O Pedra Balão de Vargem Grande

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Distante 40km de Sampa e banhado pelo ribeirão do mesmo nome, Vargem Grande Paulista é um pequeno município as margens da Raposo Tavares (SP-270) composto por extensas planícies, capoeiras e fragmentos de mata nativa. Chamado antigamente por Bairro do Ribeirão da Vargem Grande e Distrito Raposo Tavares, a região possui o Serrote do Carmo que, de altitude modesta, agrega um pitoresco monólito rochoso com bela vista dos arredores, mas que infelizmente se situa em propriedade particular. É a Pedra Balão, atrativo proibido que fui conhecer estes dias numa jornada de quase 20km que misturou chinelada, escalada e ferro-trekking pela EF Sorocabana.

Chegar em Vargem Grande Paulista por transporte público não tem muito erro pois há várias opções. É possível ir até a estação da CPTM de Itapevi e lá fora tomar o intermunicipal com destino a Vargem Grande Paulista, de horários regulares. Eu queria menos trabalho de baldeações e fiz uso de outro intermunicipal, o "036 – Vargem Grande Paulista – Jd São Marcos", que sai de horários bastante reduzidos do Metrô Butantã mas vai direto ao seu destino.
 
Tomando cedo esta condução e a viagem transcorrendo relativamente rápida e tranquila, saltei por volta das 8hr numa pracinha do centro de Vargem Grande Paulista, onde é cortada pelo Ribeirão Vermelho. Na verdade, desembarquei antes do busão se pirulitar pro bairro Jd São Marcos, situado ao norte do município. Ali, na frente da simpática Igreja Nssa Sra das Graças, passei rapidamente num mercado e me abasteci do lanche praquele dia: pão com mortadela!
 
Dali acompanhei o asfalto da Raposo Tavares na direção noroeste e a abandonei antes do pedágio, no trevo, pela Rod. Bunjiro Nakao (SP-250) tocando pra sudoeste, sentido Piedade e Ibiúna. Na verdade, meu destino era o Bairro do Carmo, mas como chegara cedo e tava disposto a andar fiz o trajeto a pé mesmo afim de conhecer, embora houvesse condução da cidade até lá. Pra tomar o busão é preciso se informar então uma vez que seus horários não são muito regulares.
 
Bem, só sei que andei cerca de 3km pelo asfalto até a entrada da Estrada Municipal do Carmo, via de chão que me leva pro norte, ainda distante cerca de 5km do meu destino, bem sinalizado. Como quem está na chuva é pra se molhar, andarilhei tudo pela sinuosa estrada, que após cruzar Ribeirão Vargem Grande, adentra numa região bem rural, salpicada por chácaras, sítios e clubes de campo. De longe, tive meu primeiro contato visual com o simpático serrote que me esperava, ao fundo, onde o brumado matinal fazia questão de ocultar suas cristas e cumes.
 
O dia amanhecera encoberto por espessa nebulosidade, condição que se manteve quando finalmente cheguei no bairro supracitado, lá pelas 10:30hr. Antes, passei num atrativo que tava no caminho, uma tal de "Casa Grande do Carmo", situada numa via de chão transversal que antecedia o serrote visado. O lugar se resume as ruínas duma antiga fazenda cafeeira do século retrasado, composta pela casa grande e sua senzala.  Contudo, o lugar está esquecido e largado, conforme conta Jesus, o simpático senhor que mora do lado e com quem tive infos valiosas da região. Contou que a prefeitura largou o atrativo que, sem manutenção, corre risco de desabar a qualquer momento sob o peso do tempo e do descaso.  O relaxo é visível no telhado caindo pelo peso da vegetação que insiste em nascer nas telhas, e representa o legado do poder público a seu patrimônio histórico que bem poderia ser fonte de renda local.
 
Pois bem, a partir dali me aproximo da Fazenda Icaraí, já quase no sopé da serra almejada e ladeando as casinhas que circundam o Bairro do Carmo. Conforme Jesus me alertara, as placas avisando da proibição de entrada em propriedade da fazenda sob risco de levar chumbo são reforçadas por outras ameaçando de pesadas multas, o que não anima em nada dar continuidade a pernada. E não é pra menos, pois os donos da mesma são uns coreanos que a alugam pra criação de gado e detestam ver gente em suas dependências, e isto se deve aos eternos farofeiros que já adentraram ora pra bagunçar, emporcalhar de lixo um mini-balneário duma represa ou simplesmente detonaram mato ao subir o morro. Noutras, por causa de meia dúzia todos pagam…
 
Bem, como já estava ali e retornar de mão abanando tava fora de cogitação simplesmente fui ladeando a propriedade de forma bem discreta, buscando algum flanco que passasse despercebido do casarão da fazenda. E este ponto foi facilmente encontrado bem próximo da entrada da trilha oficial (já devidamente estudada previamente), tocando na direção norte, quase rente a linha do trem da EF Sorocabana. Não tem erro nenhum.
 
Uma vez na vereda apressei o passo pelo pasto de modo a sair do campo de visão de qualquer pessoa da fazenda, bordejei um belo laguinho e mergulhei finalmente no frescor da mata que forra boa parte do serrote. Após um primeiro trecho bem úmido, em decorrência dum correguinho que abastece os lagos da fazenda, afluentes menores do Córrego da Vargem Grande, no caso, o ribeirão do Carmo.
 
Depois disso a via empina e sobe sinuosamente o morro, quase que em linha reta. Isto se deve a que a trilha já fora uma antiga estrada de chão, hoje bem precária e descaracterizada. Na verdade, havia trilhas nascendo por boa parte das encostas e ombros serranos vizinho indo na direção desejada, mas aquela via (agora trilha) era a única mesmo mais afastada e fora da vista dos proprietários do lugar. O legal, apesar de lisa e escorregadia, era a exuberante mata ao redor.  O porém eram os mosquitos, que inviabilizavam qualquer parada pra retomada de fôlego.
 
Em coisa de menos de 40 minutos reparei estar saindo do mato fechado pra andarilhar pela encosta desnuda, agora me presenteando tanto com uma agradável brisa refrescante como com generosos visus do entorno. Daqui nasce uma ramificação que ganha o alto do cocoruto a minha esquerda, enquanto a via principal continua ladeando a encosta em direção ao alto do morro propriamente dito.
 
Tomo o desvio a esquerda, galgando alguns degraus pelo capim e logo me deparo com o cume daquele largo ombro serrano. Enormes monólitos emergem do chão, tal qual grandes tótens, cercados de alguma matinha. O rochoso da esquerda de todo conjunto é a tal Pedra Balão, que juro que tentei me valer da minha criatividade e enxergar um balão nela, sem sucesso. Vai ver por não ser a perspectiva apropriada ou por ter esse nome por outro motivo. Resumindo, não vi balão algum, mas isso não significava que aquele rochedo grande e espichado não tivesse sua cota de respeito e majestuosidade.
 
Enquanto um carcará me observava das outras pedras, explorei cada canto da tal Pedra Balão, encontrando um vão, sob forma de lapa, perfeito pra bivake em sua base, enquanto que do outro lado um corte quase vertical do seu topo possibilitava um bom boulder pros adeptos de escalada. Como não me enquandrava nesse target, existe uma decrépita e rústica escadinha de madeira que leva a galera pro topo da pedra. E sozinho, as 11:30hr, naquele belo mirante natureba da cota de 1030m de altitude, tive um relax prolongado assim como meu lanchinho mirrado. O tempo havia melhorado um pouco, embora ainda não houvesse sinal do Sol. Mas ao menos a nebulosidade permitia belo vislumbre que ia desde Vargem Grande Paulista até Caucaia do Alto, enquanto que o outro quadrante era dominado pela cumieira do serrote no qual me encontrava, ora coberto de mato ou com suas antenas destoando no alto.
 
Descansado e revigorado, resolvi atingir os 1115m alto do serrote que me chamava silenciosamente, nessas elucubrações típicas que somente montanhistas entendem. Pra isso, retornei já última bifurcação que apenas envernizou de certeza minhas suspeitas. E lá fui eu subindo suavemente pelo colo que interligava a Pedra Balão ao serrote principal em meio ao pasto, pra depois meu caminho se embrenhar por arbustos mais fechados na direção da encosta mais íngreme e tomada pela floresta.
 
A trilha eventualmente se perde, mas é novamente reencontrada na sequência, uma vez que os trilhos de boi abundam e se confundem no caminho principal. Mergulho então na floresta e me vejo subindo e acompanhando uma cerca. O trajeto é bem acidentado. Pedras e troncos se apresentam como obstáculos que ora me afastam e aproximam da rota, mas tudo felizmente sem maior nível de dificuldade. E assim, num piscar de olhos me vejo no alto, sem ter onde mais subir. O cume é frustrante, repleto de mato e sem visu, dominado apenas por um enorme rochedo tomado de bromélias e raízes se entrelaçando. Dali o caminho some, mas presumo que deva prosseguir pra leste ou pro norte, rotas que pretendo retomar noutra ocasião. O que havia palmilhado naquele primeiro reconhecimento local já tava de bom tamanho.
 
Satisfeito, refiz todo mesmo trajeto de volta até o Bairro do Carmo, atentando pra ficar bem longe da vista dos eventuais guardinhas que estivessem de ronda pela fazenda. Chegando lá, cerca das 13hrs, estiquei as pernocas afim dum descanso e uma boa cerveja naquele minúsculo lugar, que mais parece interior, embora o seja de fato. Noutras, um amontoado de casinhas orbitando a pracinha central, onde destoa de forma muito charmosa a Igreja Nssa Sra do Carmo.  Aproveitei pra perguntar de condução e fui informado que havia opção pra ir tanto pra Vargem Grande como pra São Roque, mas s horários eram bem irregulares.
 
Pois bem, com disposição física e sem saco de esperar um tantão seja qual fosse o latão, decidi retornar a pé mesmo, porém por outro caminho mais direto e menos sinuoso. Escolhi acompanhar a rota da antiga EF Sorocabana uma vez que sabia que ela me deixaria na SP-250, a sudoeste. E lá mandei naquele ferro-trekking sussa, apreciando a paisagem diferenciada dos morros e várzeas alagadiças de planície, passando inclusive pelo local onde estava erguida a antiga estação Aguassaí, que na verdade nem estação era e sim apenas um centro telegráfico.
 
Alcancei o asfalto pouco depois das 14hr, descansei sob a sombra duns arbustos e empreendi caminhada na direção de Vargem Grande. Sim, meu escorpião no bolso se fez presente e insistiu pra que fizesse valer aquilo que carrego entre as pernas e andasse os 5km que tinha pela frente, mesmo tendo muito mais opções de transporte coletivo ali, fosse pra onde me dirigia, Caucaia, São Roque, etc.
Cheguei em Vargem Grande Paulista lá pelas 16:30hr, a tempo suficiente de descansar e garantir num mercado minha birita e um lanche de viagem. Ali tem a opção óbvia de tomar condução 421 pra estação Itapevi, mas decidi retornar no mesmo busão pelo qual viera mas retornando a Sampa, ou seja, em direção ao Metro Butantã, que tomei pouco antes das 18hr. Viagem feita no mundo dos sonhos, enquanto a janela do latão emoldurava a paisagem a margem da Raposo Tavares sendo tomada pelas tradicionais chuvas torrenciais de verão. Aí não apenas de sorte de já estar voltando protegido dela, como também estar retornando no sentido contrário dos habituais engarrafamentos típicos de final de dia. Ainda bem.
 
Fazendo uma breve análise do bate-volta, a Pedra Balão revelou-se opção bacana de roteiro de pouco mais de meio-período, bastando apenas atentar bem ao lance do acesso. Fica a dica da extrema cautela ao adentrar na propriedade pois o risco (pelo que me contaram) de levar chumbo é real e respeitar o lugar. Quem sabe solicitando permissão prévia aos proprietários este receio se dilua, mas é apenas minha recomendação. Outro lance a averiguar bem é o transporte coletivo a base da serra, que abrevia um monte a caminhada até o bairro.  Independente disso, eu certamente pretendo voltar, pois vi a grande possibilidade de uma travessia puxada pra um dia cheio ao largo da extensa crista do serrote que abriga a Pedra Balão, mas claro que os detalhes ficam prum vindouro relato. Fica a dica.
 
 
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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