Elbrus a montanha mais alta da Europa: Parte 2

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Na primeira noite tivemos o jantar de apresentação do grupo. Todos se apresentaram, e conforme iam contando um pouco sobre suas vidas e motivações que os levaram até ali, percebi em cada um algo de mim. Fiquei espantada com as preocupações de alguns, eram as mesmas que eu tinha e não queria comentar. Um muito preocupado com os equipamentos, questionava muito sobre o uso da piqueta, das botas e crampons.

 
Fiquei aliviada, pois vi que não era só eu que estava preocupada com o fato de que iria usar um equipamento com o qual não era muito familiarizada, e que mesmo tendo experiência em diversas outras viagens com longas caminhadas, até em ambiente com altitude, as botas e crampons poderiam causar alguma dificuldade.
 
Minha amiga e o integrante que estava preocupado com os equipamentos foram logo desabafando que estavam com problemas nos joelhos, que estavam cuidando desde que resolveram fazer a viagem, mas tinham dores e tinham medo que isso os prejudicasse na montanha.  O preocupado com os equipamentos mostrava-se mais receoso com sua dor, e perguntava muito sobre como seria o terreno, o que faria se piorasse, falava sobre outras caminhadas que ele havia feito como preparo durante o ano , e que numa delas havia sofrido bastante na descida por causa dos joelhos. Como eu já havia feito algumas viagens de trekking, mochilão pela Europa, mergulho, aprendi que não dá para ficar calculando o risco de tudo o que pode acontecer durante as viagens. A melhor forma é estar preparado fisicamente e mentalmente, levar o que for necessário e conforme a viagem vai acontecendo, reagir e agir ao que nos aparece. Manter a calma se algo não sai como planejamos, mudar o roteiro se necessário, caminhar deixando espaço para conhecer lugares e pessoas diferentes que aparecem pela frente. Só que na montanha, é um pouco diferente. Um planejamento é necessário, conhecer sobre o lugar, o clima, o equipamento, para evitar maiores contratempos. Alguns preocupavam-se com como seria o banheiro, eu ria por dentro pois depois de fazer vários trekkings longos, aprendi que o banheiro não é um grande problema, não é uma limitação para fazer alguma atividade. E que há bons banheiros e péssimos banheiros por aí, mas isso não é um problema. Desenvolvi nesses anos técnicas de como “enfrentar” os diferentes padrões de banheiros. Ria pois imaginava o que os preocupados com banheiro iam pensar ou como iriam reagir ao se depararem, no momento de aperto, com as cabaninhas improvisadas, algumas muito bem “higienizadas”, por vezes só um buraco no chão, geralmente longe de onde nos acomodamos para dormir, com um caminho pedregoso, escorregadio e tortuoso até elas. Bom eu imaginava como vieram parar aqui preocupados com o banheiro? Será que não fizeram isso antes? Mas falei para mim, pare de julgar sem conhecer, não é todo mundo que já fez outras viagens assim. No final das contas o banheiro foi a piada do grupo.  
 
Outra preocupação que não era só minha era o voo que faríamos dentro de alguns dias de São Petersburgo para a cidade de Mineralnye Vody ( Água Mineral em russo ), de onde iríamos de van até o vilarejo de Terskol. Preocupação pois o voo passaria do lado da Ucrânia, e a situação entre ela e a Rússia não era das melhores como já falei. Seguiu-se a apresentação dos integrantes, éramos médicos, farmacêuticos, juízes, funcionários públicos, empresários, músicos, geólogos… Um grupo diversificado, que logo se uniu, e se divertiu muito durante a jornada.
 
No dia seguinte ao jantar, saímos para conhecer a cidade de São Petersburgo, com uma guia russa que falava português. Visitamos alguns dos pontos mais conhecidos, num dia nublado e chuvoso. No caminho o hotel onde Hitler iria comemorar a vitória na Segunda Guerra Mundial. Quase todos os lugares que visitamos foi palco de violentas revoltas, ou assassinatos de imperadores, czares e suas famílias em épocas de Guerras e Revoluções. O dias chuvoso combinou com as histórias. No final do dia saímos para comprar os equipamentos que faltavam. Foi aí que começou minha saga.
 
Passamos em duas lojas especializadas em equipamentos de montanhismo. Com a ajuda do Nosso Guia compramos mosquetões, solteiras, balaclavas, cadeirinhas para escalada. Um dos integrantes do grupo, estava animado com a idéia de fazer mais montanhas, tinha se preparado bastante para essa, e começou a procurar por botas duplas. Eu estava num momento de insegurança existencial, como já contei no início, mas me animei e comecei a ver as botas também. No fundo a vontade de fazer mais montanhas, mesmo com os questionamentos do semestre, estava lá, e acabei encontrando na segunda loja uma bota com um bom preço. Eu tinha dúvidas, se devia comprar mesmo, se não ia parar com esse tipo de viagem, e a bota acabaria encostada, mas acabei comprando. Experimentei na loja, subi e desci uma rampa improvisada para testar botas, estranhei um pouco aquele “trambolho”, duro, que não deixa os tornozelos mexerem, mas imaginei que era assim mesmo e fiquei com elas.
 
Equipamentos prontos, hora de nos prepararmos para o voo em aeronave russa, segundo minha mãe “você vai voar naqueles aviões russos, todos sem manutenção“, e não pude deixar de reparar em cada detalhe quando entrei no avião da empresa ?????? ( RUSSIA ). Bancos de couro, antigos, pintura mais ou menos, mas não estavam assim tão sem manutenção como minha mãe devia imaginar. Mas era velho sim. Bom, chegando em nosso destino, percebi um certo alívio em todos quando em terra firme. A Criméia era longe do monte Elbrus, mas na realidade estavam todos com um pouco de receio de passar por lá depois do abate do avião com civis. Parte da minha insegurança foi embora nesse momento, afinal de contas, nenhum dos meus voos caiu.
 
Seguimos numa van para a cidade de Terskol. Uma aventura à parte andar com motoristas russos nas estradas. Não há sinalização, não há regras para ultrapassagem, é cada um por si e Deus por todos. A todo momento algum carro, caminhão vindo na contra-mão. Mas sempre dá tudo certo no final. Uma pausa para comer um prato típico da região, que apesar de russa, é área de grande concentração de árabes, então, paramos num “boteco” da estrada para comer os espetinhos de carne típicos, com arroz típico e bebida típica. Tínhamos vegetarianos no grupo, então foram solicitadas também algumas saladas. Salada que foi lembrada mais tarde e por alguns dias pela minha companheira de quarto. Comemos bem, e seguimos rumo ao hotel em Terskol, onde chegamos depois de algumas horas nas estradas sem organização, com o motorista russo e suas curvas e ultrapassagens maravilhosas.
 
Terskol é um pequeno vilarejo no pé da montanha, com uma rua principal, alguns hotéis, pequenas lojas de souvenirs, restaurantes, a loja de aluguel e compra de equipamentos do Russo Doido que não deixava mais que duas pessoas por vez entrarem na loja, para não causar bagunça. O cara ficou conhecido pela chatice, mas na verdade ele era assim por uma questão de organização. Ele fazia tudo sozinho no setor do aluguel de equipamentos. Não sei se contei no início, mas um ano e pouco antes da viagem comecei a fazer aulas de russo. Não só pela viagem, mas por uma curiosidade há algum tempo, e pelo gosto de aprender outros idiomas. Arrisquei falar um pouco com o dono  da loja no dia em que fomos alugar os equipamentos e ele logo gravou meu nome. Ficou surpreso ao ver uma brasileira falando russo. Na verdade , mais tarde pude observar que o povo russo não é tão mau humorado como dizem. Eles têm sim, uma resistência em falar outro idioma que não seja o russo, principalmente os mais velhos, mas quando falei, um pouquinho que fosse, a língua deles, logo fui bem recebida, e um sorriso brotava no rosto, e uma tentativa de comunicação se estabelecia de imediato. Falar  um pouquinho me ajudou bastante. Chegando na Rússia fiquei até atordoada, com a possibilidade de ler, não queria perder uma placa, um letreiro de loja. Queria ler tudo. E como é interessante, chegar num lugar e saber ler, mesmo que não soubesse o significado de tudo o que estava lendo.
 
No jantar tivemos explicações sobre as doenças de altitude e como lidar com elas. Eu já havia estado em altitude outras vezes, e como nas outras, só senti um pouco de dor de cabeça e falta de fome, que no dia seguinte já não existiam mais. Surpresa na hora de pegar os quartos, no meu e da minha dupla de expedição só tinha uma cama. E para trocar de quarto?! Digamos que no pequeno vilarejo, o inglês é meio precário, e as atendentes da recepção entram no grupo dos russos que não queriam ser muito educados, mesmo pedindo em russo. Bom, resolvemos nós mesmas com o Nosso Guia a mudança de quarto.
 
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Sobre o autor

Tatiana Batalha, natural de Mogi das Cruzes SP é médica ortopedista e montanhista, tenho escalado diversas montanhas como Aconcagua, Huayna Potosi, Acontango, Kilimanjaro e outras.

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