Brasileiros conquistam rota alpina nos Andes da Argentina

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Rota está localizada nos Três Picos del Amor, montanha de 4990 metros de altitude em Mendoza, montanha que foi escalada apenas 4 vezes na história.

Misturando escalada em rocha, gelo e neve, os brasileiros Felipe Dias, Fabio Melo e Frederico Moreira, junto com o alemão Ronny, realizaram a escalada que durou 4 dias. A Montanha, um pico rochoso com varias canaletas de neve e gelo, fica na região de Portillo, próximo à Arenales e foi pouquíssimas vezes escalado, sempre por rotas diferentes.
 Esta escalada misturou altitude, escalada em rocha e gelo, em uma típica escalada alpina no coração dos Andes, o que é raro em Mendoza no verão, quando há mais avalanches de rocha devido o degelo.
 Foi a quarta ascensão absoluta à montanha, todas por rotas diferentes. A primeira foi no ano de 1965, depois 1972, 2003 e agora esta que foi em janeiro de 2016.
 Abaixo, o escalador Felipe Dias, que mora na Argentina conta como foi a escalada inédita:
 – E aí, qual a boa esse ano?
Me pergunta o Fabinho, se referindo a temporada passada quando escalamos na Torre del Campanário.
– Então, vamos ver! Respondi sem certeza alguma, mas com algumas possibilidades em mente. 
 O pessoal estava aqui pela temporada, e eu moro aqui na Argentina. A ideia inicial era o Vulcão Maipu, mas devido às más condições do inverno, a estrada ainda estava fechada.
 Tínhamos de armar outro plano. Eu, no momento, trabalhando aos fins de semana, estaria complicado pra pegar algo de muitos dias pra fazer. Teria de ser algo que desse pra fazer em 4 dias.
 Os “Tres Picos del Amor ” são uma linda formação no Cordón Portillo, que eu já vinha há algum tempo namorando (afinal, elas são del amor). Desde que avistei, de alguns picos próximos, fiquei encantado com a beleza das torres, em especial sua torre central: Uma formação cônica, rochosa, rachada por canaletas.
 A ideia era sair no melhor “estilo alpino” possível, poupando o máximo: Amendoim contado por pessoa, arroz medido na canequinha, chá no conta-gotas… Bem nem tanto, mas nessa loucura do “vamos leve” acabamos arrendondando pra menos.
 Primeiro dia deixando o Cajón de Arenales, nosso vale encantado de tantos amigos e temporadas. Com muito pesar, já que nessa noite estava combinada uma festinha entre a galera, devidamente arquitetada pelo grande Yagua, personagem local e poeta da vida. Mas assim, como pessoas muito sérias e comprometidas, conseguimos fugir desta noite regada a vinho e comida. Ufa!
 Fizemos os últimos preparativos no refúgio e armamos as pequenas mochilas para subir.
– Vai estar frio lá em cima eim!  Uma de cada duas pessoas no refúgio nos alarmou. Para isso tínhamos até sopa na garrafa térmica, pensei comigo… Que frio resiste a isso?
 Partimos, eu (Felipe), Fabinho, Fred e Alemão. Não é apelido, o cara é alemão mesmo, se chama Ronny. Uma peça rara que dá as caras por Arenales já há algumas temporadas. Sempre com um mate, uma caneca de café e um “pucho” por perto.
 No primeiro dia subimos a Laguna Escondida, já beirando os 4 mil metros. Dia frio, tivemos de cozinhar do lado de fora com isolantes fechando a cozinha. Aquela sensação torpe da altitude, o alemão servindo mate com seu español chileno, o fred cozinhando arroz em uma barraquinha de isolantes… Foi o final do primeiro dia.
 Já no segundo… White out. Modo neblina estava ligado. Sem visibilidade, partimos rumo às brumas brancas do vale da condolência, mentira… Subimos canaletas de neve mesmo e em um momento nos perdemos completamente. As bússulas rodavam sem direção, e o GPS… O GPS a gente não tinha mesmo. Seria o triangulo das bermudas versão andina?
 Em um momento sentamos, desorientados. E começamos a pensar no que fazer. Voltar? Não, ainda não tamos tão mal assim. Seguimos.
 O tempo abriu e lá vimos então onde estávamos. “Terra a vista!” pensei em gritar, mas me lembrei que não estava no mar. O pico apareceu, esplendoroso, estromboso, estratosférico. Divino.
 Só consegui tirar uma foto.
 Vimos agora o caminho correto e seguimos, rumo ao campo 2. Uma tigela de neve, bem no pé da montanha, mais frio que o &^%#^%. Armamos a barraca e já começamos a perceber que a noite seria dez. Desoladora.
 Na poupação de peso cada um levou um isolante só, o que faz dormir na neve mais frio que o coração da bruxa do 71.
 O procedimento da dormida da galera foi no devido esquema: Deita do lado direito até ficar congelado, dae vira de costas o que faz o lado direito descongelar, assim deita do lado esquerdo, enquanto o direito descongela, repetindo o processo umas 70 vezes durante toda a noite. A típica noite “Tomara que amanheça”.
 Mas o sol é para todos e cedo já esquentava nossos nylons. Partimos cedinho, Fabinho preocupado porque deixamos uma panela suja no acampamento, mas já pegamos a linha que vimos no dia anterior. Uma bela linha, vertical, direta ao filo cumbreiro. Nos encordamos nesse processo e colocávamos proteções pelo caminho.
 Chegamos ao Col, onde depois de uma travessia, pegamos a parte mais empinada da canaleta. Seguimos por excelente neve, profunda em alguns lugares, mas normalmente firme e rápido já chegamos a parte rochosa.
 Ainda faltavam uns 150m verticais ao cume nesse momento, trechos de escalada muito expostos, com blocos soltos do tamanho de televisões, geladeiras, freezers, liquidificadores, praticamente uma casa, estava totalmente mobiliado o lugar.
 Sendo o último um boulder do cume! Eba! Ali ficamos um pouco, procurando o caminho de descida, já que voltar pela via era inviável. Encontramos blocos e começamos a rapelar, 3 rapéis curtos entre desescaladas de bota. Deixei um piton caseiro que eu mesmo fiz (mas ficou pró) e umas fitas, já prontinho pro próximo que for olhar falar ” não desço nisso aqui nem ferrando “.
 Mas deu certo! Nesse momento devíamos ter 15g de granola para cada, tudo que sobrou. A volta deveria ser rápida, porque já não tínhamos nem almoçado nesse dia. Descendo pelas canaletas, já numa parte de menor pendente, o Fabinho prepara seu equipo, coloca o anorak por baixo da cueca e pula sentado. Olho pra trás e vejo Fred e Ronny passando como uma bala, e eu claro, pulei atrás. Descíamos as gargalhadas.
 Lembrei do bobsledge do filme “Jamaica Abaixo de Zero”, vendo os dois escorregando na minha frente e controlando a velocidade com a piqueta.  E assim em pouco tempo já estávamos de volta à base.
 Chegamos ao acampamento, deixamos as coisas secarem um pouco e já partimos de volta à Arenales.  Chegando ao refúgio encontramos o pessoal voltando de suas escaladas.
 Dormimos cansados, mas felizes.
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Texto publicado pela própria redação do Portal.

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