrada pra tomar alguma das varias picadas q nascem do lado esquerdo da via e tocam pela íngreme encosta forrada de pasto, morro acima. A estrada, por sua vez, continua dando a volta ao morro ainda em nível, pra somente dar no cume bem mais adiante. Ao invés disso e tomando uma das veredas como atalho, ganho altitude num piscar de olhos enqto a paisagem se abre de forma espetacular e uma forte brisa sopra o rosto, amenizando o sol forte do quase meio-dia. Na verdade, um forte vento começava a soprar formando vários pequenos redemoinhos de vento nas proximidades, prelúdio da forte frente fria q se debruçaria sobre Sampa no final de semana.

Assim, um pouco depois das 12hrs alcançamos os quase mil metros do pto culminante da Zona Leste. Reza a lenda, segundo os relatos da população, que um avião caiu no Morro do Cruzeiro, antes do nome. Um dos passageiros era um padre, e em homenagem a ele e às vítimas foram colocadas várias cruzes, o que acabou dando nome ao lugar. A lenda ainda detalha que as cruzes somem, pois seriam buscadas pelo padre e levadas ao céu. Pois bem, sem vestígios das mesmas, o largo e amplo topo atualmente é tomado por antenas e torres de telecomunicações. Sem vestígio de lixo mas com marcas de fogueira e acampamento, o cume nos brinda com uma fantástica panorâmica da região: Enqto o quadrante norte oferece vista da geometria arquitetônica de Guarulhos e Itaquaquecetuba se mesclando ao verde da Serra do Itaberaba, em Sta Isabel, o lado oeste é preenchido totalmente pela verticalidade cinza de Sampa e o setor leste, pelas escarpas esmeraldas da Serra do Itapety, em Mogi das Cruzes. Com esforço é possível avistar as antenas da Av. Paulista, o Pico do Jaraguá e o recorte da Serra da Cantareira tb!

Mas é desviando o olhar pro sul q a vista é tão impressionante qto emblemática, e nos dá uma idéia da desordenada expansão populacional da região: favelas, construções irregulares, casas de alvenaria e td sorte de habitação tomam conta deste setor até onde a vista alcança, numa região q corresponde aos municípios do ABC paulista, como Mauá, Sto André e São Caetano do Sul. Somente após td esse cenário é possível avistar, bem ao fundo, o recorte da Serra do Mar de Rio Gde da Serra e Paranapiacaba. Colado ao topo do morro, a nordeste, observamos um selado florestado interligando-o ao Morro do Sabão, q ganha este nome pelo fato do seu chão de terra liso; já pro sul, outro espigão menor deriva sob forma duma crista coberta de eucaliptos e capoeiras q desce suave até a Avenida Sapopemba.

Após menos de meia hora de contemplação decidimos q era hora de zarpar dali, e pra não voltar pelo mesmo lugar decidimos empreender uma breve e descompromissada “travessia urbana” até Mauá. Bordejando as torres e tangenciando a estrada q leva até elas, nos embrenhamos numa picada q cruza um foco de mata sentido a crista descendente do morro, sentido sul. Após o trecho de mata novamente desembocamos no aberto e o sentido a seguir é bem óbvio, rumo o Vila Nova Mauá ou Jd Zaira.

A trilha não tarda a dar lugar a uma estreita via de terra e o pasto ao redor se enche de barracos e loteamentos irregulares de baixo padrão. Ressabiados do q encontraríamos pela frente, perguntamos prum casal (visivelmente religioso, com Bíblia em punho) se era seguro prosseguir. Com resposta afirmativa, ainda confirmaram q descendo aquela via logo daríamos num pto de ônibus. Perfeito então! E assim começamos a descer o morro em meio a estreitas vielas, passando por varias igrejas evangélicas, uma caixa d’água e até um campo de futebol com vista estupenda da região. Ao dar numa via maior, passamos num mercadinho pois o Nando queria cigarros. Ali conversei rapidamente com Ismael, o tiozinho proprietário q fez um resumo da região: contou q era seguro viver ali, porém sofrido; não bastasse a negligência das autoridades em atender inúmeros pedidos, eles mesmos tinham asfaltado a via até ali em cima; não bastasse, eventualmente o morro era invadido pelo forte odor oriundo dos lixões próximos, mais precisamente o Aterro Sanitário do Sitio São João. Apesar de td, disse q não arreda pé dali não.

Nos despedimos do simpático senhor e continuamos nossa descida. E tome descida por uma piramba interminável! Ao menos ate ali a então Rua Manoel Alves Ferreira já era asfaltada, porém com forte declividade.”Menos mal q subimos o morro pelo lado de São Paulo pq deste lado seria bem mais puxado!”, pensei. Sim, estávamos pisando agora no município de Mauá, e uma vez no sopé do morro nos vimos numa espécie de centro comercial local. Eram as boas vindas ao Jd. Zaira IV q, assim como Pq São Rafael, é mais um “bairro-dormitório” repleto de residências e alguns serviços básicos. Todavia, o bairro não conta com agencias bancárias nem correios.

As 13:30 hrs já estávamos sentados num boteco do bairro, tomando uma gelada enqto nos informávamos como vazar dali. Opções pra isso eram inúmeras, por exemplo, o “084 – Terminal Mauá/Zaira 04”, q foi o q tomamos depois e nos deixou na estação da CPTM correlata. Antes disso, porém, desfrutamos daquele comecinho de tarde na perifa da “Zê Êle”, como costumam dizer, enqto observávamos o vaivém dos moradores da região.

Em tempo, a subida ao Morro do Cruzeiro é programa breve e fácil, ou seja, um passeio ideal pra td família. A paisagem obtida lá de cima, além de espetacular é bastante representativa do caos urbano da região. Há um projeto q tenciona transformar o morro numa APA, o Pq. Nat. Mun. Morro do Cruzeiro, de modo a preservar o pouco q resta de vegetação nativa local (5%) e as nascentes do Rio Aricanduva, Limoeiro e Palanque. Há relatos, inclusive, de caçadores de pássaros e coletores clandestinos de plantas ornamentais no morro. Enqto essa proposta não sai do papel, resta o lamento duma belíssima área q se mostra bastante singular na paisagem da Zona Leste de São Paulo, com poderoso atrativo e gerador de renda local, fomentado pelo turismo ecológico. Contudo, apesar de td esse potencial pra patrimônio natural, o lugar é tristemente marcado pela carência da população e pela ocupação irregular de terras.

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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