A ferradura do Graça

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Principal afluente do Rio Cotia, o Ribeirão da Graça nasce no miolo da Reserva Florestal do Morro Grande pra então seguir seu curso pro norte, em meio a muita mata secundária q alterna fragmentos da original. Atingir a nascente deste límpido curso dágua foi apenas desculpa pruma terceira investida descompromissada á reserva a partir de Caucaia do Alto.

O resultado deste rolê foi um agradável circuito de 15km que, bem diferente dos abruptos contrafortes da Serra do Mar, guarda mais semelhanças do charme planáltico do sertão Biritiba-Mirim. Teve de tudo, desde o vislumbre da riqueza vegetal e animal, até ruínas esquecidas e acampamento caçador. E tudo isso a menos de hora da Grande São Paulo.
Como se fosse maldição de primavera, os finais de semana tem sido pouco generosos no quesito bom tempo. Dane-se, que assim seja então. Não vai ser tempo ruim que nos prende a casa, pois basta saber o rolê apropriado ao clima da vez. Foi assim que após rodar pouco mais de meia hora pela Rod. Raposo Tavares (SP-270), cruzar Cotia e logo em seguida tocar pela Estrada das Mulatas, chegamos em Caucaia do Alto pouco antes das 9hrs. Do carro saltava este q vos escreve, Lore, Carol e uma afoita Chiara, já indo de encontro aos primeiros odores no chão q ao q seu espichado focinho direcionava. Caucaia lugar transpira roça e detém o charme de qq lugarejo do interior paulista. No caso, um lugarejo envolto num véu opaco de nebulosidade e respingos de fina garoa.
Mochila nas costas, da pracinha em frente ao terminal então retrocedemos cerca de dois quarteirões pela Av. Roque Celestino Pires e tomamos a primeira ramificação á direita, q finalmente desembocou na Estrada da Estação. O asfalto deu lugar ao chão batido, cercados de chácaras e sítios, reforçando ainda mais o clima interiorano local. Logo caímos na Estação Caucaia do Alto, num trajeto q até aqui é repeteco duma aventurina recente, o ferrotrekking “Caucaia-Aldeinha”. Contudo, ao invés daquela ocasião, aqui a gente não segue pelos trilhos e sim os cruza na direção da via de chão que vai na direção leste, no caso, pela Estrada dos Pires.
Uma vez nesta via não tem mais erro, basta singrar por ela indefinidamente em meio a baixa morraria, alguns sítios e mato cada vez mais e mais abundante a nossa volta. Até ai a garoa já tinha dado uma trégua, mas o panorama descortinado no alto duma colina não era muito diferente q antes; um gde morro forrado de abundante mata se espichava por td quadrante leste, tendo sua larga cumieira escondida pela baixa serração matinal. A passagem indiferente da Chiara por td trajeto deixava a cachorrada local em polvorosa, doida pra frisar seu terreno demarcado perante essa “forasteira” da cidade.
A estrada no final desvia pro norte, mas aqui tomamos sua variante q continua pra sudeste, a Estrada Municipal das Graças que passa pela frente do condomínio “Reserva dos Pires”. Mas logo adiante abandonamos essa via por outra q sobe pra leste, bem num entroncamento onde há pórticos abandonados e muitas casas abandonadas tomadas pelo mato, provavelmente embargadas pela proximidade da reserva florestal. Mas num piscar e olhos essa breve via nos deixou a margem da bucólica Estrada da Reserva, a precária via q praticamente percorre todo perímetro oeste da reserva Florestal do Morro Grande! Aqui tivemos q tomar direção sul onde, devagar e avaliando cada palmo a nossa esquerda, tive q me certificar bem da verdadeira picada q adentra na reserva, uma vez a profusão das mesmas.
Mas a entrada certa é logo encontrada durante a suave descida da via principal, bem na frente dum terreno descampado com algum material de construção. Pronto, agora sim não tinha mais erro. O inicio da picada tava meio fechada (só não sei se deliberadamente) mas depois se firmou e manteve firme a maior parte do tempo. Pior mesmo q desviar da mata tombada neste trecho inicial foi a voracidade com q enormes mutucas resolveram saciar seu apetite por sangue fresco, tanto q isso obrigou as meninas a vestir seus anorakes sem necessariamente cair um pingo dágua dos céus. Em tempo, por conta da vereda pouco evidente neste trecho deixei algumas fitas marcando a rota pro caso duma eventual volta pelo mesmo caminho.
E assim teve inicio uma descida tão suave como imperceptível na direção sudeste, onde tivemos facilmente um desnivel de 100m em meio a muita mata secundária. Havia sempre algumas picadas menores derivando pra esquerda, em nivel, mas busquei me manter sempre na principal e q continuasse perdendo altitude. Mas não demorou pra rota desviar pra leste, palmilhando agora a encosta duma colina bem florestada q me lembrou o “Bosque dos Duendes”, da travessia S Fco Xavier-Monte Verde. E diferente do silêncio reinante nas trips de Paranapiacaba e Mogi, a trilha sonora do rolê foi td embalada no canto dos pássaros, muitos por sinal.
Após meia hora de pernada tropeçamos com o primeiro correguinho do caminho q, vertendo seu precioso e cristalino liquido na direção sul, abasteceu as garrafas da galera. A caminhada prosseguiu seu curso inexorável pro leste, eventualmente cruzando trechos com mato mais alto caindo na trilha e eventuais gigantes da floresta tombados a meio caminho. Obstaculos de fácil transposição onde bastava ambas mãos pra afastar galhos e ramos ainda úmidos pela umidade, ou um simples desvio pela lateral num caminho visivelmente pisado anteriormente. Vale mencionar q a vereda principal já fora uma antiga estrada tomada pelo mato, fato denunciado pelo corte vertical na encosta da colina, nos trechos mais elevados.
Coisa de meia hora após o correguinho trombamos com o que nos pareceram ruinas de alguma coisa. Pedras parecendo tijolos se elevavam formando uma pequena muralha, a margem esquerda da trilha. Tomada por cipós, musgo e pequenas bromélias, fica a indagação qual teria sido a função daquela edificação, provavelmente construída bem antes do tombamento da área como reserva. Ou seja, coisa de antes da década de setenta! A pernada segue seu trajeto sinuoso alternando suaves encostas, cruza enormes bambuzais e vários trechos com vegetação bem espinhenta. Mas foi numa bifurcação sgte, assinalada por um tronco inclinado e um chão forrado de formigas, que tive certa duvida q rumo tomar. Uma das vias seguia em nível na direção sul, mas optei por sua variante q prosseguia mergulhando no miolo da reserva, isto é, descendo pra leste. Quem sabe me animo a fuxicar essa outra via numa outra ocasião…
Dali a vereda aparentemente estabilizou e assim se manteve por um bom tempo, cruzando agora por trechos de abundante mata primaria pincelada pelo colorido da flora local. Foi ai que ouviu-se o rumorejo de água abundante circulando nas proximidades. Não deu outra, a picada ia de encontro a margem do Ribeirão da Graça. Diferente dos riachos da Serra do Mar, este aqui por ser praticamente correr na horizontal era cercado de encostas de terra e bancos de areia, o q lhe confere um charme especial. Em tese, este curso dágua recebe mais tributários em seu trajeto pra então desaguar no ilustre Rio Cotia e, na sequencia, na Represa da Graça, já ao norte da reserva.
Por meio dum pontilhão improvisado q se resumia a duas lisas toras de madeira cruzei a outra margem, onde encontrei uma clareira, restos de fogueira e um rustico acampamento de caçadores, q pelas condições estava desativado a tempo. Lixo? Nenhum, apenas alguns restos de maços de cigarro já puídos pelo tempo. Vale mencionar q aqui mata secundaria se mescla com primaria, pois picadas perto do lugar levavam á base de enormes araucárias. Pois bem, iamos ter aqui nosso pit-stop mas os mosquitos estavam impossíveis, sem dar trégua alguma! As mutucas há mto tinham ida embora, dando lugar a nuvens de pernilongos q pousavam na gente ao menor indicio de descanso. Sendo assim, prosseguimos a pernada de forma inipterrupta, beliscando o lanche em movimento mesmo.
Daqui a vereda basicamente acompanha o ribeirão pela sua margem esquerda, ora próximo ora afastado, sempre na direção norte. No caminho são vencidos vários tributários menores, td na base do simples salto ou desescalaminhada simples, processo q se repetiu durante um bom tempo. No entanto, a vereda ta bem firme e evidente, sem erro qto navegação. Algumas breves pausas foram feitas apenas pra clicagem da exuberante mata em volta, dos belos exemplares do enorme arvoredo a margem da via, dos remansos plácidos do ribeirão e dos eventuais pássaros q posavam despudoradamente pra gente. E não é pra menos, por isso q a região deve ser tão visada por “birdwatchers”..
Mas novamente chegou num trecho de suave descida da vereda q a mesma fez uma curva abrupta pra esquerda, tocando pra leste, dando inicio ao retorno. Uma ultima olhada pras mansas corredeiras e bancos de areia do Graça significando não um adeus e sim um “até breve” em direção ao simpático córrego. Daqui percebe-se q outra vereda acompanha o Graça em seu sinuoso trajeto até a represa do mesmo nome, rolê quiçá programado pra futuramente. Por ora o trajeto é de apenas reconhecimento já ta bom demais. As meninas, ainda se estapeando com os insetos, ficavam perplexas pelo fato de eu não mee incomodar com eles, mesmo estando bem mais exposto q elas. “Sei lá, não sinto as picadas..vai ver tenho uma crosta de fedor q os repele!”, respondi.
E assim tomamos a vereda mais batida q ia na direção desejada, ou seja, a q fosse pra oeste ou noroeste, bem no exato momento em q a exuberante vegetação filtrou a luz solar pela copa do arvoredo. O calor abafado já começava a se fazer sentir presente,  sinal q o tempo dava sinais de melhora. Uma preocupação real minha era a com cobras, pois um amigo já me deixara de sobreaviso q a reserva esta repleta delas por conta da fartura de comida, ou seja, de aves. No caso, não avistamos nenhuma pelo fato do dia começar relativamente frio e bastante úmido, condições q devem ter motivado as peçonhentas a permanecer em suas tocas conservando seu calor. Com a temperatura aumentando naquele inicio de tarde, meu desejo era sair dali o qto antes de modo a não tropeçar com as bichinhas. Contudo, ao invés de cobras, trombamos na trilha com um raríssimo sapo-chifrudo q, mimetizado nas folhas q cobriam a trilha, ganhou inúmeros cliques.
Prosseguimos então nossa pernada de volta, de forma calma e compassada. Conforme mais se avançava a vereda ficava mais batida e menos confusa, sempre ignorando eventuais ramificações pelas laterais. Uma hora fiquei em dúvida qto a direção, pois reparei q nossa rota tendia mais pro norte q oeste, mas mesmo assim confiei na minha intuição e não deu outra, estava certo. O ruído se alternava na tagarelagem das meninas, das altas fungadas da Chiara e do canto metálico das arapongas, q realmente abundam no interior deste minúsculo paraiso ecológico encravado na zona oeste da cidade.
A assim, após saltar pequenos tributários (onde ninguém escapou com bota seca!) e subir arduamente a piramba q nos levava novamente pra fora do vale, pouco depois das 14hr emergíamos na Estrada da Reserva. Mais precisamente na altura do “Condominio Los Álamos”, dali bastou retroceder poucos kms pela bucólica via ate alcançar o mesmo caminho da ida. Sem os incômodos sanguessugas alados, somente naquele momento pudemos fazer um breve pit-stop afim de beliscar petiscos e breve descanso. O resto do caminho foi feito na tranquilidade, e por volta das 15hr pisávamos novamente em Caucáia, onde nos esbaldamos com pasteis e refris antes do retorno derradeiro pra Metrópole.
Finalizando, a Reserva Florestal do Morro Grande  é composta de extensa área de mata nativa e muitos bichos silvestres. E esta breve terceira visita de reconhecimento de sua porção leste foi bastante produtiva, já lançando sementes de vindouras explorações. Além do Ribeirão da Graça a reserva tem outros cursos dágua importantes no abastecimento de Sampa que também podem ser palmilhados, como ao rios Capivari, Cotia e dos Peixes. Mas que fique bem claro: as rotas dentro da reserva são confusas e sem qualquer sinalização, limitando-se a um emaranhado de picadas q vão pra todas as direções, sendo muito fácil se perder. Portanto é imprescindível ter algum conhecimento de navegação e estar munido da carta local, pois no nosso caso ter uma simplória bússola ajudou horrores a sair do mato com segurança, dentro do trajeto programado. Assim, com todas as precauções devidamente tomadas, lentamente teremos mais e mais investidas neste pequeno paraiso que compõe o cinturão verde da Grande Sampa. E isso a menos de 25km da capital.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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