Crônica da temporada de escalada do Karakoram 2016

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Finalmente encerrada a temporada de verão (tardiamente devido à expedição ao Latok em outubro), é possível fazer um balanço geral do que aconteceu no verão paquistanês.

por Rodrigo Granzotto Peron
 
NOTAS INICIAIS
 
A temporada foi difícil como de costume, com bastante neve nas montanhas e tempo instável quase o tempo todo. Esse conjunto de fatores levou a pouquíssimos cumes, mas, por outro lado, tivemos a sorte de não ter nenhuma morte nas montanhas de 8000 metros, o que é muito raro de acontecer.
 
As maiores expectativas para o Karakoram eram as tentativas de novas rotas no Nanga Parbat (equipe de Yannick Graziani, Helias Millerioux e Ferran Latorre) e no Gasherbrum I (equipe de Marek Holecek e Ondra Mandula), mas que acabaram não se concretizando.
 
ATIVIDADES NAS MONTANHAS DE 8000 METROS
 
K2
 
Poucas vezes o K2 viu tantas expedições e tantos escaladores em seu campo base. 
 
Em 2016, inúmeras expedições comerciais – Seven Summits Treks, Madison Mountaineering, Kobler & Partner, Lela’s Expeditions – aportaram no K2 com mais de cem alpinistas, entre guias, sherpas e clientes, gerando a especulação de que “o K2 virou o novo Everest”, pela comercialização e excesso de escaladores.
 
Por outro lado, o K2 não foi nada amistoso com essa multidão e a temporada acabou com nenhum cume (aliás, ninguém conseguiu ir acima dos 7500 metros).
 
Número de cumes por temporada:
 
1998: 0
1999: 0
2000: 25
2001: 9
2002: 0
2003: 0
2004: 51
2005: 0
2006: 4
2007: 31
2008: 18
2009: 0
2010: 0
2011: 4
2012: 30
2013: 0
2014: 50
2015: 0
2016: 0
 
Como se pode ver, em 10 das 19 últimas temporadas do K2 não houve qualquer cume (é a taxa de insucesso mais elevada entre todos os 8000). Tirando algumas boas temporadas – 2004, 2007, 2008, 2012 e 2014), as demais tiveram pouquíssimos êxitos ou nenhum.
 
Nanga Parbat
 
Após desistirem da tentativa de nova rota na Face Diamir (tentavam concluir a inacabada Rota Messner de 2000), Ferrán Latorre e Hélias Millerioux uniram forças com o búlgaro Boyan Petrov e foram os únicos a ter sucesso no Nanga Parbat. Boyan é “uma máquina” e este foi seu terceiro cume de 8000 metros em 2016 (na primavera, fez o Annapurna e o Makalu, um desempenho incrível).
 
As outras quatro expedições no NP foram infrutíferas.
 
Lista preliminar de cumes:
 
1) Ferrán Latorre (ESP) – seu 13º cume de 8000 metros
2) Boyan Petrov (BUL) – seu 8º cume de 8000 metros
3) Hélias Millerioux (FRA)
 
Broad Peak
 
No Broad Peak, todas as atenções estavam voltadas ao Oscar Cadiach, prestes a completar todos os 14 cumes. Não obstante, novamente o BP defletiu as investidas do espanhol. Esta foi a quarta tentativa do catalão no Broad Peak, todas infrutíferas, embora ele tenha culminado os outros cimos do maciço: Broad Peak North (7650m) em 1990 e Broad Peak Central (8035m) em 1992.
 
Das cinco expedições na montanha, apenas uma conseguiu ir ao topo.
 
Lista preliminar de cumes:
 
1) Ales Cesen (SLO)
2) Luka Lindic (SLO)
 
Gasherbrum II
 
No Gasherbrum II, o 8000 mais fácil do Paquistão, muito poucas expedições (apenas 6), sendo que apenas uma foi ao cume de ambas as montanhas do maciço: Dreamers Destination, operador nepalês de propriedade de Mingma Gyalje Sherpa.
 
Lista preliminar de cumes:
 
1) Liu Yong-Zhong (CHIN) – seu 7º cume de 8000 metros
2) Ryan Kushner (EUA)
3) Lee Jennings (EUA)
4) Armaan Haddad (IRAN)
5) Jeff Heiderer (CAN)
6) Endo Chi (EUA)
7) Mingma Gyalje Sherpa (NEP) – seu 7º cume de 8000 metros
8) Ali Raza (PAQ) – seu 5º cume no Gasherbrum II (recorde absoluto)
 
Gasherbrum I
 
No Gasherbrum I, no início de agosto, novo sucesso da Dreamers Destination, com destaque para a dobradinha feita por Mingma Gyalje Sherpa, líder da expedição, e o chinês Liu Yong-Zhong. Além disso, deve ser ressaltado o incrível 11º 8000 culminado por Zhang Liang, que segue a passos firmes para ser o primeiro chinês a completar os 14 oitomil. As demais – cinco – expedições, não conseguiram cume.
 
Lista preliminar de cumes:
 
1) Liu Yong Zhong (CHIN) – seu 8º cume de 8000 metros (dobradinha G1 e G2)
2) Dong Hong-Juan (CHIN) – seu 5º cume de 8000 metros
3) Zhang Liang (CHIN) – seu 11º cume de 8000 metros
4) Steffen Helmut Otto (ALE)
5) Ali Raza (PAQ) – seu 3º cume no Gasherbrum I
6) Mingma Gyalje Sherpa (NEP) – seu 8º cume de 8000 metros (dobradinha)
7) Dawa Gyalje Sherpa (NEP)
8) Da Kipa Sherpa (NEP)
 
MONTANHAS ABAIXO DOS 8000 METROS
 
Gasherbrum IV (7925m)
 
Após o cume no Broad Peak para aclimatação, a dupla eslovena Ales Cesen e Luka Lindic partiu para a poderosa Shinning Wall do Gasherbrum IV, um dos desafios mais notórios e tecnicamente difíceis em alta montanha de toda a Ásia. 
 
Após duelo épico de dez dias contra a parede, atingiram o Cume Norte em 26 de julho, mas não tiveram forças para prosseguir até o ponto mais alto, que fica trezentos metros além e é muito difícil de ser atingido.
 
A aresta nordeste, rota utilizada pela dupla, somente foi vencida integralmente duas vezes, em 1986 (equipe australiana) e 1999 (equipe sul-coreana). As demais expedições que chegaram ao platô do cimo – Schauer-Kurtyka em 1985, equipe espanhola em 2008 e, agora, eslovenos em 2016 – pararam na antecima.
 
Tirich Mir (7690m)
 
Após um hiato de dez anos, o Tirich Mir foi visitado por duas expedições. A equipe russa desistiu aos 5800 metros, ao passo que o time francês, liderado por Jerome Chazelas e Quillet Thomas, conseguiu culminar a montanha em 13 de julho.
 
Shispare (7611m)
 
A montanha seria visitada pelas expedições de Bruce Normand (UK) e de Doug Chabot (EUA), mas aparentemente nem chegaram a ir até a montanha. A equipe americana teve problemas logísticos e  com permit.
 
Muztagh Tower (7284m)
 
A dupla germânica Felix Berg e Matthias Konig tentou nova rota na dificílima aresta sudeste, mas devido ao mau tempo e ao risco extremo de avalanches retornaram de 6000 metros. A Muztagh Tower, um colosso granítico no coração do Gilgit, foi ascendida apenas quatro vezes desde o início das expedições no maciço: 1956, 1956, 1990 e 2012.
 
Diran ou Minapin (7266m)
 
Expedição esloveno-norueguesa de Irena Mrak, Mojca Svajger, Tomaz Goslar e Vibeke Sefland encerrou as atividades aos 6600 metros devido ao mau tempo.
 
Luphgar Sar I (7200m)
 
Montanha raríssimas vezes tentada e somente uma vez conquistada (em 1979), foi objeto de expedição internacional liderada pelo britânico Bruce Normand, sem sucesso.
 
Spantik (7026m)
 
Expedição internacional da Wildcountry Consultants, liderada pelo norte-americano Christopher (Chris) Horobin não conseguiu atingir o cume da montanha.
 
Gasherbrum VI (7003m) & Praqpa Ri (7156m)
 
Um dos cumes menores do maciço do Gasherbrum permanece virgem e foi tentado, em 2016, por time alemão liderado pelo famoso Ralf Dujmovits, dono da empresa Amical e primeiro alemão a completar os 14 oitomil.
 
Na companhia da canadense Nancy Hansen, foi apenas até 6400 metros, pois o tramo acima dessa cota “é protegido por uma barreira de rochas e de gelo duro como mármore, coberto por uma fina camada escorregadia de neve”.
 
Também foi infrutífera a tentativa da dupla no Praqpa Ri.
 
Tragédia no Ogre II (6960m)
 
O ponto mais trágico e sombrio da temporada do Karakoram deu-se no Ogre II.
 
Os experimentados top climbers norte-americanos Kyle Dempster e Scott Adamson estavam tentando a montanha pela terceira vez, mas foram colhidos por uma tempestade severa em 22 de agosto, que durou dois dias inteiros. Quando ela passou, começaram as buscas, que duraram mais de uma semana, sem sinal dos alpinistas.
 
Dempster ficou famoso após sua incrível escalada de uma nova rota na Face Sul do Ogre I, em 2012, pela qual ganhou o prêmio Piolet d’Or em 2013. Além dessa, inúmeras outras escaladas de altíssimo nível foram executadas pelo escalador em sua vida. Deixa uma lacuna para o montanhismo dos EUA.
 
Em decorrência da tragédia, o time alemão que tentaria o vizinho Latok I (7145m), Thomas Huber, Toni Gutsch e Sebastian Brutscher, teve que abandonar a escalada e se envolveu nas operações de resgate, voltando para a Alemanha sem o cume.
 
Laila Peak (6096m)
 
Equipe italiana liderada por Enrico Mosetti tentou escalar a Face Noroeste e descer de esqui, mas a morte de um integrante do time – Leonardo Comelli – deflagrou o fim da empreitada.
 
Shipton Spire (6003m)
 
Time espanhol liderado por Ekaitz Maitz tentou nova rota na notória agulha paquistanesa, mas tiveram que desistir. Então voltaram suas atenções à repetição da rota Women and Chalk na Face Sul, que teve que ser abandonada aos 5100 metros devido às constantes quedas de rochas.
 
Autor: Rodrigo Granzotto Peron
Finalização do texto: 2.11.2016
 
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Texto publicado pela própria redação do Portal.

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