Cachu do sertão do Cacau

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Situadas aproximadamente a 160km da capital, as praias de Cambury e Camburizinho formam um dos conjuntos de praias mais famosos do litoral norte de SP. Contudo, na direção oposta à muvuca movimentada das areias douradas há o verde exuberante dos sertões do Cambury, verdadeiras áreas rurais em plena Mata Atlântica cortadas por rios cristalinos com poços e cachus. Destes sertões, o do Cacau se destaca por ter uma das mais belas quedas deste pé de serra. Programa relativamente fácil pra quem tem alguma intimidade com mato, emendamos a este rolê sussa uma visita a Praia do Santiago e a Cachu do Toque-Toque, quase ao lado. Este é mais um bate-volta sussa e refrescante, ideal pra fugir do calor sufocante q se debruça sobre a maior cidade da América Latina.

“Não..vcs não vão chegar lá! A caminhada é difícil e demora mais de duas horas! Eu mesmo só cheguei até a metade e voltei!”, sentenciou o simpático Gil Nathan qdo perguntamos onde ficava uma cachu do Sertão do Cacau. Nos entreolhamos com aquele ar de perplexidade ao mesmo tempo q revivemos mentalmente os demorados 167km do rolê até ali. Desde qdo o Nando pegou eu e a Simone na Av. Prestes Maia, perto da Luz, pra em seguida tomar direção de Mogi das Cruzes. De descer a serra pela SP-98 e, já na baixada de Bertioga, tomar o asfalto da Rod. Rio-Santos (SP-55) passando por uma sucessão de balneários onde a areia clara contrastava com o azul escuro do mar naquela manhã clara e promissora. Riviera de São Lourenço, Barra do Una, Juquehy, Barra do Sahy, Baleia e, já em território de São Sebastião, Cambury.

Sim, ao chegar no km 165 da Rio-Santos finalmente aportamos em Cambury, onde paramos pra perguntar da cachu. Antigo reduto surfista-caiçara, Cambury (e boa parte dos balneários vizinhos) deixou de ser selvagem com a construção da Rio-Santos e se tornou uma das estancias-balneárias mais badaladas do litoral norte. Pergunta aqui e ali, pouca gente sabia informar da tal queda. No entanto, bastou alcançar a entrada do Sertão do Cacau (assinalada por um posto de saúde), alguns poucos “kaêmes” a frente q encostamos no botequinho do Gil Nathan, onde alguém ao menos soube precisar algo da cachu. Já era relativamente tarde, coisa de 11hrs, compramos algumas cervejas e mantimentos, guardamos td informação q o ressabiado rapaz passou e prosseguimos nossa jornada. Agora seria mais intuição e bom senso. De qq forma, “quem tem boca vai a Roma”…

Dessa forma tocamos pelo estradão principal, de chão batido, q atende pelo nome de "Rua Tijucas" ininterruptamente, serpenteando sempre na direção das montanhas. A paisagem muda num piscar de olhos, ganhando contornos rústicos já previsíveis. O mato floresce nas margens de forma exuberante, onde uma ou outra construção surge pra quebrar a cadência natureba q aquele sertão exibe. Uma pousada, um mercadinho, uma pizzaria, uma escolinha pública, um pequeno posto dos correios e uma empresa de paisagismo figuram como único comércio local.

Após 1,5km rodado surge uma bifurcação importante, assinalada por um improvável ponto de ônibus, onde ignoramos o ramo da direita, q por sua vez leva ao Sertão do Cambury (ou Piavu). Tocando então pela via da esquerda, q agora passa a se chamar "Estrada do Rio das Pedras" com total propriedade, nossa rota segue seu curso sinuoso mato adentro, deixando qq vestígio de civilidade pra trás. A verdejante muralha a nossa frente aumenta de tamanho, sinal da proximidade com nosso destino final.

Dessa forma, após coisa de 4kms transitados pela supracitada via, chegamos no q parece ser seu final.  Um riachinho bloqueia a continuidade da via, onde uma simpática ponte de madeira permite acesso aos seus transeuntes na outra margem. O Nando estuda o riacho e pisa fundo, pra surpresa duma senhora q ali passava. Felizmente, o curso d’água estava bem raso, permitindo a sacolejante travessia do veículo até a outra margem.

Do outro lado nos deparamos com uma guarita com cancela (aparentemente abandonada) com as inscrições "AMA Cacau", marcando mais um punhado de residências. Rodando mais um pouco sertão adentro finalmente alcançamos o final da estrada, q até ali se estreitou de tal forma q permite o trânsito de apenas um veículo por vez. Ali deixamos o veículo perto da entrada (de garagem) da última moradia visível, onde uma placa justamente indicava a proibição de estacionar. Logo deduzimos q devíamos ter deixado o carro antes de cruzar o rio, mas como era dia de semana deduzimos q não surgiria mais ninguém por aquelas bandas e estacionamos ali mesmo.

Agora o trajeto era a pé, e dali a estrada cede lugar a uma vereda óbvia e batida q basicamente toca na direção norte, em direção as montanhas. O som de água correndo nas proximidades logo se materializa, e o tal Rio das Pedras passa a nos acompanhar a distância, pela direita. A picada não tarda a se estreitar e assim descemos pela encosta dum barranco até praticamente bordeja o rio por td o restante do trajeto. Um enorme e impressionante gigante da floresta surge no caminho, e merece mais do q um, senão vários cliques. Bromélias, orquídeas e outras plantas idem.

A pernada prossegue tranquila e desimpedida. A vereda é evidente e bem fácil de ser reconhecida e sempre acompanha o rio, q agora apresenta sinais de deslizamentos em seu leito. Troncos, pedras e terra se acumulam em mais de um trecho, até q começam a aparecer as primeiras corredeiras, afluentes, poços e cascatinhas do trajeto. A picada então palmilha um curto trecho de sobe-e-desce-encosta onde é preciso se firmar nas raízes e galhos a disposição, mas nada assim q demande qq prática especial de escalada. Resumindo, a pernada continuava tranquila e sussa, ao despeito do "terror" alardeado no início.

E assim, após menos de meia hora de caminhada, desembocamos finalmente no leito pedregosos duma enorme piscina natural de água translúcida, na base da simpática queda, q recebe tanto o nome local de "Cachu de Cambury" ou "da Serpentina". Ligeiramente inclinada, a água despenca duma altura de menos de 20m através das lajotas visguentas pra então abastecer a bela piscina natureba a nossa frente, q ganha uma tonalidade azul conforme o ângulo q se direciona o olhar. Claro q a Simone e o Nando não fizeram cerimônia pra entrar na água. Apenas este q vos escreve q se deu o trabalho de ainda prosseguir trilha rio acima apenas pra constatar q a vereda prosseguia vale adentro, agora mais nivelada.

Mas como a idéia era curtição e exploração zero, retornei imediatamente pra me presentear com um delicioso e refrescante  tchibum naquele calor sufocante de meio-dia e alguma coisa. "Caramba, se o Gil Nathan não chegou nem aqui é pq a coisa então tá feia!", pensei.  E assim ficamos um bom tempo, curtindo aquele paraíso de facílimo acesso onde não havia mais ninguém. Beliscamos algo leve, conversamos amenidades e clicamos o lugarejo á exaustão, claro.

Revigorados e satisfeitos, começamos a voltar pelo mesmo caminho lá pelas 13:45hrs, no exato momento em q dávamos lugar na cachu pra outros visitantes. O retorno, pra variar, é sempre mais rápido q a ida. Famintos de comida de verdade, zarpamos pelo asfalto da Rio-Santos até chegar em seu 148km, mais precisamente na Praia de Santiago. Ali ficamos de boa na casa de veraneio da irmã do Nando, onde preparamos um suculento almoço com vista direto pra bela praia. Inclinada, de areia fina, clara e solta, Santiago está repleta de árvores de abricó e de onde estávamos podíamos avistar as ilhotas de Alcatrazes, Toque-Toque Pequeno e Montão de Trigo. Olha, particularmente havia esquecido o quão bom é eventualmente encarar um "programa pantufa", ainda mais qdo não se sabe se haverá chance de repeti-lo. Logo, me dei um raro luxo de relax e até cochilo, estendido na esteira da praia. Me senti na "Ilha de Caras", literalmente.

O tempo passou rapidamente naquela vida  boa, e assim ajeitamos as coisas e preparamos a volta pra Sampa. Antes, porém, rodamos até as praias do Toque-Toque onde estacionamos no acostamento. Dali, uma breve picada de menos de 20m nos leva pra Cachu do Toque-Toque, onde a água cai de quase 40m verticais num gde poço gelado cheio de captações. Ali somente o Nando teve coragem de entrar, pois pra mim e pra Simone estra ali já era mais q suficiente. E assim encerramos com essa cereja de bolo nosso programa "light-pantufa" da vez.

Finalizando, os Sertões do Cambury são lugares excepcionais pra quem curte trilhas e banhos refrescantes de água doce e relativo fácil acesso pelo litoral norte de Sampa. Existe a possibilidade de adentrar mais e mais nos sertões e explorar os rios q os banham ou, com disponibilidade e determinação, de subir a serra através deles. Trilhas existem ali aos montes, mas as pessoas optam por ficar mesmo no bem-bom das quedas. Como a gente, no caso. De qualquer maneira, o dia-a-dia do trilheiro consciente e responsável não é feita somente de perrengue e ralação.  É bom variar de vez em quando. Mas é bom tb não começar a tomar gosto em demasia por esta boa vida, de sol, sombra e água fresca. Do contrário corro sério risco de começar a achar difíceis e do outro mundo programas banais, assim como o pacato e cheio de causos Gil Nathan.
 

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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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