O Patê e o Paine

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Já me referi a esta história no meu primeiro contato com este site, quando Jorge Soto me entrevistou tempos atrás. Mas vou contá-la de novo, agora com maior detalhe.

Vista do Maciço do Paine, Chile

Acho que Torres del Paine é o mais belo parque natural que conheci. É enorme e variado e, devido à sua posição austral na Patagônia chilena, só pode ser explorado durante poucos meses no verão. O Paine tem a feliz condição de poder ser percorrido como um circuito, ou seja, numa linda travessia circular.

Travessia do Torres del Paine, Chile

Você verá as misteriosas torres rochosas surgindo silenciosas da neblina e os amplos vales limitados pelas neves eternas ou decorados pelas flores rasteiras. Avistará os lagos de águas preguiçosas e incrivelmente coloridas, a imensidão gelada dos glaciares, o movimento das árvores, das flores e dos pássaros.

E ouvirá o rugido constante do vento, que você descobrirá como seu inseparável companheiro de todos os dias. Para mim, o vento é a maior das presenças na natureza do Paine. Às vezes ele me lembrava um predador, sempre rondando à minha volta e de repente arremetendo em minha direção.
Se você quiser visitar os acampamentos altos, provavelmente precisará de dez dias para o percurso de 160 km. Se não usar os lodges, terá de acampar e caminhar pesado. Foi o meu caso, passei mais de um mês planejando todos os meus pertences, em especial é claro a alimentação.

As Rotas de Escalada nas Torres, Torres del Paine, Chile

Mas foi um verdadeiro insulto encontrar logo no começo, nas escadas do Centro Administrativo do parque, uma jovem americana se deliciando com patê francês! Adoro patê e me achei um idiota por não tê-lo incluído. Era o fim de uma manhã num dia lindo, o que aguçou a minha fome

A vingança veio alguns dias depois, quando voltei a encontrar a moça às margens do Rio Grey. Ela estava quase delirando de inanição. Seus caros e inúteis mantimentos tinham acabado, junto com suas forças.
Sentindo-me bondoso e superior, dei-lhe uma boa dose de alimentos e de conselhos – mais estes do que aqueles – e segui viagem, não sem a lembrança daquele delicioso patê.

As Torres, Torres del Paine, Chile

Note que este circuito nem sempre existiu, pois não era possível contornar o maciço rochoso oposto ao glaciar. (Na realidade, alguns trekkers conseguiam descer pela parede do maciço, passar pelo mato denso e cruzar o rio, completando a seguir a volta.)

O atual passo que conduz ao glaciar do outro lado foi descoberto por um inglês chamado John Gardner, quando lá passou quatro anos nos fins da década de 1980. Ele costuma visitar com frequência o parque, onde é muito querido. O passo leva justamente o seu nome.
Durante minha travessia, a nevasca interditou o passo, tive de refazer a trilha pelo outro lado. Ou seja, fui ao glaciar e dele voltei, o que me fez atrasar um dia. Ao chegar, preferi ir ao Centro Administrativo na manhã seguinte e não logo em seguida.
Quando passei lá, soube que ninguém menos do que John Gardner tinha acabado de visitar o parque e retornado no dia anterior – se lá tivesse ido antes, teria tido a rara oportunidade de conhecê-lo!

Os Percursos O e W, Torres del Paine, Chile

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Sobre o autor

Nasci no Rio, vivo em São Paulo, mas meu lugar é em Minas. Fui casado algumas vezes e quase nunca fiquei solteiro. Meus três filhos vieram do primeiro casamento. Estudei engenharia e depois administração, e percebi que nenhuma delas seria o meu destino. Mas esta segunda carreira trouxe boa recompensa, então não a abandonei. Até que um dia, resultado do acaso e da curiosidade, encontrei na natureza a minha vocação. E, nela, de início principalmente as montanhas. Hoje, elas são acompanhadas por um grande interesse pelos ambientes naturais. Então, acho que me transformei naquela figura antiga e genérica do naturalista.

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