Elbrus a montanha mais alta da Europa: Final

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Chegou o dia de “ataque” ao cume. Jantamos cedo e fomos dormir, tentar dormir. Digamos que nessas horas o sono custa a vir, o frio estava maior, mas deu para descansar um pouco. A uma hora da madrugada acordamos para nos arrumar e tomar o café da manhã, eu e minha dupla de Barrel já havíamos deixado tudo preparado antes de dormir, e já estávamos trocadas com parte da roupa que usaríamos.

 
A preocupação agora era o momento de vestir os crampons, tinha ouvido tanto falar que o frio ia ser tão grande que seria difícil e as mãos esfriariam rápido, que no final das contas constatei, que a experiência depende de pessoa para pessoa. Eu imaginava uma dificuldade muito maior, fiquei tranquila, foi melhor do que eu imaginava. Minhas mãos não congelaram. Depois de tomar nosso café da manhã às 2 horas como marcado, recebemos boa sorte e boa jornada de nossa cozinheira, ela me abraçou e me chamou de todos os meus nomes russos, e disse que estava torcendo por mim e por todos!
 
Nos reunimos na frente do Barrel refeitório para as últimas orientações e últimos ajustes na roupa, equipamentos, crampons. Ainda escuro , frio, colocamos as várias camadas de calças, blusas, cadeirinhas para escalada, botas duplas e os tão famosos crampons.
 
Nos dias anteriores recebemos orientações de como colocar o piolet (a piqueta) na mochila , para transportá-lo enquanto não fosse usado, e recebemos orientação de como usá-lo na subida, e como manipulá-lo em caso de queda, para travar a queda. Um dos colegas que estava mais preocupado desde o início com seu joelho, e com possíveis intercorrências durante a subida e descida, pediu que lhe ensinassem como parar a queda uns dias antes. Ele foi orientado, mas ainda perguntava muito sobre o que seria feito caso alguém precisasse de resgate e ajuda a mais de 5000 metros. Estava bem preocupado com a dor nos joelhos. Minha amiga também. Enfim, todos prontos, e como planejado as 3 horas da madrugada caminhamos até o ponto onde o Snowcat nos aguardava. Com algo a mais eu não contava… O problema com as botas estava resolvido, caminhava muito bem, sem dor nenhuma. Mas antes de chegar ao Snowcat, me deu uma vontade forte de eliminar um pouco da muita água ingerida na noite anterior. Pedi ao grupo que fosse caminhando e parei num cantinho para fazer o que precisava. Um cerimonial para retirar cadeirinha, calça impermeável, calça de trekking, segunda pele. Foi nessa hora que percebi o frio que estava fazendo, mas rapidamente fiz o que precisava e me vesti, indo me juntar ao grupo .
 
Fomos divididos em 2 grupos , conforme a velocidade observada pelo Nosso Guia nos dias anteriores. O grupo mais lento sairia da altitude de 5000 metros, os demais de 4700 metros. Como eu tive o problema com as botas, Nosso Guia achou melhor que eu saísse com o pessoal dos 5000 metros, assim iria devagar, caso sentisse algo nas pernas novamente. Concordei com a decisão. Chegar até ali já tinha sido uma vitória, partir de um ponto mais acima não significava um problema para mim naquele momento. Começamos nossa ascensão, éramos 4 e dois guias russos. O “O Chato”, e um outro . O primeiro liderava nosso grupo. Mais uma vez, antes de começar a caminhada precisei eliminar o excesso de água. Novo cerimonial para tirar toda a roupa, só que dessa vez estava ventando um vento não muito agradável, e  quando me dei conta os dedos das duas mãos esfriaram tanto, que não os sentia direito. Pronto, era só o que me faltava agora, as pernas estão ótimas, mas por causa dessa vontade de eliminar os excessos de água, congelei meus dedos. Me vesti rapidamente e retomei a caminhada, com as mãos doendo e sem sentir direito os dedos. Ainda estava escuro, então pensei, vou continuar, caminhando vou esquentar e o sol ainda não nasceu. Mas os dedos continuavam frios. Mal começamos a escalada e um dos amigos do nosso grupo resolveu voltar, avaliou sua condição e nos disse que estava no seu limite, e não ia continuar. Um dos guias precisou descer com ele. Ficamos com “O Chato”. Continuamos a subir , agora 3 e um guia. Eu ia em terceiro na fila, e minha companheira de Barrel seguia logo atrás do guia. Retomamos a caminhada, eu com as mão frias, e minha dupla pede para parar, estava num ritmo mais lento, e falou que achava que não conseguiria continuar. Eu e o outro amigo esperamos, e não deixei de pensar que se ela desistisse ali, todos teríamos que descer, estávamos com só um guia, fiquei triste com essa possibilidade mas não poderia interferir na decisão. Ficamos parados um pouco, e então minha amiga resolveu continuar. Fiquei aliviada. Seguimos. Tomei a frente da minha amiga, pois me sentia bem, e fui caminhando junto com “O Chato”. Eu tinha aquecedores para as mãos, e como as mãos não esquentavam, parei o guia e coloquei os aquecedores ( hoje faria diferente, já sairia com eles do alojamento! ). Parávamos muito pois minha dupla e o outro grande amigo estavam bem mais devagar que o guia e eu. Numa das paradas o guia viu que os crampons da minha amiga estavam mal presos, e nessa hora ele surtou. Ficou repetindo como os guias não tinham visto aquilo. Ainda estava escuro, ele arrumou os crampons da minha amiga, e olhou os meus, e disse que não estavam bem presos também. Mas eu os havia prendido muito bem, chequei várias vezes antes de começar a andar, mas mesmo assim ele quis mexer. Começou aí a demonstração de falta de paciência do “O Chato”. Andávamos um pouco e ele parava, eu na cola dele, e ele soltava um “Very slowly”, e eu não me manifestava, aguardava meus dois amigos chegarem para continuarmos. Nosso Guia havia dito na noite anterior que todos tinham condições de chegar ao cume, ele havia nos observado nas outras caminhadas e falou que mesmo os mais lentos caminhavam num ritmo que seria possível fazer o cume. E “O Chato” a todo momento soltava um “very slowly”, “bad condition”, “go up… go down???”…. A cada momento ficava evidente sua falta de paciência. Pelo menos na ocasião era o que parecia. Um ano depois, conversando sobre o ocorrido com outros amigos montanhistas, refleti e percebi que talvez o “bad condition” não se referia à nossa condição física, mas sim às condições do tempo na montanha. Mas que “O Chato” era impaciente, era! Amanheceu, mas o dia continuou nublado, e o esperado era que aquele fosse o melhor dia da semana. Continuamos subindo ao som de “Go up… go down” e “Very bad condition”, e nada do sol e céu azul aparecerem, minhas mãos esquentaram e eu estava num ritmo bom de caminhada e animada. Enquanto subia comecei a pensar nos acontecimentos do ano, lembrei que era quarta feira, dia de uma aula de dança que gosto muito, aula de uma professora que, digamos  é mais que professora, é uma guia e professora da vida. Lembrei dela pois vive nos falando nas aulas que ela apenas mostra o caminho, mas nós é que fazemos o nosso caminho. Segui então meu caminho na montanha, sentia-me com forças, e feliz por estar ali. Lembrei – me também da minha amiga que lutou contra um câncer por 2 anos, e que dias antes de eu viajar partiu desse mundo para outro melhor, lembrei de como ela vibrava com minhas viagens e histórias e que estaria vibrando ouvindo eu contar mais essa. Nada de melhorar o tempo, e pelo contrário, começou uma nevasca, que foi aumentando de intensidade. 
 
Chegamos ao colo entre os dois cumes da montanha, e sobre ele fomos preparados na conversa da noite anterior, que estaríamos exaustos e se deixássemos a mente dominar, ali no colo desistiríamos. Nosso Guia falou que ali, todos estariam exaustos, era o esperado, mas que o corpo humano tem forças para fazer coisas que não imaginamos, e que todos nós tínhamos condições de subir até os 5642 metros do cume. Paramos para descansar no colo, e Nosso Guia chegou com os dois integrantes do grupo que eram os mais fortes. Sentamos para descansar, e nesse momento senti um enjoo, e falei para o Nosso Guia que não me sentia bem. Ele me disse que era assim mesmo, que eu comesse algo e tomasse água. Fiz o que ele recomendou, e ouvi de um dos fortes integrantes que ele estava com enjoo. Nessa hora pensei “é aqui, o local onde a mente pode fazer desistir… Se ele que é forte está enjoado, é o esperado… Como o guia falou…”, e tomei minha água, comi um chocolate, e o enjoo passou. A nevasca apertou, e virou um misto de vento forte com gelo e neve que batiam no rosto com força, o que fez com que nos protegêssemos atrás das nossas mochilas, fechando casacos, gorros. A parada foi rápida, aproveitamos para falar para Nosso Guia que “O Chato” estava querendo que desistíssemos. Foi então que “O Chato” foi transferido para acompanhar os dois fortes e Nosso Guia ficou com nós três do pelotão mais lento.
 
Retomamos a escalada, agora restava a subida final antes de chegar ao cume. O vento aumentava, e a nevasca também. A inclinação desse trecho é de aproximadamente 60 graus, e seguimos com os bastões de caminhada, o piolet guardado na mochila. Quando retomei a caminhada, engatei num ritmo forte, e estava me sentindo melhor que no começo da caminhada, não tinha dor nas pernas, as mãos estavam aquecidas, só pensava que nada agora me atrapalhava para subir, e o Nosso Guia chegou perto de mim e disse “Tati, você está bem, consegue acompanhar os três da frente, pode ir com eles” . Então acelerei o passo e comecei a acompanhar “O Chato” e os dois fortes do grupo. Mas a nevasca aumentou, e o gelo da montanha que era para estar mais firme, foi acumulando numa neve fofa, e a cada passo para cima, eu escorregava dois para baixo. E fui ficando cada vez mais longe do grupo que eu estava acompanhando. Comecei a me preocupar, pois eles estavam cada vez mais distantes. Um grupo de russos passou por mim e perguntou se eu precisava de ajuda, eu disse que estava tudo bem, mas na verdade não me sentia confortável com o que estava acontecendo. Então diminui o passo, e aguardei o Nosso Guia que vinha atrás com minha amiga e o outro grande amigo. Falei para ele que estava escorregando, e que iria com eles, mais devagar, pois não estava conseguindo acompanhar o grupo que ia na frente. Tudo bem, estava agora com Nosso Guia, e de repente, ele me para e diz “Tati, não sai daqui…. Eu já volto! “ … E desceu correndo até eu perdê-lo de vista. Bom, a recomendação era que eu ficasse parada onde estava, que ele voltaria. Fiquei ali. Olhava para cima e via aos poucos os 3 da dianteira sumirem num platô que precedia o cume, em meio à tempestade de neve. Olhava para baixo e não via nada, e ninguém. A tempestade aumentou, e agora eu não via mais nada. O grupo da frente sumiu no topo e na nevasca, e para baixo nada além de uma bandeirinha vermelha que marcava o caminho. Fiquei esperando, não tinha relógio, a nevasca aumentando, o vento forte e o frio, e eu ali sozinha na montanha. Mas a recomendação era esperar que o guia iria voltar, então esperei… Olhava para cima, para baixo, para os lados e não via nada, somente o branco da montanha e da nevasca. Comecei a me preocupar. Lembrei do dia do enterro da minha amiga que já citei antes, e da breve conversa que tive com meu irmão do meio, sobre não gostarmos de velórios e enterros. Na ocasião eu falei para ele que caso eu morresse na montanha ou no mar, era para me deixar nesses lugares, não era para procurar, que eu prefiro não ser enterrada. Quando lembrei dessa conversa comecei a me desesperar… Imaginei “nossa, falei isso mas não acreditava que seria aqui”. Nessa hora vários pensamentos passaram pela minha cabeça. Como vai ficar minha mãe recebendo a notícia, e se tiver uma avalanche aqui, o que aconteceu? Mas o guia falou para eu esperar, mas eu não quero morrer aqui sozinha, tenho muito a fazer ainda…. Ia começar a chorar quando parei e disse a mim mesma: “hoje meu cume é aqui, não vai adiantar eu chorar agora, preciso fazer alguma coisa, subir não vou, não conheço o caminho, ficar aqui parada também não vai adiantar, não é vergonha voltar sem o cume, preciso é voltar inteira.” .
 
A primeira idéia que tive foi chamar os guias pelo nome para ver se alguém respondia ou estava por perto. Sem resposta. Eu não enxergava nada. Fiquei ali, sem guia, sem montanha, sem companheiros de expedição e sem caminho. Só eu, e tive que encontrar uma solução. Então decidi que ali não ia ficar, resolvi descer, lentamente, passo a passo, seguindo a única “pista” que eu tinha, a única bandeirinha vermelha que marcava o caminho e estava mais abaixo de mim. Pensei que se algo acontecesse , quem viesse resgatar os vivos ou corpos, iria procurar no caminho demarcado. Então com minha intuição de como pisar para descer sem maiores problemas, comecei a descer. Conforme fui baixando comecei a enxergar uns pontos pretos mais abaixo, os quais eu não conseguia identificar se eram pessoas ou rochas. A medida que eu me aproximava percebi que eram pessoas, nessa hora senti um grande alívio, pois sozinha eu já não estava mais. Então comecei a ouvir “Tati, é você?”, “Você que estava chamando?”, “Você viu o quê aconteceu?”. Vi, então, que eram os demais amigos do grupo que estavam parados ali. Eu respondi que sim, eu que chamava, pois o guia me pediu para esperar onde estava, mas não voltou mais, e eu resolvi descer. Foi então que o grupo começou a contar que duas pessoas haviam escorregado lá de cima, e que tinha sido horrível, como uma daquelas cenas de filme. Eu não vi nada. Alguns mais assustados que os outros contavam que não identificaram quem eram as pessoas, mas que logo que elas caíram, viram Nosso Guia descendo correndo, e perceberam, então, que as pessoas poderiam ser do nosso grupo. O guia que estava com esse grupo mais embaixo foi também em direção das pessoas para ajudar. Ficaram ali parados 50 minutos… Esse foi o tempo que fiquei sozinha na montanha até encontrá-los. Tempo que pareceu uma eternidade. A tempestade continuava, me perguntavam se eu estava bem, eu disse que estava com um pouco de medo, mas estava bem, mas que pararia por ali, não tentaria o cume, e alguns também já tinham tomado a decisão de retornar, pois a viagem já tinha sido boa até ali, não queriam arriscar depois do que viram. Outros estavam silenciosos, e pude notar pelos olhares que se os guias propusessem subir, até tentariam. Depois de algum tempo em silêncio, um dos guias que nos acompanhava contatou o Nosso Guia pelo rádio, e recebemos, entendemos, a notícia de que “ela está bem… só machucou o nariz”. Isso foi o que captei de informação, a essa altura já sabíamos que as duas pessoas que escorregaram montanha abaixo eram do nosso grupo. Minha dupla de quarto e um nosso companheiro do grupo mais lento, uma grande pessoa, a qual não sabíamos se estava bem , da maneira como ouvimos a comunicação entre os guias. Mais um tempo em silêncio e a decisão do guia foi que todos retornaríamos. Começamos então a descer. Para mim a descida é o momento de maior tensão, tenho um certo receio de perder o controle, escorregar e cair, e depois de ter ficado sozinha na montanha, e receber a notícia da queda de dois amigos do grupo, fiquei com medo da descida, mas fui passo a passo seguindo o grupo. Um dos guias me ajudou, mostrou que eu podia descer sem medo, os crampons seguravam, e aos poucos fui me acostumando com a forma de andar e o medo diminuindo. Descemos todos em silêncio, eu tinha vontade de chorar, não por mim, mas por não saber como estaria o nosso amigo que caiu. Minha dupla parecia estar bem, mas o nosso amigo… Estaria muito machucado? Estaria vivo? Até então não sabíamos, só sabíamos que a queda tinha sido grande, e a decida foi puxada psicologicamente pois eu não parava de pensar no que poderia ter acontecido com nosso amigo. Chegamos ao colo, e sem parar continuamos a descer, e o tempo ainda ruim. 
 
Descemos até o ponto em que o Snowcat nos pegaria, e de longe consegui ver 3 pessoas em pé e se movimentando. Nessa hora outro grande alívio, eram os companheiros que escorregaram e Nosso Guia, aí tivemos certeza de que estavam bem. Chegou nosso transporte, e os 3 vieram juntar-se a nós. Estavam silenciosos, e nosso amigo ia dizer algo, mas respirou fundo, emocionado e contendo as lágrimas, subiu no Snowcat, acomodou-se e disse “estou bem”. Minha dupla ficou em silêncio a maior parte do tempo e olhava para longe, pude perceber que ela estava ali, mas seus pensamentos estavam longe… Dias antes ela havia me falado que em suas conversas para decidir para onde viajaria, alguém lhe disse para ir para as montanhas, que ela tinha algo para aprender nas montanhas. Depois conversamos muito sobre o assunto. Mas naquele momento o silencio tomou conta. Pelo rádio recebemos a notícia que “O Chato” e nossos 2 fortes companheiros chegaram ao cume e já se encontravam próximo ao ponto de encontro. Esperamos para descer todos juntos. Logo chegaram, o mais novo dizendo que foi tenso, principalmente a descida, e que “O Chato” os apressou durante toda a jornada, já que eram os mais fortes. O mais velho chegou muito emocionado, com lágrimas nos olhos, conversando enquanto descíamos no transporte, ele nos contou que receberam a notícia de que pessoas haviam caído, mas o guia não soube dizer quem, e eles desceram sem saber quem havia caído e em que condições estavam, o mais velho achava que algum dos seus dois parceiros de viagem que tinha caído. Como eu, desceu a montanha com o medo de que algo tivesse acontecido com seus amigos. Quem fez o cume contou-nos que foi tenso chegar lá, não se via nada, e eu fiquei em paz com a minha escolha, foi o melhor a fazer, imaginei que se tivesse tentado alcançá-los sozinha e conseguido, a volta com “O Chato” apressando e sem paciência poderia ter me desanimado a continuar com viagens para subir as montanhas. Descer foi a melhora escolha naquele momento sozinha na montanha.
 
Reunidos no transporte me dei conta de quê faltava uma pessoa, não o que desistiu logo no começo, mas aquele que estava muito preocupado com seu joelho e em como seria resgatado ou desceria caso algo acontecesse. Perguntei “gente onde está o fulano?” e logo recebi a informação “Tati, ele não veio, estava todo pronto e equipado, mas desistiu antes de sairmos dos Barrels”. Nossa… Eu com a minha vontade de ir ao banheiro e paradas para tal nem me dei conta de que um integrante não tinha subido. Analisando a situação, nosso amigo já estava preocupado, e diante do ocorrido a 5500m, era essa a posição em que nos encontrávamos quando os dois integrantes escorregaram, algo poupou nosso amigo preocupado de passar por esse evento. Susto passado, todos mais calmos, muita conversa sobre a tempestade e a queda. Queríamos entender o que havia acontecido. Nossa amiga teve o infortúnio de perder botas e crampons, eles soltaram, e ela escorregou na neve que estava alta e fofa, perdeu o controle e rolou montanha abaixo. Segundos depois o outro amigo escorregou, deslizando sentado até o colo, imagino eu. Pouco antes da queda eu havia falado com o Nosso Guia, que acompanhava os dois,  que eu iria junto pois estava escorregando, e logo em seguida ele veio me pedir para esperar que ele já voltava. Fui entender depois o que aconteceu, o guia olhou para trás e faltava um e segundos depois faltava outro, foi então que me parou pedindo que esperasse e desceu correndo para ajudar os que caíram. E eu fiquei lá sozinha, sem montanha e sem guia, sem saber o que estava acontecendo. Contando a experiência para algumas pessoas dias depois, uma delas, ficou muito tocada pela história, e me disse que naquele momento sozinha na montanha eu havia encontrado Deus, mas o Deus que está dentro de todos nós, nossa força interior, que nos põe no eixo, e no “controle”, para escolher o melhor a fazer e continuar firme no caminho. No mesmo dia retornamos para o vilarejo, depois de reunir nossos equipamentos nos Barrels, descer mais uma vez o glaciar na base da montanha de Snowcat, as cadeirinhas, os teleféricos…
 
Um merecido jantar de encerramento com direito a música ao vivo , violão e voz por dois dos integrantes, certificados de participação na expedição, e vodka Russa. Uma comunicação e conexão estabelecida por olhares e pelos momentos compartilhados naqueles dias na montanha. Novos amigos, novos aprendizados. Acredito que cada um encontrou e aprendeu algo que precisava. Alguns nasceram de novo… Outros aprenderam que nem sempre o cume é o mais importante. Eu que fui para essa viagem com o pensamento “Acho que não é mais para fazer esse tipo de viagem” voltei com uma grande vontade de continuar nas montanhas e subir cada vez mais alto e diferentes montanhas. E que apesar das dificuldades inerentes a atividade de subir montanhas, estar nelas, e se dar conta de como a natureza é grandiosa, e somos parte dela, faz valer os momentos de apuro. Voltei com a vontade e necessidade de me preparar, conhecer técnicas, meios de como poder me virar caso algum imprevisto aconteça, meios de ajudar caso alguém precise, saber como preparar corpo e mente para estar na montanha. Controle de tudo nunca vamos ter, mas conhecer como se proteger, e identificar situações de risco pode diminuir a ansiedade num momento de dificuldade. Passado um ano desse episódio, já agora após ter feito um curso de escalada em rocha, e um de escalada em gelo, avalio que tivemos muitos pequenos detalhes que se conhecidos e estudados previamente poderiam ter feito a diferença na escalada ao monte Elbrus. Enfim, foi um grande aprendizado, e essa é só uma das muitas montanhas que estão aí para serem exploradas. Aqui estão relatados meus pontos de vista e opiniões pessoais, minhas escolhas e como agi seguindo minha intuição e vontade, o que senti e aprendi com essa experiência. Hoje ainda tenho contato com a maioria do grupo, grandes amigos ganhei nessa expedição, amigos que continuam se aventurando pelas montanhas mundo a fora e que dão um apoio para eu continuar a subir as minhas montanhas.
 
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Sobre o autor

Tatiana Batalha, natural de Mogi das Cruzes SP é médica ortopedista e montanhista, tenho escalado diversas montanhas como Aconcagua, Huayna Potosi, Acontango, Kilimanjaro e outras.

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