A cascatinha do Voturuna

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Alcançar um cume ou topo serrano é sempre algo gratificante, mas atire a primeira pedra quem nunca desejou ter “algo mais” nas alturas, pra acompanhar ou celebrar de forma refrescante uma árdua conquista? Sim, me refiro a presença em abundância do precioso liquido, quase sempre racionado em qualquer rolê com desnível significativo.. água! Pois na Serra do Voturuna ela é encontrada em abundância na cota dos 1.100m de altitude! E o melhor, com direito a cascatinha e pocinho pra tchibum! Eis o relato de mais um bate-volta sussa, refrescante e de cerca de 15km nos arredores de Pirapora do Bom Jesus.

Diferente das vezes anteriores me vali de outra forma de transporte  pra aceder Pirapora do Bom Jesus pois estávamos sem a facilidade de veiculo próprio. A dica mostrou-se bem mais prática e ágil que as outrora (demoradas) baldeações de trem e bus em Barueri. Desta vez eu e a Lau tomamos o intermunicipal “805 – Pirapora B. Jesus” que sai do Metrô Butantã em horários regulares e cuja viagem durou bem menos que das formas anteriores. De quebra, o rolê pelo centro de Osasco, Pirituba e Jandira proporciona um quê de circuito antropológico antes do latão chegar a Barueri, pra dali tomar a “Estrada dos Romeiros”(SP-312) e se pirulitar pro destino final via Santana do Parnaíba.
Chegamos na cidade, importante centro de peregrinação religiosa de Sampa, bem antes das 10hrs. Ao invés de desembarcar no centro saltamos na entrada dela, ou melhor,  no pequeno trevo onde uma placa escancara “Araçariguama – Via Pedagiada”. Dali bastou retroceder pelo acostamento da SP-312 até pouco depois da entrada do Morro do Capuava, esta na margem esquerda. Na curva sgte entramos então numa estrada de chão q nasce pela direita, e dali tocamos indefinidamente por um tempo até o pé dos morros. A esta altura a Serra do Voturuna exibe suas corcovas abauladas e maciços apontando pro céu com td a imponência q o tempo limpo, céu azul e sol a pino permitem naquela manhã quente.
Uma vez nesta via bastou seguir por ela tranquilamente, ladeando as baixas encostas das colinas q antecedem o sopé serrano na direção sul. No trajeto, um terreno descampado dum futuro condomínio empresarial, uma linha de torres de alta tensão e apenas duas pequenas chácaras destoam neste panorama inicialmente rural. Após abandonar a via em favor da q sempre ganha altitude e pouco antes do caminho fazer uma curva ascendente na encosta sgte, é possível avistar duas picadas nascendo na margem esquerda. Aqui é só tomar a vereda q ramifica perpendicularmente à principal em meio ao capinzal, uma vez q será dela q ganharemos o ombro da próxima colina pra tocar pra cima em definitivo. Em tempo, o terreno até aqui é descampado garantindo fácil navegação visual.
Pisando uma vez nesta picada (que chamei de “Trilha Norte” noutro relato) não tem mais erro. Inicialmente ganha o pasto da colina supracitada pra depois da primeira colina palmilhar seu cume na direção sudoeste, em meio a enormes cupinzeiros, caraguatás e vegetação predominantemente arbustiva. A suave descida dum colo serrano vem na sequencia, onde mata mais exuberante e úmida nos envolve brevemente, mas q não deixa de ser secundária a td momento. Um enorme brejo de fácil transposição no fundo do colo denuncia a chuva do dia anterior. Mas subindo suavemente a encosta na lombada sgte em meio a um bosque de eucaliptos, segue-se um extenso em nível e aberto na direção oeste, e onde já se pode  avistar Pirapora pequenina, ao norte.
No final deste trecho em nível a via tende a nos levar na beirada duma pedreira, tocando outra vez pro norte ou profundo de vale sgte, como que voltando ao pto de partida. Não prosseguir. Basta procurar no mato a nossa esquerda q é logo encontrada a erodida via q continua serra acima, agora ganhando a encosta em curtos zigue-zagues. Uma fita zebrada nos arbustos a margem dela comprovam estar no caminho certo, onde o olhar mais apurado deduz se tratar duma estrada de extração a muito desativada. A rota então aparenta findar numa clareira, mas sua continuidade é logo encontrada numa estreita trilha q prossegue a ascensão. A trilha e a paisagem a partir daqui mudam completamente. A vereda é terrivelmente cascalhada e a vegetação a nossa volta se resume arbustos de galhos retorcidos parecidos com os do Cipó ou Canastra. No caminho, vários mirantes a beira do gigantesco vale bordejado a oeste, agora com feições dum largo desfiladeiro q acentuam os abruptos contrafortes dos principais cumes da Serra do Voturuna.
A subida prossegue de forma pausada, porém ininterrupta, sempre em suave aclive. Mas logo muda pra lombada esquerda da encosta do ombro serrano, onde se tem uma noção duma enorme cratera de extração. Tb é possível avistar as residências do Pque Payol e Refugio dos Bandeirantes despontam ao sopé do ultimo espigão do Voturuna, a extremo leste, assim como os espelhos d’água das Represas de Pirapora e do Rasgão, além do próprio Rio Tiete dividindo a agora minúscula cidade de vocação peregrinatória. Ao lado dela, o próprio Morro do Capuava destoa como única elevação local, agora enrubescida pela imponência do Voturuna, bem maior.
A caminhada desvia novamente pra margem do desfiladeiro anterior, isto é, pra encosta direita. Mas por pouco tempo, pois o próprio dorso serrano se alarga denunciando a proximidade da crista principal. Antes disso, um breve pit-stop nos lajotas do caminho, muitas fotos e bons goles de água refrescam nossa goela naquele dia de nebulosidade clara, porém bem calorento. Os campos então se ampliam em pequenos arbustos e capim, com vários lances coloridos da flora local pipocando aqui e ali. A brisa sopra suavemente a campina, mas não o suficiente de modo a abrandar o mormaço cozinhando nossos miolos.
Uma vez no espigão principal foi só tocar pro sul, acompanhar a vereda até se bifurcar mas abandonando sua variante que vai de encontro ao pto culminante da serra, a oeste. A caminhada transcorre sempre em nível, tranquila e desimpedida, com vistas sempre generosas das corcova do espigão leste da serra, das cidadezinhas e represas ao redor, sob nova perspectiva. Mas é qdo surge a declividade e começamos a descer suavemente pro outro lado da serra (isto é, o contraforte norte) q a vereda se perde em inúmeros trilhos de bois em meio ao pasto. Mas o rumo é sempre óbvio, pro sul, descendo e avante!
Dessa forma fomos perdendo altitude de modo a cair no inicio dum amplo vale descampado. Dito e feito, desembocamos no q pareceu ser um enorme brejo onde nasce a cabeceira dos correguinhos q descem a serra por aquele contraforte. Uma vez ali foi só acompanhar o tal curso dágua à distância, na encosta do morro, q ia ganhando mais e mais afluentes conforme se avançava. O som de água começou a soar mais alto qdo atravessamos á outra margem do córrego, agora em meio a um espesso e exuberante samambaial de meio porte.
Até q finalmente caímos numa clareira anteriormente visitada, na verdade minha primeira investida á serra, q se dera pela face sul, via Santana do Parnaiba. Uma clareira ampla com vestígio de fogueira e, pasmem, muita água. O q não esperava era q as recentes chuvas havia sido tão generosas a ponto de deixar ali perto não somente uma bela cascatinha como um refrescante poço pra banho. Dali a picada despenca íngreme serra abaixo onde se chega até a farofada cachu no pé do morro, rolê q desta vez dispensamos. Ao invés disso, foi ali mesmo q fizemos nosso pit-stop, descansando e beliscando lanche na sombra duma laje a beira do refrescante poço. E claro, com merecido tchibum naquela banheira natureba particular com vista pra horizontalidade do quadrante sul privilegiando a já citada Santana do Parnaiba e Aldeia da Serra, em meio a baixas colinas.
Cientes dos escassos horários do busão, decidimos a empreender a volta la pelo meio-dia e meia, sem pressa alguma. O trajeto foi exatamente o mesmo que o da ida, agora sob forte calor da tarde. Poderíamos ter descido por uma crista que perdia altitude na direção do Parque Payol, a leste, mas por desconhecer condução por lá e estar indispostos de caminhar dali até Pirapora pelo asfalto desisti da idéia. Quem sabe noutra ocasião em que meta as caras sozinho novamente por lá, né? Pra variar, a volta foi bem mais rápida. Afinal, “pra desce qualquer santo ajuda”, diz um velho ditado. Dessa forma pisamos em Pirapora bem antes das 15hr, a tempo suficiente pra molhar o gogó num boteco e de tomar a condução que de lá partia por volta desse mesmo horário.
E assim foi meu quarto bate-volta à morraria do Voturuna, mas o segundo rolê acedendo a serra pela bacana “Trilha Norte”, que não somente otimiza tempo como tem visus espetaculares. Mas também esta foi a primeira trip juntando esta vereda com algum transporte público que agiliza o rolê tanto como qualquer veiculo particular. Portanto, não há desculpa pra não conhecer esta bela serra alegando “não ter carona” pra lá. Vá no busão mencionado neste relato, oras! Contudo, seus horários de ida (e volta) diferem tanto nos finais semana como nos demais dias, portanto recomendo consulta prévia destes horários no site da EMTU de modo a planejar seu rolê sem surpresas. E assim desfrutar desta elegante cadeia montanhosa que já foi referência bandeirante, ativo núcleo minerador e hoje busca seu reconhecimento como paraíso ecológico.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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