O Salto do Caratuva

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Nova Santa Bárbara é um pacato município norte paranaense que dista 80km de Londrina que nasceu como antigo ponto de apoio tropeiro. Seu nome original era Água do Sabiá mas mudou pra Santa Bárbara porque os antigos proprietários das maiores glebas eram devotos da santa. Situada às margens da PR-090 e banhada pelo Rio Tigre, é num afluente deste que se encontra seu maior atrativo natureba, o Salto do Caratuva, um conjunto de quedas de quase 20m de desnível. Foi este belo e refrescante atrativo do Rio São Jerônimo que fomos conhecer num dia quente de outono, numa pernada tranquila que totalizou cerca de 15kms bem andados.

Devido a sua geografia e topografia basicamente horizontal, é mais que sabido que a “Pequena Londres” tem quedas bastante pequenas. Pra encontrar saltos maiores é necessário rumar um pouco mais pro sul, onde a geomorfologia é mais escarpada e possibilita a formação de cachoeiras mais generosas e imponentes. Exemplo foi o espetacular Salto do Tigre, em São Jerônimo da Serra, visitado cerca de um mês atrás. Usando essa mesma lógica e avaliando uma logística enxuta, desta vez nos pirulitamos pra minúscula Nova Santa Bárbara, por sinal próxima de São Jerônimo. Mais precisamente numa localidade rural de nome Caratuva, situada às margens da PR-090. Arrumamos as tralhas, compramos as passagens e lá fomos nós.
Sim, levantamos novamente cedo pra embarcar no busão que nos levaria ao destino da vez, por volta das 7:15hr, mas isso também faz parte do pacote. Pelo menos deu pra cochilar no trepidante latão, que apesar da curta distância tem seu tempo de viagem dilatado por conta das inúmeras paradas nos municípios de todo aquele trajeto. No nosso caso, extraordinariamente, o trajeto de duas horas foi aumentado por conta de problemas no nosso precário meio de transporte, nos obrigando a baldear na penúltima parada, São João da Amoreira. Felizmente não estávamos com tempo muito apertado pro rolê e este contratempo serviu apenas pra temperar um tiquim mais a viagem.
Saltamos, enfim, no minúsculo terminal rodoviário de Nova Santa Bárbara, que mais parecia uma garagem domiciliar qualquer, alocada no meio da bonita praça central. O relógio marcava pontualmente 10:30hr e dali apenas bastou tocar pro sul pela rua Interventor Manoel Ribas, enquanto a tranquila vila parecia recém levantar. Como sempre, fui me fiando dum croqui previamente rasurado, método este que sempre bastou pra me virar seja onde for e com alto grau de eficácia.
Pois bem, uma vez que o burburinho matinal de Nova Santa Bárbara ficou pra trás, começamos finalmente chinelar pelo acostamento da PR-090 e sempre pro norte, isto é, sentido de São Jerônimo da Serra. Caminhada esta de 5kms que inicialmente desce de forma suave e imperceptível (e em linha reta) até a baixada da ponte sob o Rio Tigre, que rumoreja suas águas na direção oeste. Na sequência vem uma branda subida que deriva de leve pra sudeste e desce pra outra ampla e larga baixada, onde já se pode ouvir o Rio São Jeronimo marulhando bem próximo, no arvoredo a nossa esquerda. Aqui é preciso atentar pra estrada de chão que nasce logo a seguir, mais precisamente logo após a entrada pra Matão do Cedro, do outro lado da estrada.
Uma vez na poeirenta via de chão avermelhado não tem erro, bastou só tocar em frente pra leste e aos poucos ir se aproximando do vale do São Jerônimo. As verdes matas em volta do sinuoso rio contrastavam fortemente com o tom ocre ou dourado dos cultivos ao redor, e o som trovejante de suas águas mais furiosas bastava pra nos orientar da localização precisa do nosso objetivo da vez. E assim após cruzar por uma simpática casinha e a estrada desviar de vez pro norte, adentrando num foco de mata, a entrada da trilha se fez visível deixando as coisas muito mais fáceis pra gente.
Mergulhamos então na picada que serpenteou a mata agreste e cerrada que circunda o rio, e descemos com pouco desnível até uma trifurcação. Ali decidimos apenas seguir em frente e, após um trecho curto e fácil de desescalaminhada, atingimos os lajedos e pedras que se empilhavam a margem do rio. Pelo barulho estávamos bem do lado duma grande queda de quase 20m, mas sem visual da mesma. Nossa paisagem se limitava apenas a um paredão irregular de rochas dividindo o restante do verdejante vale do São Jerônimo.
Decidimos então apenas acompanhar as pedras da margem, rio abaixo. E tome desescalada aqui e acolá, segurando em pedras ou no arvoredo próximo. Só assim fomos avançando ao mesmo tempo que perdíamos altura, nos espremendo por estreitas fendas da encosta e usando tocos e raízes como agarras ou degraus. Finalmente chegar na base da queda, mais precisamente as margens dum enorme poço onde tínhamos vista lateral da cachoeira. Pausa pra fotos e breve descanso, pois o suor já escorria farto da testa. Mas como queríamos ficar cara a cara com a queda tivemos que avançar ainda mais, de modo a contornar o piscinão supracitado. Simbora então.
Passamos então a escalar as rochas da íngreme encosta de modo a cair novamente na mata, onde o avanço mostrava-se mais ágil. Ali encontramos vestígios de trilha (na verdade, mato abaixado) que facilitou o acesso desejado mas que não impediu de ainda utilizar o traseiro como apoio pra voltar á margem. Num piscar de olhos ganhamos as enormes lajes dispostas a frente da queda, que agora vislumbrávamos por inteiro. O Salto do Caratuva não tem uma queda única e sim se resume a um pitoresco conjunto de cascatas de diferentes tamanhos despencando de uma altura de menos de 20m. O espetáculo natureba imediatamente me lembrou qualquer grande queda do Espinhaço mineiro, com água caindo em vários níveis de uma margem à outra.
O dia estava lindo e radiante e, acredite se quiser, não havia mais ninguém ali. Olhei pra tela do celular e marcava apenas meio-dia e meio. Com tempo de sobra e donos absolutos daquele pequeno paraíso batemos muitas fotos, descansamos um monte, mastigamos nossos sandubas e ficamos ali de boa, apenas contemplando a queda jorrar suas águas no rio, que seguia seu curso sinuoso vale abaixo. Aproveitei também pra me brindar com um tchibum refrescante num poço rente á queda, banho este que a Lau declinou por conta da água fria. Por sua vez, um enorme urubu se empoleirava num enorme tronco que destoava da mata, na outra margem, provavelmente esperando ciscar as sobras do nosso lanche. Mas coitado, estávamos com tanta fome que não sobrou nada pra infeliz ave.
Revigorados, pusemos o traseiro pra andar cerca de uma hora após ali haver chegado. Já logo no início da volta encontramos a vereda “oficial”, meio escondida na mata daquela margem. Pois é, e a gente ralou na base de vara-mato e desescalaminhada pra chegar até ali. Dane-se, faz parte da aventura. E tomando esta vereda bem batida começamos a subir o rio pela encosta florestada, passando por enormes matacões e cruzando enormes valas erodidas com pequenos cursos d’água que desaguavam no rio principal.
Num piscar de olhos aquela picada desembocou numa das ramificações da primeira trifurcação avistada no começo da trilha (lembra?). Com tempo sobrando, fomos conhecer a vertente que restava daquele cruzamento. A vereda então acompanhou em nível, rio acima, cruzando um belo túnel de bambus pra depois dar lugar a mata mais baixa e arbustiva. Cruzou um charco e novamente nos devolveu á margem pedregosa do rio, onde findava. Ali, onde o rio corria manso, havia mais uma queda mas esta era homogênea entre as margens e a água despencava de uma altura de pouco mais de um metro. Era uma cascatinha mais amistosa que a outra, muito mais selvagem.
Refizemos o caminho da volta após uma rápida esticada pro alto da cachu principal, e tomamos a estrada de chão e a via asfaltada logo a seguir. Pernada enfadonha que passou até despercebida uma vez que o celular voltava a ter sinal após deixar o vale atrás; agora o radinho em alto som nos distraia ora com comentários esportivos ou com as últimas daquele dia, no caso, o falecimento do Belchior.
Pisamos novamente em Nova Santa Bárbara por volta das 15:30hr e encostamos num boteco á espera do busão, que passou pra nos pegar coisa de uma hora depois. Pesquisando depois descobri que a santa que empresta nome ao pacato distrito é a padroeira dos artilheiros, dos fogueteiros, dos mineiros e dos bombeiros. Também encontrei indícios de que já existe iniciativa de camping numa propriedade que possui uma queda de nome Maria Julia, bastante frequentada, mas ainda sem infraestrutura adequada pra atender visitantes. Bem, pelo menos já é alguma coisa. Isso já é sinal que o distrito ainda engatinha na prática consciente e responsável do ecoturismo, mesmo dotado de atrativos naturebas significativos, que por sinal aguardam ansiosamente sua visitação neste rincão esquecido do Terceiro Planalto Paranaense.
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Sobre o autor

Jorge Soto é mochileiro, trilheiro e montanhista desde 1993. Natural de Santiago, Chile, reside atualmente em São Paulo. Designer e ilustrador por profissão, ele adora trilhar por lugares inusitados bem próximos da urbe e disponibilizar as informações á comunidade outdoor.

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